Secretário de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais

Rec.nº 78/A/99

R-1125/95
R-3523/96
R-192/98
R-1245/98
R-2621/98
R-2854/98
R-1600/99

Data:1999.11.10
Área:AÇORES

Assunto:SEGURANÇA SOCIAL – PRESTAÇÕES DE SEGURANÇA SOCIAL – ATRIBUIÇÃO DE EFEITOS RETROACTIVOS – CENTRO NACIONAL DE PENSÕES.

Sequência:Sem resposta

1.Tem vindo a verificar-se com alguma frequência a solicitação da minha intervenção a propósito de situações em que a questão suscitada se prende com a atribuição de efeitos retroactivos à revogação ou alteração de actos de concessão de prestações de segurança social, por parte do Centro Nacional de Pensões.

2. Os vários casos apreciados nesta Provedoria de Justiça, entre os quais aqueles a que reportam os processos acima referenciados, apresentam características comuns.

3. Com efeito, nessas situações, o Centro Nacional de Pensões, na sequência de reclamação dos interessados, vem a reconhecer que o acto de atribuição de uma prestação de segurança social, na sua maioria pensões de reforma, se encontra eivado de qualquer vício e procede à respectiva correcção.
Apenas num dos casos ora apresentados o primeiro acto foi um acto de indeferimento de um pedido de atribuição de uma pensão de velhice, o qual veio a ser satisfeito mais tarde, sendo certo que as condições de facto se mantinham exactamente idênticas nos dois momentos.
Em todos os casos, porém, ao acto revogatório apenas foram conferidos efeitos para o futuro ou, quando muito, limitados à data de reclamação expressa dos beneficiários.

4. Os casos acima referidos divergem apenas num ponto: em três deles, os reclamantes foram notificados da primeira decisão e dos fundamentos de facto e de direito que a sustentavam e, nos restantes, o Centro Nacional de Pensões afirma que os reclamantes foram notificados através de um ofício emitido informaticamente, não apresentando, porém, qualquer prova da sua remessa ou recepção por parte dos destinatários, sendo que estes afirmam não o ter recebido.

5. Importa salientar que, em todas as situações, à excepção de uma, a responsabilidade pelo erro que afectou os actos administrativos questionados pelos beneficiários é imediatamente imputável à Administração Pública
Com efeito:
– A Senhora A, beneficiária da segurança social nº …, questionou o indeferimento da pensão de velhice por si requerida em 27 de Outubro de 1988, com base no facto daquele ter resultado, de um lapso relativo à contagem dos períodos contributivos registados em seu nome;
– O Senhor B, beneficiário da Segurança Social nº …, reclamou contra a data da produção de efeitos do subsídio de assistência a 3ª pessoa que lhe foi atribuído (28.7.98), com base no facto de a deliberação inicial da Comissão de Verificação de Incapacidades Permanentes, tomada em 6.10.97, ter sido alterada em 7.10.98, após processo oficioso de revisão, desencadeado por parte do Serviço Sub-Regional de Leiria, por ter havido erro sobre os pressupostos de facto.
– O Senhor C questionou o cálculo inicial da pensão que lhe foi atribuída em 1 de Junho de 1993 através de reclamação apresentada no dia 28 de Novembro de 1995, com fundamento no facto de, naquele cálculo, não terem sido consideradas as remunerações relativas a dois anos civis;
– O Senhor D contestou o cálculo inicial da pensão que lhe foi atribuída em 1 de Novembro de 1989 através de reclamação apresentada no dia 22 de Janeiro de 1996, com fundamento no facto de, naquele cálculo, não terem sido consideradas as remunerações relativas ao subsídio de férias e subsídio de Natal, registadas no mês de Novembro de 1989.
– O Senhor E reclamou do cálculo inicial da pensão que lhe foi atribuída em 19 de Novembro de 1984 através de reclamação apresentada no dia 29 de Maio de 1996, com fundamento no facto de, naquele cálculo, não terem sido consideradas as remunerações por ele auferidas ao serviço da empresa “Gilauto” no período compreendido entre 1978 e 1981.
– O Senhor F impugnou o cálculo inicial da pensão de velhice que lhe foi atribuída em 1 de Agosto de 1992, através de reclamação apresentada no dia 30 de Janeiro de 1998, com fundamento no facto de, naquele cálculo, não terem sido consideradas diversas remunerações não indicadas tempestivamente pela “TAP Air Portugal”.
– O Senhor G questionou o cálculo inicial da pensão de invalidez que lhe foi atribuída em 10 de Maio de 1991, através de reclamação apresentada no dia 14 de Abril de 1997, com fundamento no facto de, naquele cálculo, não ter sido considerado o ano de 1990.

6. À excepção do primeiro caso que, como adiante demonstrarei, apresenta alguns contornos especiais, o Centro Nacional de Pensões, na sequência das reclamações dos beneficiários, veio, efectivamente, como referi, a revogar parcialmente ou a alterar o acto de atribuição da pensão.

7. A exclusão da atribuição de eficácia retroactiva a essas revogações foi justificada pelo Centro Nacional de Pensões, essencialmente, pelas seguintes ordens de razões:
– as reclamações dos beneficiários terem sido apresentadas após o decurso do prazo previsto no art.º 141º do Código do Procedimento Administrativo;
– a revogação com efeitos retroactivos não ser obrigatória;
– no domínio do exercício de poderes vinculados, como o é o da atribuição das pensões, não se justificar o exercício de tal poder discricionário.

8. Em várias posições que tomei não pude deixar de considerar improcedentes tais fundamentos pelos motivos que passo a expor.
Assim, a primeira daquelas razões refere-se à impossibilidade legal de proceder à revogação do acto administrativo.
No entanto, tal razão é, desde logo, contraditória com o próprio procedimento do Centro Nacional de Pensões, já que, como se sabe, o decurso do prazo em causa não constituiu impedimento à alteração dos actos administrativos questionados pelos beneficiários.
Na verdade, a impossibilidade legal invocada apenas se verificaria se se pretendesse revogar os actos administrativos em causa com base na respectiva invalidade.

9. A verdade é que, uma vez esgotado o prazo previsto no artº 141º do Código do Procedimento Administrativo a revogação parcial ou alteração dos actos de atribuição das prestações foi efectuada com base no mérito, nos termos do disposto no art.º 140º daquele Código.

10. Sendo que, atento o disposto no art.º 145º, ns. 1 e 3, al. a), do mesmo diploma, nada obstava a que às revogações operadas tivesse sido conferida eficácia retroactiva, já que a ela se não opunham os beneficiários; pelo contrário, a eficácia retroactiva ia ao encontro dos seus interesses.
Ora, assim sendo, não basta dizer que a atribuição de eficácia retroactiva não é obrigatória; impõe-se a fundamentação de tal opção.

11. Tornava-se, pois, essencial conhecer as razões de mérito que tendo levado a que se revogassem os actos administrativos em causa, concomitantemente, haviam impedido ou desaconselhado que a essas revogações fosse conferida eficácia retroactiva.

12. Tal motivou que os Serviços da Provedoria de Justiça tivessem solicitado ao Centro Nacional de Pensões, por diversas vezes e a propósito de várias situações, que esclarecesse qual a fundamentação dessa opção.
No entanto, apesar das diversas insistências nesse sentido, nunca aquele Centro logrou fazê-lo, tendo-se limitado a repetir os argumentos anteriormente aduzidos e a comunicar que se encontrava em curso um estudo no âmbito do qual seriam determinados os critérios que deveriam presidir à atribuição da eficácia retroactiva aos actos revogatórios.
Porém, decorridos mais de dois anos, ainda se aguarda a comunicação das conclusões desse estudo .(1)

13. Diga-se, no entanto, que o facto de (ainda) estar em curso esse estudo, não tem impedido o Centro Nacional de Pensões de ter vindo a manter o procedimento atrás referido e a fundamentá-lo nas mesmas ordens de razões.

14. No que diz respeito à terceira daquelas ordens de razões, importa dizer que a doutrina tem salientado a existência de novas dimensões de autonomia pública, desde logo as que resultam da interpretação e aplicação da Lei. E, neste domínio, não estamos somente perante os casos de utilização, pelo legislador, de cláusulas gerais ou conceitos indeterminados, mas também quando se trata simplesmente da subsunção de uma situação à previsão normativa.
E em nenhum domínio da sua actividade, seja mais ou menos vinculada, pode a Administração escapar ao respeito dos princípios gerais que norteiam a sua actividade.
Assim, não é certo que, como defende o Centro Nacional de Pensões, os princípios da prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, da justiça, da boa fé e bem assim o princípio da proporcionalidade apenas vinculem a Administração no caso de a actividade desta comportar o exercício de poderes discricionários.
Na verdade, é certo que eles têm, aí, o seu espaço privilegiado de aplicação, mas, também não é menos certo que a esfera da autonomia pública não se restringe ao exercício do poder discricionário.
Como explica Gomes Canotilho e Vital Moreira(2), o interesse público é o momento teleológico necessário de qualquer actuação da Administração, trate-se de actos jurídicos (de direito público ou privado) ou de operações materiais.

15. Ao contrário do sustentado, o Centro Nacional de Pensões, na ponderação das situações em causa, não estava, pois, dispensado de aplicar aqueles princípios, cujo respeito impunha a reparação integral da ilegalidade cometida.

16. Apreciadas as três ordens de razões que, em geral, têm caracterizado a posição do Centro Nacional de Pensões nestes casos, importa, ainda, apreciar outros argumentos que, apesar de não terem sido invocados em todos os casos, o foram na maior parte deles.
Na verdade, o Centro Nacional de Pensões invocou como base do seu procedimento o facto de os beneficiários não terem reclamado tempestivamente, apesar de notificados à data da atribuição das prestações.
Porém, na maioria dos casos, verifica-se que os beneficiários alegam não ter recebido essa notificação, sendo que o Centro Nacional de Pensões, face a essa alegação, tem vindo a considerar como prova de que as notificações haviam sido efectivamente efectuadas o facto de as mesmas ter sido realizadas através de “ofício informático”.
Nomeadamente, fê-lo no ofício nº …, dirigido a esta Provedoria de Justiça, no qual se refere:
“..dado a pensão ter sido objecto de cálculo informático o Centro Nacional de Pensões não tem quaisquer dúvidas de que foi emitido de forma automática (isto é, independentemente da vontade do organizador do processo) um ofício modelo anexo, com as variantes do cálculo que também se anexam.
Assim não há uma mera presunção, mas uma certeza de que foi emitido um ofício, notificando o beneficiário dos elementos contributivos que fundamentaram o valor da pensão concedida”.

17. Porém, o que está aqui em causa não é a forma ou o processo pela qual o ofício de notificação é elaborado.
O que está em causa é a prova de que as notificações foram efectivamente realizadas, sendo que o facto de os ofícios de notificação terem sido elaborados através de meios informáticos não constitui, por si só, prova da respectiva remessa aos destinatários e, muito menos, de que foram recebidos pelos beneficiários.

18. O Centro Nacional de Pensões não dispõe, pois, de qualquer comprovação de que as notificações tiveram efectivamente lugar, baseando-se, apenas, na mera presunção do respectivo recebimento.

19. Essa presunção não é todavia admissível, conforme resulta do Acórdão do S.T.A. de 6 de Maio de 1966 (AD. 56/57, 1009) segundo o qual só se pode considerar como notificado um acto administrativo se se provar que o ofício em que comunicava esse acto ao interessado foi, por este, efectivamente recebido.

20. Na verdade, o Centro Nacional de Pensões, ao reiterar a posição de que as notificações foram realizadas, sem qualquer comprovação de que efectivamente as mesmas tiveram lugar, está, para além do mais, a pôr em causa o próprio direito ao recurso previsto no art.º 268º, nº4, da Constituição da República Portuguesa.
Com efeito, o conhecimento dos elementos que haviam servido de base ao cálculo do valor da pensão constituía-se como condição essencial às possibilidades reais do exercício do direito de recurso, já que, como refere o legislador no art.º 93º do Decreto-Lei nº 329/93, de 25 de Setembro, se trata de “…elementos necessários à correcta compreensão do montante da pensão…”.

21. Finalmente, refira-se um outro aspecto no qual o Centro Nacional de Pensões, expressa ou implicitamente, tem vindo a sustentar a sua posição.
Esse aspecto é a irrelevância da origem dos erros.
Com efeito, o Centro Nacional de Pensões tem vindo a considerar irrelevante o facto de os erros que viciaram os actos administrativos questionados pelos beneficiários serem da responsabilidade da Administração Pública .(3)

22. É certo que, quando está em causa a revogação de um acto administrativo com fundamento na respectiva invalidade, é irrelevante a origem do erro que a determina.
No entanto, já assim não se pode entender quando se está perante uma revogação com base no mérito. É que, neste caso, têm plena aplicação os princípios vigentes no procedimento administrativo, não sendo admissível que se não releve no juízo a efectuar no âmbito do processo revogatório, o facto de a responsabilidade pelo erro ( e pelo consequente prejuízo dele decorrente para o particular) ser imputável à própria Administração Pública.
Refira-se a propósito o Ac. do S.T.A. de 24/10/88 – Rec. nº 25.753, segundo o qual “o princípio da conservação dos actos administrativos deve ceder quando a vontade da administração, no exercício do poder vinculado, poderia razoavelmente traduzir-se em acto administrativo diverso, se não inquinada pelo erro que afectou o único fundamento jurídico determinante do acto praticado.”

23. Ora, nos casos em apreço, pode afirmar-se, com toda a segurança, que a vontade da administração podia e devia ter-se traduzido em actos administrativos diversos.

24. Feitas estas considerações relativas aos aspectos que, em geral, caracterizam as situações em apreço, passarei, agora, a descrever alguns aspectos que caracterizam, especificamente, cada caso, por forma a avaliar das razões que, para além das já referidas, aconselham que às alterações já operadas seja conferida eficácia retroactiva.

24.1.Beneficiário nº…, A (R.1125/95).
O lapso relativo à contagem dos períodos contributivos registados em nome da beneficiária, que se constituiu como factor determinante do indeferimento da atribuição da pensão de velhice, resultou do facto de o ex-Centro Regional de Segurança Social de Viana do Castelo ao informar o Centro Nacional de Pensões quanto aos registos de contribuições em nome da beneficiária, apenas ter referido os períodos compreendidos entre Fevereiro e Abril de 1970 e Fevereiro e Outubro de 1980.

A esta circunstância acresceu, ainda, o facto de no Banco Nacional de Dados de Beneficiários e Utentes ainda não constar o período compreendido entre Maio de 1970 e Fevereiro de 1977.
Daí resultou que este último período não fosse considerado na contagem efectuada pelo Centro Nacional de Pensões e que este tivesse concluído, erradamente, que a beneficiária não preenchia o requisito de atribuição da pensão relativo ao prazo de garantia.
Por seu lado, a beneficiária apenas se apercebeu de que o indeferimento resultara de um lapso quando, cerca de três anos mais tarde, requereu, de novo, a atribuição da pensão de velhice e a mesma lhe foi atribuída, com base nos mesmos pressupostos de facto e de direito que já se verificavam à data do primeiro requerimento.
Na verdade, o Centro Nacional de Pensões quando notificou a reclamante do indeferimento relativo ao seu requerimento de 1988, limitara-se a comunicar-lhe que este ia “…ser arquivado, uma vez que não tem direito a pensão por este Centro”, sem que tivessem sido especificadas as razões de facto e de direito que haviam fundamentado aquele acto.
Atentas as circunstâncias acima referidas, discordei da posição daquele Centro Nacional de Pensões, pelo que, em 12 de Junho de 1997, dirigi ao Senhor Presidente do Conselho Directivo a Recomendação nº 42/A/97, cuja cópia se junta.
Na verdade, tendo resultado daquele lapso prejuízos evidentes para a beneficiária, para além do mais, à luz do princípio de justiça, sempre seria de defender a alteração do acto de concessão da pensão.
No presente caso acresce, porém, que o Centro Nacional de Pensões ao atribuir a pensão à beneficiária em 1992, com base nos mesmos pressupostos de facto e de direito que já se verificavam em 1988, revogou implicitamente o acto de indeferimento verificado nesta última data.

A esse acto de revogação deveria, no entanto, ter sido conferida eficácia retroactiva, nos termos do art.º 145º, nº 3, do Código do Procedimento Administrativo, concedendo-se a pensão com efeitos a 27 de Outubro de 1988, já que não existia qualquer razão de mérito que desaconselhasse ou obstasse à reapreciação do processo.
Porém, o Centro Nacional de Pensões, através do ofício nº 7.933, de 16 de Março de 1998, cuja cópia se junta, comunicou-me o não acatamento da recomendação acima referida, aduzindo as razões supra referidas.
Atenta a posição ora assumida pelo C.N.P., importa, também, destacar que não está, apenas, em causa o erro relativo à contagem dos períodos com registos de contribuições anteriormente referido.

Efectivamente, a esse erro, relativo a um dos pressupostos de facto, que determinou a invalidade do acto administrativo por vício de violação de Lei, acresceu outro erro, relativo à notificação, este gerador do vício de forma.
Isto porque a notificação dirigida à beneficiária a comunicar o indeferimento da atribuição da pensão, a que o Centro Nacional de Pensões dá tanto destaque, é, pura e simplesmente, omissa no que diz respeito aos pressupostos de facto e de direito que determinaram o arquivamento do processo.
Com efeito, nessa comunicação para além de se referir o arquivamento do processo, apenas se acrescentam duas informações:
– que havia sido contactada a Caixa Geral de Aposentações e que esta informara que tinha em nome da beneficiária um processo de contagem de tempo que seria considerado numa eventual aposentação a conceder por aquela Caixa, no qual seriam contados os períodos de tempo em que exercera funções na Junta Central da Casa dos Pescadores;
– e que quando a beneficiária requeresse a pensão junto da Caixa Geral de Aposentações deveria fazê-lo sob a forma unificada.
Ora, estas informações, como facilmente se pode verificar, eram totalmente irrelevantes no que respeita ao requerido e as circunstâncias a que se referiam em nada obstavam ao respectivo deferimento.

E, tanto assim era, que a atribuição da pensão veio a ser, posteriormente, deferida com fundamento na mesma situação de facto que já se verificava à data do primeiro requerimento da beneficiária.
De facto, ao contrário do sustentado pelo Centro Nacional de Pensões a notificação então dirigida à beneficiária não incluiu, como devia, os fundamentos de facto e de direito que tinham determinado o indeferimento da atribuição da pensão.
Pelo que, sendo certo que a obrigação de notificar inclui a fundamentação do acto administrativo, ela constitui uma garantia constitucional do administrado (art.º 268º, nº 3, da C.R.P.) havendo que concluir que as garantias de defesa da administrada foram gravemente prejudicadas.
Apesar disso, o Centro Nacional de Pensões veio agora aduzir o argumento de que a não correcção do erro resultou apenas da “falta de colaboração do beneficiário”.
Ora, conforme demonstrado, a admitir-se alguma falta, ela não será, certamente, imputável à beneficiária.

Na verdade, tal afirmação, no contexto em que é proferida é, antes de mais, susceptível de pôr em causa a própria credibilidade que a Administração Pública deve merecer junto dos cidadãos.
Acresce, no entanto, que os princípios aplicáveis ao procedimento administrativo obrigam a que sejam consideradas circunstâncias que caracterizam a realidade social portuguesa.
Com efeito não é aceitável que a Administração Pública desconheça ou desvalorize no plano da sua actuação essas circunstâncias que, sendo do domínio público, em função da sua relevância social são, frequentemente, invocadas no âmbito do debate político.
Entre essas circunstâncias releva, essencialmente a dificuldade com que uma grande parte da população portuguesa se debate de aceder à informação relevante para o exercício dos seus direitos.
E, nesse contexto, importa reconhecer que as pessoas reformadas ou em vias de ser reformadas, integrando tendencialmente níveis etários mais elevados, são afectadas por dificuldades acrescidas no que respeita a essa acessibilidade.

Acresce, porém, que a legislação da segurança social para além de muitíssimo numerosa, apresenta um elevado grau de tecnicidade.
Não será, certamente, estranha a essas circunstâncias a consagração pelo legislador, no art.º 42º da Lei de Bases da Segurança Social, de um especial dever de informação.
Com efeito, neste âmbito, à exigibilidade resultante do princípio inserto no art.º 7º do Código do Procedimento Administrativo, contrapõe-se esse especial dever de informação.
Nessa medida, não deve ser indiferente à apreciação dos casos concretos a suficiência ou insuficiência da informação proporcionada aos beneficiários.
Ora no caso sub judice, como ficou demonstrado, a informação proporcionada à beneficiária pelo Centro Nacional de Pensões foi manifestamente insuficiente.

24.2. Beneficiário nº …, B (R.1245/98)
Sucedeu, neste caso, que à data em que o beneficiário requereu subsídio de assistência a terceira pessoa (1.07.97), já se verificavam as respectivas condições de atribuição.
Todavia, a Comissão de Verificação de Incapacidades Permanentes pronunciou-se, em 6.10.97, no sentido do indeferimento daquela prestação, deliberação esta que veio a ser alterada, em 7.09.98, após processo oficioso de revisão, desencadeado pelo próprio Serviço Sub-Regional de Leiria, por ter havido erro sobre os pressupostos de facto.
Ou seja, a primeira deliberação da Comissão de Verificação de Incapacidades Permanentes foi alterada por se ter considerado que a situação física da interessada era, já à data da primeira avaliação, susceptível de justificar a necessidade de assistência de 3ª pessoa.
Não obstante, o CNP reportou os efeitos do acto revogatório ao dia 28.07.98, data esta em que o reclamante apresentara novo requerimento para atribuição da prestação em causa por ter sido informado, junto desse Centro, de que, por não ter interposto recurso da decisão de indeferimento, deveria requerer novamente a atribuição daquela prestação.
Tais efeitos, deveriam, porém, reportar-se à data da apresentação do 1º requerimento, ou seja, a 1.07.97, por nesta data já se verificarem as condições de atribuição.

24.3. Beneficiário nº …, C (R.3523/96)
O lapso relativo à contagem dos períodos contributivos que esteve na base do erro no cálculo inicial da pensão que foi atribuída a este beneficiário resultou do facto de o Serviço Sub-Regional de Lisboa do Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo não ter comunicado ao Centro Nacional de Pensões o pagamento de contribuições efectuado pelo beneficiário ao abrigo do Decreto-Lei nº 380/89 de 27 de Outubro.
Com efeito, conforme se reconhece no ofício nº 22.994, de 15 de Outubro de 1996, dirigido a esta Provedoria, apesar do pagamento de contribuição ao abrigo daquele diploma legal se ter completado em 20 de Maio de 1993, o Centro Nacional de Pensões apenas teve conhecimento do mesmo através da reclamação apresentada pelo beneficiário em 28 de Novembro de 1995.

24.4. Beneficiário nº …, D (R 192/98)
Neste caso, o erro traduziu-se no facto de, no cálculo inicial da pensão, não terem sido consideradas as remunerações relativas ao subsídio de férias e subsídio de Natal, registadas no mês de Novembro de 1989.

Conforme resulta do ofício nº …, do Centro Nacional de Pensões, dirigido ao beneficiário, aquelas remunerações não foram consideradas no cálculo inicial da pensão de invalidez que lhe foi atribuída, porquanto o extracto de salários a elas referente apenas foi remetido àquele Centro em 22 de Janeiro de 1996 pelo Serviço Sub-Regional de Lisboa.

24.5. Beneficiário nº …, E (R 2621/98)
Também aqui o lapso se reportou à contagem dos períodos contributivos, desta feita por não terem sido consideradas as remunerações auferidas pelo beneficiário ao serviço da empresa “Gilauto”, no período compreendido entre 1978 e 1981.

Neste caso releva, em especial, o facto de o cálculo inicial da pensão ter sido objecto de várias rectificações em resultado de insistências sucessivas do beneficiário.
Quanto à rectificação decorrente da consideração daquelas remunerações, o Centro Nacional de Pensões veio, no entanto, justificar a não atribuição de eficácia retroactiva à alteração operada no cálculo inicial da pensão invocando as ordens de razões acima referidas quanto ao decurso do prazo previsto no art.º 141º do Código do Procedimento Administrativo (sem explicitar as razões de mérito que sustentaram a decisão revogatória) e da notificação processada através de “ofício informático”.

Estas considerações terão até levado a que se esquecesse que, em resposta a várias reclamações do interessado, se informou que o cálculo inicial da pensão estava correcto, para, depois, vir a reconhecer-se que assim não era e, então, proceder à alteração.
É aliás, por força dessas circunstâncias que, neste caso, a afirmação do Centro Nacional de Pensões de que o beneficiário havia sido devidamente notificado e não havia tempestivamente recorrido é contraditória à atitude por ele evidenciada durante todo o processo tendente à consecução da revisão em causa, que, como referi, se traduziu em múltiplas insistências, as quais são, certamente, do perfeito conhecimento dos serviços daquele organismo.

24.6. Beneficiário nº 099022233, F (R 2854/98)
Neste caso, no cálculo inicial da pensão de velhice não foram consideradas diversas remunerações não declaradas tempestivamente pela ” TAP Air Portugal”, mas efectivamente pagas ao interessado.

Com efeito, a T.A.P. Air Portugal não indicou na folha de salários os montantes efectivamente pagos ao beneficiário, tendo o pagamento das contribuições relativas a tais retribuições sido feito apenas em Dezembro de 1997.

O Centro Nacional de Pensões considerou, neste caso, que não tinha qualquer responsabilidade naquele facto e que o acto de atribuição da pensão não estava ferido de qualquer vício que determinasse a respectiva invalidade, pelo que não era possível atribuir eficácia retroactiva à alteração já promovida atento o disposto no art.º 145º, nº 1, do Código do Procedimento Administrativo.

No entanto, não está, nem nunca esteve, neste caso em causa a responsabilidade daquele Centro pela mora na declaração das retribuições e pagamento das contribuições correspondentes. (4)
Com efeito, quer a entrega das folhas de remunerações, quer o pagamento das contribuições, são da responsabilidade das entidades patronais, conforme resulta, respectivamente, dos art.º 4º e art.º 6º do Decreto-Lei nº 103/80, de 9 de Maio.

Isso não significa, no entanto, que o acto de cálculo da pensão não esteja viciado por erro referente aos pressupostos de facto(5) , já que os pressupostos de facto com base nos quais o Centro Nacional de Pensões fixou o valor inicial da pensão atribuída ao beneficiário eram diferentes daqueles que se haviam verificado.
E o certo é que a responsabilidade pela divergência desses valores não é imputável ao beneficiário.
Ora, conforme decorre explicitamente do art.º 25º, nº 4, da Lei nº 28/84, de 14 de Agosto, Lei de Bases da Segurança Social, a falta de declaração ou a falta de pagamento de contribuições relativas aos períodos de exercício de actividade profissional dos trabalhadores por conta de outrem que lhes não seja imputável não prejudica o direito às prestações.
Assim sendo, se o próprio direito às prestações não pode ser prejudicado pela violação por parte da entidade patronal de declarar as remunerações ou pagar as correspondentes contribuições, muito menos a “medida” daquele direito o poderá ser.

24.7. Beneficiário nº …, G (R.1600/99)

O lapso no cálculo inicial da pensão de invalidez resultou do facto de, no mesmo, não terem sido consideradas as remunerações registadas no ano de 1990.
Também neste caso se está perante um lapso imputável à Administração Pública, tendo o Centro Nacional de Pensões, já em 10 de Julho de 1998, através de ofício dirigido ao beneficiário, informado que a atribuição de eficácia retroactiva à alteração promovida em 14 de Abril de 1997 estava a ser objecto de estudo.
No entanto, até à presente data, apesar das insistências formuladas pelo beneficiário, não lhe foi comunicada qualquer outra resposta.

25. Atentas as circunstâncias referidas, a revisão dos processos justifica-se, para além do mais, à luz dos princípios da prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, da proporcionalidade, da boa fé e da justiça, que vinculam a Administração Pública no desenvolvimento da respectiva actividade.
De facto, e como tenho vindo a salientar, o interesse público é noção que não se opõe necessariamente ao interesse particular, devendo antes representar o melhor equilíbrio entre os interesses em presença.
Nesta circunstâncias, não prosseguir o interesse dos beneficiários de verem alterados os valores das prestações com efeitos à data da respectiva atribuição sem que a tal se oponha qualquer interesse público digno de relevo ou de prevalência sobre aquele, é solução que claramente atenta contra o princípio acima referido (arts. 266º, ns. 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa e art. 4º do Código do Procedimento Administrativo) .
O princípio da proporcionalidade, conforme referem Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim (na nota I, a pags. 104. do Código do Procedimento Administrativo Anotado e Comentado, 2ª edição) “…postula que a lesão sofrida pelos administrados deve ser proporcional e justa em relação ao benefício alcançado para o interesse público”.

Por seu turno, o princípio da boa fé – que o Decreto-Lei nº 6/96, de 31 de Janeiro introduziu expressamente no elenco de princípios gerais de direito administrativo -, como decorrência que é da tutela da confiança, implica que se tenham em conta “os valores fundamentais do direito”, o que é o mesmo que dizer que a Administração e os particulares não se devem bastar somente com a vertente formal das situações – e, em especial, impõe a consideração da “confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa” e do “objectivo a alcançar com a actuação empreendida” (artº 6º-A do Código do Procedimento Administrativo).
Tanto assim é, que o Decreto-Lei nº 135/99, de 22 de Abril, no seu art.º 2º, veio, recentemente, anunciar diversos princípios orientadores da acção dos serviços e organismos da Administração Pública que mais não são do que explicitações do sentido e alcance do princípio da boa fé. E, de acordo com os agora designados princípios da qualidade, da protecção da confiança e da comunicação eficaz e transparente, os serviços devem garantir que a sua actividade se oriente para a satisfação das necessidades dos cidadãos, aprofundar a confiança nos cidadãos, valorizando as suas declarações e assegurar uma comunicação eficaz e transparente, através do acesso à informação e da cordialidade do relacionamento.

Ora, nos casos em apreço, o respeito da boa fé impõe à Administração que se não prenda a razões formais e que atenda à verdade material e, que, desse modo, devolva o equilíbrio a relações que a falta de informação desvirtuou.
Finalmente, o princípio da justiça, conforme referem os autores atrás citados (na obra e página atrás referenciadas) constitui “…uma última ratio da subordinação da Administração ao Direito, permitindo invalidar aqueles actos que, não cabendo em nenhuma das condicionantes jurídicas expressas da actividade administrativa, constituem, no entanto, uma afronta intolerável aos valores elementares da Ordem Jurídica, sobretudo aos plasmados em normas respeitantes à integridade e dignidade das pessoas, à sua boa fé e confiança no Direito.”.

26. Em face de todo o exposto,RECOMENDO:

a Vossa Excelência que transmita ao Centro Nacional de Pensões as competentes orientações no sentido de ser adoptado procedimento diverso do que tem vindo a ser seguido até aqui quanto aos efeitos a atribuir aos actos revogatórios ou modificativos de actos de atribuição de prestações, de modo a que, nas situações como as que foram expostas, aqueles actos sejam revestidos de eficácia retroactiva.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel

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(1)Note-se,aliás,que idêntica comunicação tem vindo a ser feita aos beneficiários, como no caso do Sr……acima referido, na sequência da reclamação apresentada em 14 de Abril de 1997.
(2)Cfr.Constituição da República Portuguesa,Anotada,3ªEdição,pág.922.
(3)O erro,conforme Freitas do Amaral,em”Direito Administrativo”,vol.III,a pág.317,surge quando um órgão da Administração se”…engana quanto aos factos com base nos quais pratica um acto administrativo e pratica um acto baseado em erro de facto…”.
(4)Aliás, a resposta do Centro Nacional de Pensões não deixa de ser curiosa.É que nos outros casos em que, indiscutivelmente, coube ao CNP a responsabilidade pelos erros cometidos,este Centro não deixou, como vimos, de recusar a atribuição de efeitos retroactivos aos actos de rectificação.
(5)vide nota nº 3