Director-Coordenador da Caixa Geral de Aposentações

Rec. n.º 14/A/2000
Proc.:R-1991/96
Data: 2000-02-16
Área: A 3

Assunto: SEGURANÇA SOCIAL. PENSÃO DE APOSENTAÇÃO. ERRO DE CÁLCULO. RETROACTIVOS. JUROS DE MORA.

Sequência: Acatada

1. Como é do conhecimento de V.Ex.ª, o Senhor …, pensionista n.º …, dirigiu-me uma reclamação relativa ao não cumprimento integral, por parte dessa Caixa, do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 4 de Abril de 1995, que se pronunciou em sentido favorável ao reclamante e manteve a anulação do acto da Direcção dessa Caixa que fixou, inicialmente, a respectiva pensão.

2. Em execução daquele Acórdão, essa Caixa abonou ao reclamante os retroactivos respeitantes às diferenças da pensão que lhe era devida, no período compreendido entre 22.07.85 e 30.06.95.
Todavia, não lhe foram pagos juros de mora sobre os retroactivos abonados, ou seja, sobre os valores de que o reclamante esteve privado indevidamente, não obstante o pedido formulado pelo mesmo. Com efeito, tal pedido veio a ser indeferido por despacho da Direcção dessa Caixa, proferido em 6.12.96.

3. Convidada essa entidade a pronunciar-se sobre a alegada não execução integral do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, foi remetido a este órgão do Estado, através do ofício de 16.07.96, cópia do parecer do Gabinete Jurídico dessa Caixa que fundamentou o supra referido despacho de indeferimento.

A análise daquele parecer permite concluir que o fundamento da decisão de não pagamento dos juros de mora se baseia no facto de a Caixa ter procedido, dentro dos prazos legais, à execução do Acórdão, pelo que, não se tendo verificado uma situação de mora no respectivo cumprimento, entende a Caixa não haver lugar ao dever de indemnizar.

Discordando da argumentação invocada, foi essa entidade confrontada pelos serviços que dirijo, através de ofício, com o facto de não estar em causa o pagamento de juros decorrentes da inexecução ilegítima do Acórdão, mas sim o ressarcimento dos prejuízos decorrentes da prática do acto ilegal anulado por decisão judicial, ou seja, o prejuízo que resultou para o reclamante do facto de não ter recebido atempadamente o valor da pensão a que tinha direito.

Em resposta, a Caixa veio sustentar o entendimento anteriormente perfilhado, reafirmando que a atribuição de indemnização ao reclamante só deverá ter lugar nos casos previstos no artigo 10º e seguintes do Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho.

4. Salvo o devido respeito, não posso de forma alguma concordar com a posição ali defendida por V.Ex.ª. Na verdade, tendo o tribunal anulado o acto da Direcção da Caixa que fixou, inicialmente, a pensão ao reclamante, tudo se passa, juridicamente, como se tal acto nunca tivesse sido praticado. Naturalmente que o tribunal, ao anular um acto ilegal, não deve, nem pode extrair dessa anulação qualquer consequência. Com efeito, compete ao órgão que praticou o acto o dever de executar a sentença, dever esse que surge a partir do momento em que a sentença transita em julgado.

Impõe-se, assim e antes de mais, precisar com clareza em que consiste o dever de executar, de forma a ser possível determinar, em cada caso concreto, quais os actos que a Administração fica obrigada a praticar em consequência da sentença. Ora, o dever de executar, para a concepção genericamente aceite (1), consiste no “dever de reconstituir a situação que actualmente existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado. É o que se chama a reconstituição da situação actual hipotética”.

Como ensina o Prof. Freitas do Amaral, nas obras infra indicadas, a reconstituição daquela situação deve fazer-se através da aplicação de dois princípios, tomando por base a análise da sentença exequenda. Em primeiro lugar, o princípio da retroactividade do acto anulado, ou seja, o da eliminação dos efeitos do acto, tanto os efeitos que o acto ilegal tenha produzido como os actos que em consequência deste tenham sido praticados. Em segundo lugar, o princípio da limitação da eficácia do caso julgado aos vícios determinantes da anulação, ou seja, o princípio de que é possível a substituição do acto anulado por outro que seja válido sobre o mesmo assunto.

5. No caso que nos ocupa, a reconstituição da situação actual hipotética passa, efectivamente e em primeiro lugar, pelo pagamento dos retroactivos correspondentes às diferenças da pensão que era devida ao reclamante, no período compreendido entre 22.07.85 e 30.06.95 e, em segundo lugar, pelo pagamento de uma indemnização pela privação daquelas quantias, desde o dia em que eram devidas ao reclamante até ao dia em que lhe foram pagas. Tal indemnização corresponde, nos termos do disposto no artigo 806º do Código Civil, ao pagamento de juros de mora. Com efeito, só assim se podem considerar eliminados todos os efeitos decorrentes da prática do acto anulado.

Aliás, é também este entendimento que tem sido defendido, de forma unânime, pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo. Atente-se, nomeadamente, no Acórdão de 14.03.96, proferido no Proc. n.º 13744C, publicado no apêndice ao Diário da República de 31.08.98, pág. 1829, no qual se refere que “executar uma sentença anulatória será reconstituir a situação jurídica do recorrente como se o acto anulado nunca tivesse sido praticado, dando assim concretização ao princípio da reconstituição actual hipotética que enforma toda a execução do julgado. No caso dos autos, além dos abonos determinados, a entidade requerida deveria também ter determinado a reconstituição do património das requerentes como se a ilegal recusa desses abonos não tivesse ocorrido. Para este efeito, importa indemnizar as requerentes pela privação dessas quantias, desde o dia em que eram devidas até ao dia da restituição, o que nos termos do artigo 806.º do Código Civil corresponde ao pagamento dos juros legais a contar da constituição em mora”.

Tal indemnização, absolutamente essencial para a reconstituição da situação actual hipotética, nada tem a ver, de facto, com a indemnização dos prejuízos decorrentes da inexecução da sentença, quer seja a prevista no n.º 1 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 257-A/77, de 17 de Junho, cuja fixação é efectuada de acordo com o artigo 10.º do mesmo diploma – inexecução legítima -, quer seja a prevista no n.º 1, do artigo 11.º, a apurar nos termos gerais da responsabilidade civil – inexecução ilegítima. Daí que, a argumentação que sustentou a decisão de V.Ex.ª peque, em meu entender, por não ter feito uma correcta distinção entre os dois tipos de responsabilidade: a que nasce da prática do acto administrativo ilegal, anulado por decisão judicial, e a que emerge da inexecução da sentença.

Na verdade, se estivéssemos perante o dever de indemnizar decorrente da inexecução da sentença, os juros a pagar seriam apenas os devidos desde a data em que a Caixa estava obrigada a executar a sentença, pois só desde aí poderia ter ocorrido a ilicitude geradora do dever de compensar os prejuízos.

6. Certo é que, até à presente data, a situação mantém-se inalterada no que concerne ao pagamento dos juros de mora em dívida ao reclamante, o que evidencia um manifesto incumprimento parcial do dever de executar o Acórdão em causa.

Em face do exposto, RECOMENDO:

a Vossa Excelência a execução do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 4 de Abril de 1995, na parte ainda não cumprida, mais precisamente o pagamento dos juros de mora em dívida ao reclamante sobre os retroactivos da pensão que lhe foram abonados.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL
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(1) Concepção defendida pelo Prof. Diogo Freitas do Amaral in “Direito Administrativo”, Vol. IV, 1988, Lisboa, pág.237, e em “A execução das sentenças dos Tribunais Administrativos”, 2.ª edição, 1997, Coimbra, 45 e 54.