Presidente do Conselho de Administração da Caixa Geral de Depósitos, S.A.
Número: 35/A/99
Processo: 1959/97
Data: 04.05.1999
Área: A2

Assunto: BANCA E SEGUROS – OMISSÃO DE DEVERES DE INFORMAÇÃO – ABUSO DE DIREITO – RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL – INDEMNIZAÇÃO

Sequência: Não Acatada

I- Dos Factos

1. O Senhor A e a Senhora B apresentaram queixa neste órgão do Estado, visando a conduta da Caixa Geral de Depósitos, S.A. (CGD), relativa à execução de um contrato de empréstimo celebrado em 24 de Janeiro de 1986, e no qual figuravam como fiadores.

2. O referido contrato de mútuo foi celebrado com o Senhor C e a Senhora D, para aquisição da fracção autónoma designada pelas letras “BB”, na freguesia e concelho de Loures, descrito na Primeira Secção da Conservatória do Registo Predial de Loures sob o nº … .

3. A quantia mutuada era de Esc.: 4.660.000, sendo a taxa de juro contratual a “máxima legal em cada momento em vigor para este tipo de operações,inicialmente de vinte e seis por cento ao ano”, e encontrando-se garantida por uma hipoteca de montante máximo de Esc.: 13.070.872, acrescida de uma importância para despesas judiciais no valor de Esc.: 186.400.

4. Encontrando-se os mutuários em incumprimento do referido contrato desde 8 de Novembro de 1987, apenas em 23 de Junho de 1993 a Caixa Geral de Depósitos, SA, notificou os fiadores para o pagamento da quantia em dívida, que ascendia já a Esc.: 12.712.608.

5. O montante em dívida, originariamente de Esc.: 4.660.000, quedar-se-ia em 11 de Maio de 1996 em Esc.: 16.747.200, data em que findaram as negociações entre a Caixa e os mutuários, tendentes a obter o pagamento da dívida.

6. A sucessiva prorrogação de prazo e a não comunicação do incumprimento da dívida pela CGD, durante quase seis anos, impossibilitou, pelos montantes atingidos, quer a realização de um acordo de pagamento, quer o direito de regresso dos fiadores, obrigando-os mesmo, para a sua solvabilidade, a vender a casa de morada de família comprada ao abrigo da Lei nº 2092 .

7. Comunicada à CGD a pretensão dos fiadores de redução do montante dos juros em dívida, alegou a mesma que no contrato celebrado aceitaram prévia e expressamente os fiadores as prorrogações de prazo ou moratórias que viessem a ser concedidas, tendo a execução da dívida sido sustada para o integral pagamento das quantias em débito.

II – Do Direito

8. A questão levantada pelos reclamantes prende-se com a alegação de responsabilidade civil contratual e extra-contratual da instituição de crédito, pelos danos causados pela sua conduta, manifestamente excessiva e violadora de princípios de boa-fé que a deviam nortear na relação contratual estabelecida.

9. Sem necessidade de delongas sobre a natureza ou as vantagens óbvias do instituto da fiança para o comércio jurídico, nunca deverá ser esquecido que “o direito da fiança é um compromisso entre segurança do credor e defesa do fiador” (ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, Almedina, 1991, p. 747). Esta é a perspectiva funcional que justifica simultaneamente a atribuição da posição activa ao titular e o respectivo exercício, e que se traduz em características como a da acessoriedade e subsidiariedade da dívida do fiador (arts. 627º e 638º do Código Civil – CC-, e 101º do Código Comercial).

9.1. Se é certo que o fiador garante perante o credor o cumprimento da dívida, a ordem jurídica não esquece a tutela da posição do fiador, a quem confere o direito de reclamar do devedor as quantias que teve de pagar por ele (art. 644º CC) e de reclamar juros a que o credor tivesse direito, ou a indemnização pelos danos causados pela conduta do devedor – culminando na possibilidade de exigir prestação de caução quando os riscos da fiança se agravarem sensivelmente (art. 648º CC).

Esta preocupação traduz-se igualmente nas relações entre o fiador e o credor.Assim,nas obrigações a prazo os fiadores que gozem do benefício da excussão têm o direito de exigir que o credor demande o devedor no prazo de dois meses após o vencimento (art. 652º CC); permite-se a exoneração do fiador “na medida em que, por facto positivo ou negativo do credor, não puderem ficar sub-rogados nos direitos que a este competem” (art. 653º CC).

9.2. A preocupação com a fortuna dos fiadores e o seu interesse impõe-se assim na relação contratual, nomeadamente atentos os casos em que, culposamente, o credor pode inviabilizar a satisfação do crédito do fiador por inércia face ao devedor. Sendo certo que, como bem afirma Vaz Serra, “o credor pode deixar de adoptar medidas defensivas contra esse perigo (de insolvência), uma vez que está garantido com a fiança” (“Fiança e Figuras Análogas”, BMJ, 71, p. 197), o argumento é tanto mais certo quando o credor se encontra confortável e acrescidamente garantido com uma garantia real (p.e. hipoteca).

10. À acusação da falta de execução e de informação pela CGD responde essa instituição que os fiadores deram antecipadamente acordo a quaisquer prorrogações de prazo que a mesma viesse a conceder, conforme se encontra consignado no contrato celebrado em 1986:
“Os terceiros outorgantes responsabilizam-se perante a Caixa Geral de Depósitos como fiadores (…). Que nesta qualidade dão desde já o seu acordo a quaisquer prorrogações de prazo ou moratórias que venham a ser concedidas pela Caixa.”

A sua conduta, alega, ao prorrogar o tempo de cumprimento das prestações em dívida, por forma a permitir o seu pagamento, traduziria assim o regular exercício de um direito, causa excludente da eventual ilicitude da sua conduta.

10.1. Ora, a funcionalização dos direitos de crédito impede que tal argumentação seja tomada por boa: abstraindo da assunção de critérios subjectivos ou objectivos, “deve considerar-se abusivo o exercício de um direito sempre que a conduta do respectivo titular se mostre, no caso concreto, gravemente chocante e reprovável para o sentimento ético-jurídico prevalecente na colectividade” (ALMEIDA COSTA, ob. cit., p. 455).

Com efeito, a liberdade de acção, traduzida nomeadamente nos princípios gerais da liberdade de contratar e de estipulação negocial (art. 405º CC), sofre limitações, não só no conteúdo dos direitos subjectivos, ou outras posições jurídicas activas, mas igualmente no seu exercício (CUNHA DE SÁ, Abuso de Direito, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1973, p.587, e COUTINHO DE ABREU, Abuso de Direito, Almedina, 1983, p. 67).

10.2. Estes limites encontram-se vertidos, nomeadamente, no art. 334º do Código Civil, que estatui a ilicitude do exercício de um direito quando o seu titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico e social desse direito.

Existe abuso de direito, segundo a jurisprudência, sempre que existe um exercício “anormal, quanto à sua intensidade, ou à sua execução, de modo a poder comprometer o gozo de direitos de terceiros e a criar uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício do direito, por parte do seu titular, e as consequências que outros têm de suportar” (Ac. da Relação de Coimbra de 2/2/1983, in CJ, 1983, V, p. 52).

Sendo certo que “exercer significa assumir um comportamento e neste tanto cabe a acção como a omissão” (CUNHA DE SÁ, ob. cit., p.106), a ideia de que “o fim económico e social de um direito” deve limitar o seu não exercício encontra-se espelhada em diversos institutos do direito privado (nomeadamente nos casos da prescrição e do não uso do direito), “porque a ordem jurídica não pode tolerar o não exercício prolongado de um direito” (ibidem, p. 220).

10.3. Citando ainda Vaz Serra, “se o credor tem o direito de agir para realizar o seu crédito, tal direito, com a inerente faculdade, torna-se um dever nas relações do garante. Aflora em tal situação aquele dever de correcção, que é norma de conduta também no exercício de direitos (…); a sua transgressão gera responsabilidade, que se pode efectivar com a perda do direito de crédito contra o garante. (…). Parece com efeito razoável que o credor deva ter o dever de, em determinadas circunstâncias, agir contra o devedor, sem o que perderá o direito contra o fiador. Este garantiu,a seu favor,o resultado do cumprimento da obrigação do devedor;deve,correspondentemente, o credor impedir o prejuízo do fiador” (ob. cit., p. 206).

Concedendo sucessivas prorrogações de prazo de cumprimento aos devedores inadimplentes, e adiando a execução do empréstimo durante 10 (dez) anos, atendendo à elevada taxa de juro acordada, à contagem de juros sobre juros corrente nos usos bancários, e ao avolumar do montante em dívida, a conduta da Caixa, não só agravou irreparavelmente a situação de insolvência dos seus mutuários, como causou aos fiadores um prejuízo dificilmente ressarcível.

10.4. Não podemos esquecer que o fiador garante “o cumprimento pontual, responde pelos juros de mora, como responde pela impossibilidade culposa (do devedor) da prestação (…)”; assim, ele “pode, se o devedor não cumprir, querer cumprir logo, a fim de evitar a mais larga responsabilidade derivada da mora” (VAZ SERRA, ob. cit., pp.79 e 84), encontrando-se então o credor obrigado a praticar todos os actos necessários ao cumprimento da obrigação (art. 813º CC).

Ao permitir a mora do devedor durante anos, sem sequer a comunicar aos fiadores, a Caixa Geral de Depósitos excedeu manifestamente a faculdade acordada com os fiadores na celebração do contrato; o excesso manifesto dos seus limites axiológico-materiais tornou ilegítimo o seu exercício.

Se existe o dever de evitar o abuso nos precisos termos em que existe o dever de não praticar um ilícito, tal decorre da inexistência de destrinça material ou de substância entre a antijuridicidade específica do abuso de direito e a que é própria da ilicitude (formal).

Assim, e enquanto acto antijurídico, contrário ao direito, as suas consequências normativas deverão ser iguais às de todo e qualquer acto antijurídico, e “naturalmente a que vai ligada ao aspecto da reparabilidade dos danos que o titular da prerrogativa jurídica abusivamente exercida porventura cause…”, verificados que sejam os demais pressupostos da responsabilidade civil (CUNHA de SÁ, ob. cit., p. 638; PESSOA JORGE, Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil, CCTF, 80, Lisboa, 1968, p. 202).

Verificados que sejam os demais requisitos de responsabilidade civil extracontratual, encontra-se o lesante obrigado a ressarcir o lesado dos prejuízos causados pela sua conduta ilícita.

11. Os limites da boa-fé podem-se assim equacionar como limitação no exercício de um direito subjectivo, mas também como fonte de especiais deveres de conduta.

A relação de crédito é uma relação obrigacional complexa, contendo, além de um feixe de direitos de crédito e deveres de prestação, deveres secundários de prestação, destinados a possibilitar o fim contratual, protegendo pessoas e bens da outra parte “que podem ser afectados em conexão com o contrato (Erhaltungsinteresse), independentemente do interesse no cumprimento”, denominados de deveres “de protecção”, “de conduta” ou “de diligência”, ou “laterais”, dada a relação de confiança que o contrato fundamenta (MOTA PINTO, Cessão da Posição Contratual, Coimbra, 1970, pp. 337-9).

O dever de adopção de comportamentos que se pode esperar entre “contratantes honrados e leais”, tendentes a conseguir a consecução dos fins do contrato, enquadra-se na matriz em que se traduz a cláusula geral da boa-fé, “ou seja, a regra de valoração da conduta das partes como honesta, correcta, leal”, “implicando a sua culposa infracção, por qualquer dos sujeitos da obrigação, responsabilidade civil com fundamento em violação do contrato (art. 798º) (MOTA PINTO, ob. cit., p. 341).

11.1. Estes deveres laterais, cujo nascimento e especial conformação adquire eficácia consoante pressupostos e circunstâncias variáveis, adquirem uma particular intensidade nos casos em que as relações contratuais são duradouras, “dependendo o seu surgimento e a sua superação da situação material concreta, como emanações do princípio da boa-fé” (MOTA PINTO, ob. cit., p. 347; SINDE MONTEIRO, Responsabilidade por Conselhos, Recomendações ou Informações, Almedina, 1989, p. 47).

O art. 762º, nº2, do Código Civil, estatui às partes um dever de agir de boa-fé na execução dos contratos; ora, a doutrina entende que um dos deveres que emana deste normativo é o dever de cooperação e informação, pois “no desenvolvimento de uma qualquer relação jurídica, e no caso que tratamos naquelas que nascem dum contrato bancário, produzem-se factos e constituem-se situações geradoras, para qualquer uma das partes, de um dever (e correspondente direito) de informar a outra, de forma a evitar “qualquer perigo para a realização do fim contratual” (AGOSTINHO GOMES, “A responsabilidade do banco por informações à luz do art. 485º do Código Civil”, in Revista de Direito e Economia, 14, p. 143).

E a boa-fé, imposta nos termos dos arts. 334º e 762º CC, “se refere tanto aos deveres principais ou típicos de prestação e aos deveres secundários ou acidentais, como também aos deveres acessórios de conduta quer pelo lado do devedor (…), quer pelo lado do credor (v.g., evitar a maior e desnecessária oneração da prestação)” (CUNHA DE SÁ, ob. cit., p. 174).

11.2. É usual citar o caso francês, e a sua jurisprudência, por ser bastante exigente relativamente à responsabilidade do banqueiro, pois se entende que “a qualificação profissional bancária, que funda a confiança da clientela e do público, impõe aos seus membros um grau de diligência de um nível elevado, e toda a omissão a este dever constitui uma falta (“une faute”) que faz nascer uma obrigação de reparação” (Ripert-Roblot, Traité de Droit Commercial, II, 12ª ed., p. 337, citado por MANUEL FARIA, “Algumas questões em torno da responsabilidade civil dos Bancos pela concessão ou recusa de crédito, e por informações, conselhos ou recomendações”, in Revista da Banca, nº 35, 1985, p. 51).

Conforme decidiu a Cour de Cassation num célebre Acórdão no processo de falência da firma “Laroche & Fils”, o banco condenado, através da constante concessão de crédito, tinha feito aumentar o passivo da sociedade, impossibilitando assim, através da omissão de deveres de fiscalização da sociedade falida, o ressarcimento dos créditos dos demais bancos por aumento desmesurado do passivo. Esta decisão possibilitou a generalização doutrinal de que o banqueiro é responsável desde que “a sua intervenção faltosa permita a um cliente em má situação de negócios conservar um crédito aparente e fictício e agravar o seu passivo antes de cair na liquidação dos bens” (Ibidem).

11.3. O problema que se coloca não respeita à abertura do crédito, nem tão pouco à ruptura abusiva da concessão de crédito, mas sim ao seu prolongamento abusivo (no sentido de não adaptado à situação jurídica ou à personalidade do devedor – FRÉDÉRIC PELTIER, Introduction au droit du credit, Paris, 1983, p. 28).

Existe responsabilidade contratual por violação de deveres de informação quando se viola o dever fundamental de boa-fé, sempre que este impõe um dever de informar.

A questão, estudada em França sob a figura muito própria da “faute”, reconduz-se ao problema de uma violação dos deveres que resultam para o banqueiro do contrato de mútuo, distinguindo-se diferentes deveres de informação e diligência, consoante o tipo de contrato (sobre a solvabilidade das partes, de apreciação do risco, boa afectação dos recursos disponíveis – FRÉDÉRIC PELTIER, ob. cit., p. 29).

Encontrando-nos ainda na esfera da clientela da instituição, garantindo os fiadores a dívida principal, mandam os bons usos do comércio jurídico (bonos mores) que o credor os informe sobre todos os factos susceptíveis de alterar a sua posição jurídica ou a sua fortuna, não cobertos pelo dever de sigilo (sobre o entendimento do conteúdo deste dever e respectivos sujeitos, por todos, CONCEIÇÃO NUNES, “Os deveres de segredo profissional no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras” RB, nº 29, 1994, p.39; COSTA FREITAS, “O sigilo bancário”, in ROA, nº 19, Outubro de 1983, p. 9).

Estamos no âmbito dos denominados deveres de protecção, deveres que pretendem proteger as partes dos riscos de danos na sua pessoa e património e que “nascem da (e por causa da) relação particular estabelecida: a sua finalidade é negativa” (CARNEIRO DA FRADA, Contrato e Deveres de Protecção, Coimbra, 1994, p. 41).

No caso concreto, e para além de outros deveres resultantes da relação de crédito duradoura complexa existente, e para além de instar o devedor ao cumprimento, deveria a Caixa Geral de Depósitos “comunicar-lhe sem demora, logo que o prazo tenha decorrido, que quer dirigir-se contra ele (…)”, o que abrange aquele que se constituiu como fiador e principal pagador (Vaz Serra, ob. cit., p. 205).

Só assim, aliás, seria possível preencher o dever geral de cooperação do credor que tanto caracteriza a relação creditória (art. 813º CC).

12. A responsabilidade civil depende ainda da verificação dos demais requisitos, como a culpa do agente, o dano e a causalidade.

O conceito indeterminado da culpa implica o acolhimento de um modelo de conduta considerado ideal, e a adopção de padrões de conduta indeterminados postula a sua concretização através de relações ou condutas leais, cuja violação acarreta responsabilidade civil da instituição (arts. 483º e 500º CC).
Como? Através de parâmetros objectivados, quer pela vivência social, quer pela profissionalidade em apreço.

12.1. A diligência aqui exigível, de um bom pai de família (art. 487º, nº2 CC), deve aferir-se segundo a diligência de um gestor criterioso e ordenado, em função do interesse dos seus clientes (depositantes, mutuários, investidores, demais credores).

Citando Lopes Cardoso, não se desatenda que “é o Banqueiro um emprestador profissional especializado (…). Informar e informar-se, eis duas linhas duma prudente conduta da banca, tantas vezes esquecidas e outras malsinadas por os que se permitem compará-la ao guarda chuva que se abre quando não há sol nem chove (…)” (“Alguns aspectos da responsabilidade do Banqueiro”, in Temas de Direito Comercial, Coimbra, 1986, p. 223).

Sendo certo que uma relação creditícia nasce e se desenvolve com vista ao cumprimento, no caso dos bancos, ou mais latamente, das instituições de crédito, “o cliente presume uma competência e organização, uma profissionalização específica, que os bancos efectiva e objectivamente possuem.” (AGOSTINHO GOMES, ob. cit., p. 138).

Aliás, o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei nº 298/92, de 31 de Dezembro (RG), estatui, nos seus arts. 74º e 76º, especiais deveres de diligência do banqueiro, bem como de respeito pelos interesses dos clientes que lhe estão confiados. E se alguma doutrina afirma mesmo que a determinação do banco na concessão de crédito se encontra limitada, nos casos em que a mesma causa ou agrava a ruína ao mutuário (MANUEL FARIA, ob. cit., p. 56), especial consideração deve existir quando se pode violar a confiança de terceiro que com ele contratou.

12.2. Estes deveres gerais que cominam uma particular diligência encontram-se vertidos em outros preceitos especiais.

Sempre poderíamos afirmar que a Caixa Geral de Depósitos prossegue especiais fins de interesse público (em paralelo, aliás, com o que sucedia com o Banco de Fomento e Exterior, SA, antes da total privatização), cuja contrapartida se traduz em regimes jurídicos próprios (no processo de execução, na criação de títulos executivos, etc.) – motivo pelo qual, aliás, não consideram os órgãos judiciais tais regimes violadores do princípio da igualdade perante as demais instituições de crédito (vd Ac. STJ de 24 de Julho de 1986, in BMJ, 359, p. 634).

Conforme tem salientado a jurisprudência, relativamente ao regime jurídico específico da Caixa, os seus “serviços prosseguem inegáveis fins públicos e satisfazem necessidades colectivas, quer no sector do crédito (serviços principais), quer no sector da Previdência dos servidores do Estado (…)” (vd Ac. STA de 25 de Outubro de 1990, in AD, 349, p. 50).

Compete-lhe “cooperar na resolução do problema habitacional, mediante o crédito para construção ou aquisição de residência própria, o financiamento à construção civil para edificação de habitações destinadas à venda ou arrendamento em condições acessíveis, e a aplicação de fundos da Caixa Nacional de Previdência na construção ou aquisição de casas para funcionários do Estado e dos corpos administrativos, nos termos das disposições em vigor” (art. 7º do Decreto-Lei nº 48 953, de 5 de Abril de 1969; vd Decreto-Lei nº 693/70, de 31 de Dezembro, completado com o Regulamento contido no Decreto-Lei nº 694/70, também de 31 de Dezembro).

O art. 63º do Decreto-Lei nº 674/70, aplicável ao crédito predial por força do disposto no art. 68º do mesmo diploma, estatui que, “se houver justo receio de insolvência ou falência do mutuário (…) poderá a Caixa determinar a liquidação do empréstimo”.

Não resulta daqui uma obrigatoriedade de liquidação, mas sim uma norma de especial diligência; para um capital de 4.500.000$00, a diligência média exigível a um credor levaria a que se liquidasse o respectivo empréstimo (consequentemente, notificando os garantes) muito antes de este ter atingido quase o seu quádruplo.

12.3. Este dever de especial diligência nas suas relações profissionais leva mesmo Autores a afirmar que, a fim de evitar uma futura insolvência do devedor ou um futuro agravamento dela, o credor tem, não só o dever de proceder contra o devedor, mas também o “de continuar diligentemente o procedimento. (…) O credor deveria, não só propor a acção, mas continuá-la (…)” (Vaz Serra, ob. cit., p. 206) – o que a Caixa não fez.

13. Da conduta da Caixa Geral de Depósitos, S.A., resultou por isso um prejuízo para os fiadores que deve, de harmonia com as regras gerais da responsabilidade, ser reparado.

Ainda que não acompanhando Vaz Serra, que afirma que a “reparação traduzir-se-ia na perda correspondente do direito do credor contra o fiador” (ob. cit., p. 213), sempre deverá no entanto a instituição de crédito acordar com os fiadores o ressarcimento dos graves prejuízos por estes sofridos por virtude da actuação supra referida.

13.1. A conduta da Caixa Geral de Depósitos permitiu que o exorbitante montante atingido pela dívida implicasse, de facto, a total impossibilidade do seu cumprimento pelos mutuários – apesar da venda do apartamento objecto de garantia real a favor daquela.

Tal facto, não só obrigou os garantes a venderam igualmente o apartamento que constituía casa de morada de família, como inviabilizou o exercício do direito de regresso que a Lei estatui a favor do fiador, constituindo-os por isso em grave prejuízo pessoal e patrimonial.

III – Conclusão

Encontrando-se reunidos todos os pressupostos legalmente exigíveis para a responsabilidade civil da Caixa Geral de Depósitos, SA,

RECOMENDO

a V.Exa, ao abrigo do artigo 20º, nº1, alínea a) da Lei nº 9/91, de 9 de Abril, que sejam ressarcidos os Senhores A e B dos prejuízos causados pelos factos acima descritos.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL