Presidente do Conselho de Administração da A.R.S. do Alentejo
R- 1093/98
N.º 69/A/99
1999.09.20
Área: A3

Assunto:SAUDE – INTERNAMENTO – ESTABELECIMENTO HOSPITALAR PARTICULAR – INTERVENÇÃO CIRÚRGICA – REEMBOLSO DE DESPESAS

Sequência:Acatada.

1. Em … foi-me dirigida uma exposição pelo Senhor…, nos termos da qual o exponente alega ter-se visto obrigado a recorrer a internamento em estabelecimento particular para realização de intervenção cirúrgica a patologia benigna da próstata, em virtude de um tempo de espera superior a vinte e oito meses para realização da mesma intervenção no Hospital José Joaquim Fernandes, em Beja.

2. No entanto, a sua pretensão de reembolso da importância despendida em clínica convencionada não foi satisfeita pela Sub-Região de Saúde de Beja.

3. No âmbito da instrução do presente processo, foi contactado o Hospital José Joaquim Fernandes, de Beja, que enviou a este órgão do Estado cópia das fichas clínicas do reclamante, bem como indicação de que o tempo de espera para realização do tipo de intervenções em causa (tumor benigno da próstata) é superior a noventa dias, conforme documento de que anexo fotocópia.

4. Foi ainda contactada a Sub-Região de Saúde de Beja com vista à reapreciação da pretensão do reclamante à luz do Despacho n.º 16/86, de 26 de Maio, do Ministro da Saúde.
Não obstante, a Sub-Região de Saúde de Beja manteve a decisão de não reembolsar ao reclamante a quantia em causa, argumentando não terem sido cumpridos os requisitos formais estabelecidos no referido despacho ministerial.

5. Não posso deixar de discordar da justeza de tal decisão, atentos os seguintes factos:
5.1. O Senhor…., na altura com 81 anos, foi atendido de urgência no Hospital de Beja em 4.1.95, data em que foi algaliado.
5.2. Nessa ocasião o doente não ficou internado para ser submetido a intervenção cirúrgica porquanto prestava assistência indispensável a sua mulher, diabética, com ambas as pernas amputadas; assim, por necessitar de providenciar que outra pessoa assegurasse tal assistência a sua mulher, solicitou que lhe fosse marcada intervenção cirúrgica para um dos dias seguintes.
5.3. No dia 10.1.95 o doente ter-se-á dirigido de novo ao Hospital, onde lhe foi dito não haver vaga para internamento.
5.4. O reclamante continuou a ser seguido naquele Hospital, constando no respectivo processo clínico, em 20.10.95, inscrição para prostatectomia.
5.5. Em 23.10.96, provavelmente em virtude do falecimento de sua mulher, foi registado na sua ficha clínica que não havia “impedimento social para ser operado”, tendo o reclamante ficado em lista de espera para intervenção cirúrgica. De todo o modo, o reclamante afirma que, se antes dessa data, e a partir de 10.1.95, lhe tivesse sido proposta a realização da intervenção cirúrgica, o teria aceite.
5.6. Em virtude de estar algaliado por tão longo período de tempo, o doente padeceu de diversas infecções urinárias.
5.7. Em 13.5.97, e na ausência de qualquer convocatória para consulta pré-operatória por parte do Hospital, o reclamante efectuou uma prostatectomia na Clínica de Santo António, na Amadora, estabelecimento que celebrou acordo de convenção no âmbito do SNS.
5.8. Desde o momento em que consta no processo clínico do reclamante que este deixou de ter impedimento social para ser operado e ficou em lista de espera (23.10.96) até à data da intervenção cirúrgica (13.5.97) decorreram cerca de seis meses e meio, sendo certo que desde que mostrou disponibilidade para ser internado no Hospital José Joaquim Fernandes para realização da cirurgia em causa (10.1.95) decorreram mais de dois anos, durante os quais esteve algaliado.
5.9. O reclamante apenas voltou a ser chamado pelo Hospital, eventualmente para realização de cirurgia, no segundo semestre de 1997.

6. Exposta a situação de facto, atente-se agora no disposto no Despacho n.º 16/86, de 26 de Maio.
Este Despacho dispõe que o acesso dos utentes do Serviço Nacional de Saúde aos cuidados de internamento prestados pelos estabelecimentos empresariais de hospitalização privada contratada seja feito através de consulta prévia aos hospitais de rede oficial, competindo às Administrações Regionais de Saúde solicitar aos hospitais da sua área informação sobre a sua capacidade de resposta, em tempos médios.
Sempre que a capacidade de resposta exceda três meses, será emitida pela ARS uma credencial que permitirá ao utente aceder a um estabelecimento privado convencionado da sua escolha.
Por outro lado, o número 7 deste Despacho dispõe que “é reconhecido ao utente o direito de, nos casos em que seja ultrapassado o prazo referido no n.º 3 (prazo de três meses), solicitar a sua transferência para um estabelecimento privado contratado”.

7. Verifica-se, assim, que todos os requisitos materiais estabelecidos por este Despacho se encontram satisfeitos no caso em apreço, assinalando-se ainda que a intervenção foi praticada em estabelecimento convencionado. Com efeito:
a) Estamos perante uma situação de internamento hospitalar;
b) O Serviço Nacional de Saúde não podia dar resposta à situação do reclamante em tempo inferior a três meses, conforme atesta o documento junto,
c) O reclamante estava inscrito para realização de intervenção cirúrgica há mais de seis meses, muito embora se encontrasse efectivamente em espera há mais de dois anos, pelo que tinha o direito de solicitar a sua transferência para estabelecimento privado contratado.

8. É certo que o reclamante não procedeu em conformidade com o formalmente prescrito, mas será legítimo considerar que este deveria ter procedido diferentemente?
Na verdade, nenhuma das entidades a quem o reclamante se dirigiu o informou das alternativas de que disporia, desde logo o Hospital de Beja, muito embora este estabelecimento tivesse conhecimento preciso de uma situação que se arrastava há vários anos, e reconhecesse não ter capacidade para a resolver a breve trecho, quer por se tratar de uma patologia não urgente, quer por ter o seu serviço de cirurgia em obras (vide documento anexo).

9. Afigura-se que esta omissão de informação por parte do Hospital de Beja contradita o princípio da colaboração que deve pautar a relação entre a Administração e os particulares. De facto, cumpre à Administração prestar aos particulares as informações e os esclarecimentos de que estes careçam, o que não sucedeu no caso em apreço.

10. Por outro lado, se atentarmos que o reclamante recorreu durante diversos anos ao S.N.S. sem que a sua situação fosse resolvida, e sem que lhe fosse apresentada qualquer alternativa, afigura-se manifestamente desproporcional o sacrifício que lhe é imposto pelo simples facto de não terem sido observados determinados preceitos formais.
Por não se ter dirigido previamente à ARS do Alentejo, o reclamante tem de suportar integralmente o custo de uma intervenção cirúrgica que lhe deveria ter sido facultada pelo Serviço Nacional de Saúde, em última análise nos termos do disposto no Despacho n.º 16/86, pelo que não se afigura ser a lesão infligida ao reclamante proporcional e justa, relativamente ao interesse público que se pretende prosseguir (já que, de um lado, temos a lesão do direito à saúde, do outro, o mero respeito por um procedimento formal) .

11. Em face do exposto,

RECOMENDO
Seja reembolsada ao reclamante, mediante apresentação dos respectivos documentos comprovativos, a quantia de 753.881$00 (setecentos e cinquenta e três mil, oitocentos e oitenta e um escudos) por si despendida com internamento em estabelecimento privado contratado para realização de intervenção cirúrgica em 13.5.97 na sequência de incapacidade de resposta por parte do Serviço Nacional de Saúde, nos termos do Despacho n.º 16/86, de 26 de Maio.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel