Directora Regional de Educação (Açores)
Número: 32/A/99
Processo: 900/99
Data: 04.05.1999
Área: Açores

Assunto: FUNÇÃO PÚBLICA – DOCENTE – FALTAS POR DOENÇA PROTEGIDA OU PROLONGADA – PROGRESSÃO NA CARREIRA

Sequência: Acatada

I- Introdução

Em 24/02/99, foi aberto processo na Extensão da Provedoria de Justiça da Região Autónoma dos Açores em virtude de reclamação, em que era interessada a senhora Profª. I. B., relativa ao desconto na antiguidade, para efeitos de progressão na carreira, resultante de faltas por doença protegida ou prolongada do pessoal docente.

A coberto do ofício nº …, de …, foi questionada a posição da Direcção Regional de Educação sobre a matéria reclamada. A resposta foi prestada através do ofício nº …, de …, no qual V.Exa. expendia o seguinte entendimento, que se transcreve:

“(…) as faltas dadas por doença protegida ou prolongada, previstas no artigo 48º do Dec.-Lei nº 497/88, de 30 de Dezembro com as alterações introduzidas posteriormente, e definidas no Despacho Conjunto 17-79/89-XI, publicado no Diário da República, II série de 22 de Setembro, descontam na antiguidade nos termos do disposto nº 3 do artigo 27º do diploma primeiramente referido, aplicável ao pessoal docente por força do artº 86 do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário aprovado pelo Dec. Lei nº 139-A/90, de 28 de Abril, alterado pelo Dec.-Lei nº 1/98, de 2 de Janeiro”.

Em síntese, a questão objecto da presente análise é a de saber se as faltas dadas por pessoal docente em virtude de doença protegida ou prolongada deviam – no âmbito do regime jurídico em vigor anteriormente à publicação do Decreto-Lei nº 1/98, de 2 de Janeiro – originar desconto na antiguidade. A matéria cuja apreciação me é pedida é de carácter exclusivamente técnico-jurídico, uma vez que a factualidade – designadamente relativa ao número de dias de faltas por doença protegida ou prolongada que a senhora Profª. I. B. terá dado – não é controvertida. Assim sendo, justifica-se recordar o teor das disposições legais pertinentes à presente análise.

Começo pelo Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo Decreto-Lei nº 139-A/90, de 28 de Abril. O nº 1 do artigo 86º dispunha (1) assim:

Subcapítulo III – Férias, faltas e licenças

Artigo 86º
Regime geral

1 – Ao pessoal docente aplica-se a legislação geral em vigor na função pública em matéria de férias, faltas e licenças, com as adaptações constantes das secções seguintes.

O artigo 147º referia que:

Artigo 147º
Contagem do tempo de serviço

1. Sem prejuízo do disposto no artigo 104º do presente Estatuto (2), o tempo de serviço do pessoal docente, incluindo o prestado em regime de tempo parcial,considerado para efeitos de antiguidade, obedece às regras gerais aplicáveis aos funcionários e agentes da Administração Pública.

2. A antiguidade é calculada em dias, sendo o tempo apurado convertido em anos, meses e dias, considerando-se o ano e o mês para essa conversão como períodos respectivamente de 365 e 30 dias.

3. A contagem do tempo de serviço para efeitos de progressão na carreira obedece ao disposto no número anterior, sem prejuízo do previsto nos artigos 37º, 46º, 49º, 54º e 55 do presente Estatuto.

Por sua vez, o artigo 37º era do seguinte teor (3):

Artigo 37º
Serviço efectivo prestado em funções docentes

1. Não são considerados na contagem de tempo de serviço prestado em funções docentes, para efeitos de progressão e promoção na carreira docente, os períodos referentes a:

a) Requisição, destacamento e comissão de serviço para o exercício de funções não docentes ou que não revistam natureza técnico-pedagógica;

b) Licença sem vencimento por 90 dias;

c) Licença sem vencimento por um ano;

d) Licença, para acompanhamento do cônjuge no estrangeiro;

e) Licença sem vencimento de longa duração;

f) Perda de antiguidade.

2. Na contagem de tempo de serviço docente efectivo prestado em cada escalão não é ainda considerada, para efeitos de progressão, a totalidade dos períodos de ausência, nos casos em que esta exceda o produto do número de anos de escalão por sete semanas.

3. Para efeitos do cômputo previsto no número anterior, são consideradas como ausências todas as faltas justificadas, seguidas ou interpoladas, exceptuadas as faltas por acidente em serviço e por doença prolongada.

O artigo 27º do Decreto-Lei nº 497/88, de 30 de Dezembro (4) (que definiu o regime jurídico das férias, faltas e licenças dos funcionários e agentes da administração central, regional e local), dispunha:

Subsecção VII
Faltas por doença

Artigo 27º
Regime

1. O funcionário ou agente pode faltar ao serviço por motivo de doença devidamente comprovada.

2. As faltas por doença determinam a perda do vencimento de exercício apenas nos primeiros 30 dias de ausência seguidos ou interpolados, em cada ano civil, e implicam sempre o desconto no subsídio de refeição.

3. As faltas por doença descontam na antiguidade para efeitos de carreira quando ultrapassem 30 dias seguidos ou interpolados, em cada ano civil.

O artigo 48º deste mesmo diploma prescrevia:

Subsecção VIII
Faltas por doença prolongada

Artigo 48º
Faltas por doença prolongada

1. As faltas por doença incapacitante que exija tratamento oneroso e prolongado conferem ao funcionário ou agente o direito à prorrogação, por dezoito meses, do prazo máximo de ausência previsto no artigo 36º (5).

2. As doenças a que se refere o nº 1 são definidas por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da Saúde.

A menção ao Despacho Conjunto 17-79/89-XI – constante do ofício nº …, de …, atrás transcrito – resulta, com toda a certeza, de um lapso. Com efeito, V.Exa. referir-se-ia ao Despacho conjunto A-179/89-XI, dos Ministérios das Finanças e da Saúde, que elenca as doenças incapacitantes para efeitos do disposto no artigo 48º, nº 1, do Decreto-Lei nº 497/88, de 30 de Dezembro, e de onde consta a rubrica artroses graves invalidantes.

À luz dos preceitos que deixei transcritos, importa tomar posição sobre a matéria reclamada.

II – Exposição de Motivos

O nº 1 do artigo 86º do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo Decreto-Lei nº 139-A/90, de 28 de Abril, referia que “ao pessoal docente aplica-se a legislação geral em vigor na função pública em matéria de férias, faltas e licenças, com as adaptações constantes das secções seguintes”.

No entanto, buscando as normas que, no Decreto-Lei nº 139-A/90, adaptavam a legislação geral das férias, faltas e licenças à situação particular dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário deve atender-se ao disposto no artigo 147º. Como deixei transcrito, este artigo do Estatuto, sob a epígrafe “Contagem do tempo de serviço”, dispunha no seu nº 1 que “o tempo de serviço do pessoal docente (…) considerado para efeitos de antiguidade, obedece às regras gerais aplicáveis aos funcionários e agentes da Administração Pública” e, no seu nº 3, que “a contagem do tempo de serviço para efeitos de progressão na carreira obedece ao disposto no número [dois] sem prejuízo do previsto nos artigos 37º, 46º, 49º, 54º e 55º do presente Estatuto”.

Resulta daqui que, para efeitos de progressão na carreira (nº 3), a contagem do tempo de serviço do pessoal docente devia levar em linha de conta o estatuído nos artigos 37º, 46º, 49º, 54º e 55º. E, enquanto o nº 1 do artigo 37º referia que “não são considerados na contagem de tempo de serviço prestado em funções docentes, para efeitos de progressão e promoção na carreira docente, os períodos (…)” relativos a “perda de antiguidade” [alínea f)], o nº 2 do artigo 37º estatuía que, para efeitos de progressão, “não é ainda considerada (…) a totalidade dos períodos de ausência, nos casos em que esta exceda o produto do número de anos de escalão por sete semanas” – acrescentando o nº 3 que as faltas por acidente em serviço e por doença prolongada não eram consideradas como ausência.

Conclui-se, portanto, que, em matéria de efeitos na antiguidade, as faltas por doença prolongada eram consideradas de modo diferente consoante se tratasse de docentes ou de outros funcionários. Ou, dito de outra forma, estava consagrada a existência de um regime excepcional relativo ao cômputo das faltas por doença prolongada dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário.

Com efeito, relativamente às doenças incapacitantes – i.e. aquelas definidas por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da Saúde – o artigo 48º prescrevia que as faltas por elas motivadas conferiam ao funcionário ou agente o direito à prorrogação, por mais dezoito meses, do limite máximo do prazo geral de ausência, que era de dezoito meses. Nenhuma outra consequência foi tirada pelo legislador do regime jurídico das férias, faltas e licenças dos funcionários e agentes da administração central, regional e local no que concerne às doenças incapacitantes.
Diferentemente, porém, no que dizia respeito ao pessoal docente, “dever-se-ia contar, como tempo de serviço prestado no escalão da carreira em que o docente se encontra, a totalidade do período em que o mesmo se encontrou a faltar por motivo de doença prolongada, constante do Despacho Conjunto nº A-179/89-XI, dos Ministérios das Finanças e da Saúde” (6).

O sentido no disposto no nº 3 do artigo 147º, do Estatuto da Carreira Docente, quando conjugado com a disposição contida nos nºs 2 e 3 do artigo 37º, não pode deixar de ser o da criação de um regime excepcional para a carreira docente no que concerne às faltas motivadas por doença protegida ou prolongada: estas faltas não eram consideradas como ausências (cf. artigo 37º, nº 3, a contrario).

O entendimento da Direcção Regional de Educação expendido no ofício nº …, de … – de que não devem ser descontadas as primeiras trinta faltas dadas em virtude de doença protegida ou prolongada – não resulta do disposto no nº 3 do artigo 37º, do Estatuto da Carreira Docente, mas tão somente da aplicação do nº 3 do artigo 27º, do Decreto-Lei nº 497/88, de 30 de Dezembro. Na prática, foi irrelevante para a Direcção Regional de Educação que as faltas tenham sido motivadas por doença protegida ou prolongada de pessoal docente, uma vez que o regime jurídico aplicado foi o que estava previsto para os funcionários e agentes da administração central, regional e local.
Pelo que se conclui que não foi atendido o facto de estar previsto um regime excepcional para pessoal docente, que resultava do já mencionado nº 3 do artigo 37º, do Estatuto da Carreira Docente.

Daí que, no entender da interessada, a aparente contradição de regimes (do pessoal docente, por um lado, e dos restantes funcionários, por outro) fosse sanável por aplicação do princípio da especialidade: a norma constante do artigo 37º do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário é especial relativamente ao disposto no regime jurídico das férias, faltas e licenças dos funcionários e agentes da administração central, regional e local. E, em consequência, “(…) as faltas (…) por doença protegida ou prolongada (…) não integram o conceito de “perda de antiguidade” a que se refere a alínea f) do nº 1 do artigo 37º do E.C.D., contrariamente ao que resultaria da aplicação directa e automática do nº 3 do artigo 27º do D.L. nº 497/88, de 30-12″ (7) . Concluindo que “(…) por força do nº 3 do artigo 37º do E.C.D., fica afastada a aplicação do nº 3 do artigo 27º do D.L. nº 497/88, de 30-12″(8).

O Provedor de Justiça já se pronunciou sobre esta matéria através da Recomendação nº 82/A/95 sugestivamente epigrafada “Relevância das faltas por doença prolongada na contagem de tempo de serviço docente efectivo prestado no escalão para efeitos de progressão na carreira docente – nº 3 do artigo 37º do Estatuto da Carreira Docente aprovado pelo Decreto-Lei nº 139-A/90, de 28 de Abril)”. E, na sequência das conclusões então formuladas, a Direcção Regional de Educação de Lisboa emitiu a seguinte informação, que se transcreve:

“(…) na sequência do Despacho de 5 de Maio de 1996, de Sua Excelência o Secretário de Estado da Administração Educativa, cumpre informar que, para os efeitos previstos nos nºs 2 e 3 do Artº 37º do E.C.D., aprovado pelo Decreto-Lei nº 139-A/90, de 28 de Abril, é considerado como tempo de serviço efectivo para efeitos de progressão na carreira, a totalidade dos períodos de faltas ao serviço por motivo das doenças mencionadas no Despacho Conjunto A-179/89-XI, dos Ministérios das Finanças e da Saúde, datado de 89.09.12.

Face ao teor do Despacho acima citado devem ser corrigidas todas as situações nele enquadradas e às quais tenha sido dado tratamento diferente”.

No caso em apreço – como resulta do teor do ofício nº …, de …, da senhora Directora de Serviços de Gestão de Pessoal, e do ofício nº …, de …, do Gabinete do Secretário Regional da Educação e Assuntos Sociais – não foram considerados como tempo de serviço efectivo para efeitos de progressão na carreira os períodos de faltas ao serviço por motivo de doença mencionada no Despacho Conjunto nº A-179/89-XI.

A argumentação expendida no ofício nº …, de …, do Gabinete do Secretário Regional da Educação e Assuntos Sociais, segundo a qual “(…) a excepção compreendida no nº 3 do artigo 37º, do Estatuto da Carreira Docente se aplica apenas à situação referida no nº 2, pelo que as faltas por doença quando ultrapassem o limite de 30 dias, determinam o desconto na antiguidade (…)” corresponde, na prática, à não aplicação do regime excepcional de contagem de tempo de serviço para a progressão na carreira docente. Ora, como ficou demonstrado, este regime excepcional existia, e deveria ter sido aplicado (9).

Repetindo a conclusão formulada na minha Recomendação nº 82/A/95, dirigida ao senhor Subsecretário de Estado Adjunto da Ministra da Educação: “deve considerar-se, para os efeitos previstos nos nºs 2 e 3 do artigo 37º do Estatuto da Carreira Docente, aprovado pelo Decreto-Lei nº 139-A/90, de 28 de Abril, como tempo de serviço efectivo prestado (…), a totalidade do período em que se encontrou a faltar ao serviço por motivo de doença (…), incluída no Despacho Conjunto nº A-179/89-XI, publicado no DR, nº 219, II série, de 22/09/89”. Permito-me chamar a atenção de V.Exa. para o facto desta Recomendação, como já referi, ter sido acatada.

III – Conclusões

Pelas razões que deixei expostas e no exercício do poder que me é conferido pelo disposto no artigo 20º, nº 1, alínea a), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril,

RECOMENDO

A. Que seja corrigida a situação relativa à progressão na carreira da senhora Profª. I. B.;

B. Que, para efeitos de progressão na carreira, na contagem de tempo de serviço sejam considerados como tempo de serviço efectivo os períodos de faltas ao serviço por motivo de doença mencionada no Despacho Conjunto nº A-179/89-XI, nos termos atrás expostos.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL

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(1) O Decreto-Lei nº 1/98, de 2 de Janeiro, não implicou qualquer alteração na redacção do artigo 86º.

(2) O artigo 104º diz respeito à «Bonificação da assiduidade»

(3) A redacção resultante do Decreto-Lei nº 1/98 de 2 de Janeiro, é a seguinte:
Artigo 37º
Licenças e perda de antiguidade
Não são considerados na contagem de tempo de serviço docente efectivo, para efeitos de progressão na carreira docente, os períodos referentes a:
a) Licença sem vencimento por 90 dias;
b) Licença sem vencimento por um ano;
c) Licença, para acompanhamento do cônjuge no estrangeiro;
d) Licença sem vencimento de longa duração;
e) Perda de antiguidade

(4) O Decreto-Lei nº 178/95, de 26 de Julho, alterou a redacção dos artigos 7º, 17º, 20º, 27º, 31º, 32º, 33º, 34º, 35º, 36º e 90º.

(5) O artigo 36º estabelece o limite máximo de 18 meses para as faltas dos funcionários e agentes que a junta médica pode justificar.

(6) Cf. ponto 3 do ofício nº …, de…, do Gabinete do Secretário de Estado da Administração Educativa, remetido à Provedoria de Justiça no âmbito da instrução do processo R-2278/98 (A4).

(7) Cf. texto da reclamação apresentada, em 22/05/98, à senhora Directora Regional da Educação.

(8) idem.

(9) Importa frisar que, em virtude da aprovação do decreto-Lei nº 1/98, de 2 de Janeiro, este regime excepcional deixou de merecer consagração.