Presidente da Câmara Municipal do Nordeste

Rec.nº 79/A/99
Proc.:R-739/99
Data:1999.11.19
Área: Açores

Assunto:SAÚDE PÚBLICA – LEITE – POSTO DE RECEPÇÃO – PRESERVAÇÃO DA SALUBRIDADE – SISTEMA DE DRENAGEM – ÁGUAS RESIDUAIS – ESTABELECIMENTO POLUENTE

Sequência:Parcialmente Acatada

I-Introdução

Foi dirigida ao Provedor de Justiça uma reclamação relativa à insalubridade e ao perigo para a saúde pública resultante do funcionamento do posto de recepção de leite da empresa …., em São Pedro de Nordestinho. Em especial, era reclamado o facto do estabelecimento em causa não dispor de um sistema de drenagem de águas residuais.
No âmbito da instrução do processo assegurada pela Extensão da Provedoria de Justiça da Região Autónoma dos Açores foi ouvida a Câmara Municipal do Nordeste e cumprido o dever de audição prévia previsto no artigo 34º do Estatuto do Provedor de Justiça.
Em face da queixa apresentada importava obter esclarecimentos sobre a utilização licenciada para o edifício onde funcionava o estabelecimento reclamado, bem como sobre a existência de alvará de licença sanitária (cf. ofícios deste Órgão do Estado nºs 234 e 406, de 22/02/99 e 22/03/99, respectivamente).
As informações solicitadas foram prestadas a coberto dos ofícios nºs …, respectivamente.
Como ficará descrito, a matéria que me foi apresentada no texto da reclamação não é controvertida. Com efeito, a laboração de um posto de recepção de leite é susceptível de causar poluição. Se a essa abstracta possibilidade acrescer a inexistência de um sistema de drenagem das águas residuais e a proximidade de edifícios de habitação, a situação de insalubridade e o desconforto tornar-se-á evidente.

Estes factos ficaram comprovados nas comunicações que V.Exa. me dirigiu. Nelas, e em suma, era dito que:
a)….. (actualmente S.A.) requereu, em 18/01/63, a construção de um posto de leite na …, lugar de São Pedro, freguesia de Nordestinho;
b) Foi emitido, em 07/02/63, o alvará de licença de construção nº 14;
c) Não foi emitida a respectiva licença de utilização (pese embora a Câmara Municipal de Nordeste apenas referir que essa licença não foi emitida nos anos de 1962 a 1965 parece poder-se concluir que a licença também não foi emitida posteriormente);
d) O estabelecimento não dispõe de alvará de licença sanitária;
e) A Câmara Municipal diligenciou no sentido de ser realizada uma vistoria às condições de saneamento e ao funcionamento do Posto de Recepção de Leite em São Pedro Nordestinho, a qual foi acompanhada por um representante da empresa;
f) Foi apurado que o funcionamento do Posto era susceptível de causar perigo para a saúde pública em função da falta de condições de salubridade;
g)Com efeito, o Posto de Recepção de Leite em São Pedro Nordestinho não dispunha de sistema de drenagem de águas residuais;
h)Do mesmo passo, foi a empresa notificada para proceder à construção de um novo Posto de Recolha de Leite fora do aglomerado populacional.

II-Exposição de Motivos

A Lei de Bases do Ambiente (adiante, L.B.A.) deu concretização ao direito a um ambiente humano e ecologicamente equilibrado (cf. artigo 2º, nº 1, da Lei nº 11/87, de 7 de Abril) impondo a observância do princípio de Recuperação [artigo 3º, alínea g)], nos termos do qual “devem ser tomadas medidas urgentes para limitar os processos degradativos nas áreas onde actualmente ocorrem e promover a recuperação dessas áreas”.
Por outro lado, encontra-se igualmente consagrada a obrigatoriedade de remoção das causas da infracção e a reconstituição da situação anterior, nos termos do disposto no artigo 48º, igualmente da L.B.A; e existe, ainda, a possibilidade de ocorrer a transferência das unidades poluentes, situação prevista no artigo 36º da L.B.A.
Nos termos do disposto nas alíneas d) e e) do nº 2 do artigo 51º do Decreto-Lei nº 100/84, de 29 de Março, é da competência das câmaras municipais, no âmbito do exercício das competências de planeamento do urbanismo e da construção, a fiscalização das construções que constituam perigo para a saúde e segurança das pessoas, e a concessão de alvarás de licença para estabelecimentos insalubres, incómodos, perigosos ou tóxicos.
O Capítulo I do Título III do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo Decreto-Lei nº 38.382, de 7 de Agosto de 1951 (epigrafado “Salubridade dos terrenos”), regula a necessidade de realização de obras de saneamento previamente à construção de edifícios (cf. artigo 53º). O artigo 94º, inserto no Capítulo IV (“Instalações sanitárias e esgotos”), expressamente dispõe que “os dejectos e águas servidas deverão ser afastados dos prédios prontamente e por forma tal que não possam originar quaisquer condições de insalubridade”; e a disposição seguinte (artigo 95º) acrescenta que “nos locais ainda não servidos por colector público acessível os esgotos dos prédios serão dirigidos para instalações cujos efluentes sejam suficientemente depurados”.

O exercício das competências de polícia administrativa por parte das câmaras municipais resulta igualmente da disciplina do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, que dispõe, no seu artigo 161º, que “constituem contra-ordenações a violação do disposto no presente regulamento e nos regulamentos municipais neste previstos, competindo aos serviços de fiscalização da câmara municipal competente a instrução do respectivo processo (…)”.
Nestes termos, a constatação do funcionamento do estabelecimento reclamado na área do concelho do Nordeste e na proximidade de edifícios de habitação, é susceptível de conduzir à instauração de processo contra-ordenacional.

Deve pois concluir-se que a incumbência de fiscalização do cumprimento das disposições do Regulamento Geral das Edificações Urbanas que, no presente caso, está conferida à Câmara Municipal do Nordeste vem acompanhada da competência para o processamento das contra-ordenações respectivas.
No caso em apreço, existem indícios claros de que a situação reclamada não pode vir a ser legalizada, uma vez que não é susceptível de satisfazer os requisitos legais e regulamentares, em especial relativas à proximidade de edifícios de habitação (cfr. artigo 167º, nº 1, do Decreto nº 38.382, de 7 de Agosto de 1951).
Atendendo a que a legalização do estabelecimento reclamado constituiria o único meio de evitar o despejo do edifício (cf. corpo e § 1º do artigo 168º, do Regulamento Geral das Edificações Urbanas), pareceria que este não poderia ser evitado, por não estarem reunidas as condições urbanísticas e de salubridade. A consequência seria, então, o despejo do edifício, ao abrigo do disposto no artigo 168º, do Decreto nº 38.382, de 7 de Agosto de 1951.
A todos estes factores acrescia a inexistência de qualquer dispositivo criado para o despejo dos efluentes produzidos no estabelecimento reclamado. E, lembre-se, este facto é especialmente grave pela proximidade de edifícios de habitação, uma vez que não se encontra salvaguardada nem a salubridade nem, tão pouco, o conforto das habitações vizinhas.

III-Conclusões

Por tudo o que fica exposto, não posso deixar de louvar o empenho posto por V.Exa., e pela Edilidade a que preside, na resolução da matéria reclamada. Em especial, apraz-me registar que a Câmara Municipal de Nordeste fez uso, de forma consensual e negociada, do mecanismo previsto no artigo 36º da L.B.A. – a transferência das unidades poluentes.
Tal facto é tanto mais relevante – e merecedor de público louvor – quanto se sabe que, em outros casos, em concelhos muito mais fustigados pela indevida localização de estabelecimentos poluentes e em situações de grande perigosidade (v.g. postos de abastecimento de combustíveis ou depósitos de materiais perigosos) este procedimento tem sido abandonado, ou pura e simplesmente esquecido.
Creio, pois, que a Câmara Municipal de Nordeste constituiu-se numa das primeiras (senão mesmo na primeira) autarquias portuguesas a diligenciar no sentido de dar cumprimento a um dos mais inovadores mecanismos de preservação ambiental surgido com a aprovação da Lei de Bases do Ambiente.

Mesmo sabendo que, como refere JOÃO PEREIRA REIS(1) , “no espírito da Lei a transferência de unidades poluentes para locais mais adequados [é] por natureza uma medida excepcional que apenas deve ser aplicada quando, de todo em todo, não for possível solucionar os problemas de outra forma”, não subsistem dúvidas quanto às vantagens de deslocar este estabelecimento poluente para fora do aglomerado populacional.

Importa, não obstante, conferir a máxima urgência ao procedimento em curso. Com efeito, como afirma ESTEVES DE OLIVEIRA (2), o prolongamento no tempo de uma situação de comprovada ilegalidade fere o princípio da legalidade, uma vez que “quando a Administração tiver de reportar-se ao princípio da prossecução do interesse público, como parâmetro da sua actuação – ou seja, quando tal actuação não estiver vinculadamente fixada na própria Lei – a sua “liberdade” ou discricionaridade para agir nesse sentido fica limitada pelo princípio do respeito dos direitos e interesses legalmente protegidos, de outras pessoas com quem essa sua actuação brigue (…)” (3).

E são somente duas as circunstâncias que motivam a presente Recomendação: a necessidade de ser conferido um tratamento urgente do processo camarário que culminará na transferência da ….; e garantir que, entretanto, o funcionamento da unidade poluente ocorra de forma a evitar ao máximo a insalubridade e o desconforto nas habitações vizinhas.

Pelas razões que deixei expostas e no exercício do poder que me é conferido pelo disposto no artigo 20º, nº 1, alínea a), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril,RECOMENDO:

A. que a Câmara Municipal do Nordeste confira a máxima urgência ao processo de transferência do estabelecimento da ….;
B. que, enquanto não for assegurada a efectiva mudança de localização, sejam tomadas as medidas adequadas à preservação da salubridade e do conforto das habitações vizinhas.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL
_____________________________________
(1) Lei de Bases do Ambiente,Anotada e Comentada,Almedina,Coimbra,1992,pág.78.
(2)MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA,PEDRO COSTA GONÇALVES,J.PACHECO DE AMORIM,Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2ª Edição,Almedina,pág. 86.
(3)Idem,pág.98.