Presidente da Câmara Municipal de Sobral de Monte Agraço

Rec. Nº 85/A/99
Proc.:R-1146/99
Data:1999.11.23
Área: A1

Assunto:URBANISMO E OBRAS – VIABILIDADE DE CONSTRUÇÃO – HABITAÇÃO PRÓPRIA – RESERVA ECOLÓGICA NACIONAL – NECESSIDADE DE PUBLICAÇÃO DO PDM.

Sequência:Sem resposta conclusiva

I-Exposição de Motivos

§ 1º
Da reclamação e seus fundamentos

1. Foi solicitada a minha intervenção com fundamento na impossibilidade de aproveitamento para fins urbanísticos do prédio denominado …..”, sito no concelho de Sobral de Monte Agraço, propriedade de… .

2. Em concreto, questionava a proprietária que a Câmara Municipal de Sobral de Monte Agraço houvesse inviabilizado a edificação pretendida com fundamento em instrumento de planeamento territorial ainda não publicado.

3. Requereu a mencionada proprietária em 24/6/1993, informação sobre a viabilidade da construção de edificação, a qual mereceu parecer desfavorável por o local se situar na Reserva Ecológica Nacional, segundo as cartas anexas ao projecto do regulamento do Plano Director Municipal de Sobral de Monte Agraço. Este só viria a ser ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 134/96, publicada no Diário da República, nº 198, de 27/8/1996 (cfr. ofício nº 1770, de 8 de Junho de 1996).

4. Por esta razão, o teor do acto de indeferimento do pedido de viabilidade de construção comunicado à requerente em 8/7/1993, e objecto de confirmação por despacho de 22/8/1994, fundou-se em instrumento de planeamento territorial cuja publicação se viu diferida para três anos volvidos após a sua prática.

5. Mais revelou a instrução que, à data da decisão contestada, a alegada inclusão do prédio da requerente em área da Reserva Ecológica Nacional não se apresentava fundada em norma jurídica, porquanto não estava publicado instrumento regulamentar algum que operasse a delimitação de tal restrição por utilidade pública, sendo certo que o local não se encontrava abrangido pelo respectivo regime transitório (cfr. Informação nº …).

§ 2º
Do pedido de informação prévia

6. O pedido de informação prévia (de viabilidade ou de localização) representa um primeiro passo no procedimento de obras particulares, embora não se afigure como fase prévia obrigatória ou necessária desse procedimento. Chamada a administração a pronunciar-se sobre uma pretensão edificatória concreta, mediante a apresentação de um conjunto de elementos suficientes para a habilitar a proferir um juízo de viabilidade sobre essa pretensão por aplicação de um procedimento relativamente expedito, permite-se às câmaras municipais e aos particulares poupar tempo e custos (1).

7. Em área não abrangida por plano director municipal ou alvará de loteamento, o pedido de informação prévia é regulado pelo disposto nos arts 42º a 44º do regime jurídico do licenciamento municipal de obras particulares (RJLMOP), aprovado pelo Decreto-Lei nº 445/91, de 20 de Novembro. Desde a publicação do Decreto-Lei nº 250/94, de 15 de Outubro, parece inequívoco, no que ao caso interessa, que também aos pedidos de informação prévia formulados para construção em áreas não abrangidas por instrumento de planeamento territorial ou alvará de loteamento é aplicável o disposto no art. 12º, nº 3, do mencionado regime, o que significa que a decisão de qualquer pedido formulado, para além de vinculativa (art. 13º), é constitutiva de direitos.

8. Atendendo à interconexão estabelecida por Lei entre o pedido de informação prévia e o pedido de licenciamento de obras – e que se traduz, entre outros aspectos, na vinculatividade da decisão que recaiu sobre o pedido de informação – é pacífico o entendimento que os fundamentos que habilitam as câmaras municipais a indeferir um pedido de viabilidade de construção são os mesmos que constituem a motivação legalmente admissível dos actos de indeferimento de pedidos de licenciamento de obras e que se encontram fixados no artº 63º do citado RJLMOP. Os actos de indeferimento devem basear-se em fundamentos contidos nas alíneas a) a g), do nº 1, do art. 63º, daquele regime , e podem fundar-se ainda nos motivos enunciados nas alíneas a) e b), do nº 2, do mesmo artigo.

9. Doutro modo não se compreenderia a vinculatividade da decisão. A câmara municipal emite um juízo de viabilidade sobre uma dada pretensão assumindo um compromisso “ad futurum” de a deferir se o projecto submetido a apreciação camarária em fase de licenciamento se conformar em tudo com o inicial.

10. De resto, a solução vigente não diverge da tradicional no direito do urbanismo nacional. Já no domínio do anterior regime de licenciamento municipal de obras particulares(2), o poder de indeferimento assumia natureza vinculada.

11. Entre os fundamentos do indeferimento dos pedidos de viabilidade de construção e de licenciamento de obras particulares, conta-se a desconformidade da pretensão edificatória com instrumento de planeamento territorial válido nos termos da Lei (art. 63º, nº 1, alínea a), do RJLMOP).

12. Ora, não se encontrando à data da decisão contestada já concluído o procedimento de formação do Plano Director Municipal de Sobral de Monte Agraço, não podiam as suas prescrições, nem o conteúdo da proposta carta de condicionantes constituir motivo de indeferimento do pedido, já que não se encontravam reunidos os pressupostos de direito da norma de competência mencionada.

§3º
Dos Instrumentos de Planeamento Territorial

13. Os planos directores municipais são elaborados pelas câmaras municipais e aprovados pelas assembleias municipais, cabendo ao Conselho de Ministros promover a sua ratificação, a qual é condição do respectivo registo e publicação(3). Até se encontrarem publicados, os planos são ineficazes (art. 119º, nº 2, da Constituição). Podem servir de orientação à actividade administrativa das câmaras municipais, mas tão só em áreas de poder discricionário.

14. No caso em presença, a decisão que recaiu sobre o pedido de informação prévia fundou-se em alegados impedimentos edificatórios previstos em projecto de plano, ainda não aprovado, porquanto, elaborado aquele projecto, deve ainda ser submetido à apreciação das entidades estranhas ao município a consultar e a inquérito público, cujos pareceres e resultados, respectivamente, serão ponderados pela câmara municipal antes de os submeter à assembleia municipal para aprovação (arts 13º a 15º do Decreto-Lei nº 69/90).
Não pode assim a Câmara Municipal escudar-se em que a decisão desfavorável por alegada desconformidade do projecto de construção com as disposições do futuro plano director municipal, parte do princípio que as mesmas serão mantidas no momento da aprovação do plano (cfr. ofício nº …).

15. Para este efeito, ou seja, de antecipar algumas soluções contidas em futuro plano, dispõem os municípios de competência para fazer aprovar normas provisórias ou medidas preventivas(4). Isto, por forma a impedir que, antes da sua entrada em vigor, tenham que ser aceites soluções de uso, ocupação e transformação do solo susceptíveis de comprometer a futura disciplina de planeamento.

16. Bem se vê, pois, como a argumentação apresentada não parece admissível pelos motivos descritos e atinentes ao procedimento de formação dos planos e não procede em face de quanto se dispõe no citado art. 63º, nº 1, alínea a), do RJLMOP, ao exigir-se que as decisões de indeferimento que se fundem naquele preceito tenham como pressuposto a desconformidade do projecto submetido a apreciação camarária com disposições de instrumentos de planificação territorial, válidos nos termos da Lei.

17. Deve entender-se que a Lei se refere a planos válidos e eficazes, ou seja, publicados em Diário da República, pois só com a publicação o plano adquire plena eficácia(5). Sendo certo que a ineficácia decorrente da falta de publicação dos actos de conteúdo genérico, não afecta a validade do acto, impede, contudo, a sua oponibilidade e obrigatoriedade relativamente a terceiros(6).

18. Deste modo, e pese embora a letra da Lei se abstenha de referir a eficácia, o certo é não poderem servir de parâmetro impeditivo da actividade edificatória os instrumentos de planeamento urbanísticos não publicados, pois as respectivas disposições são inoponíveis aos particulares.

§4º
Da invalidade do acto de indeferimento

19. Assim, entendo que o acto administrativo que decidiu desfavoravelmente o pedido de viabilidade de construção formulado pela Srª …., cujo teor foi comunicado à requerente em 8/7/1993, é ilegal por não respeitar os fundamentos do indeferimento dos pedidos de viabilidade de construção taxativamente fixados no art. 63º do regime aprovado pelo Decreto-Lei nº 445/91, de 20 de Novembro.

20. Sendo o acto em causa inválido por vício de violação de Lei, podia e devia ter sido revogado dentro do prazo legalmente fixado (art. 141º do Código do Procedimento Administrativo), o que não veio a suceder, pese embora ter sido deduzido pela munícipe pedido a tanto destinado.

21. Importa, por essa razão, apreciar a pretensão edificatória da requerente em face dos condicionamentos urbanísticos actualmente em vigor, designadamente do Regulamento do Plano Director Municipal de Sobral de Monte Agraço.

22. Informou V. Exa., no decurso da instrução do processo (cfr. ofício nº …) que o local se situa em espaço agrícola – área agrícola da Reserva Agrícola Nacional e da Reserva Ecológica Nacional.

23. No que concerne ao regime da Reserva Agrícola Nacional, foi obtida autorização para a utilização não agrícola do solo (cfr. ofício nº …), com fundamento em necessidade da habitação para utilização da proprietária (art. 9º, nº 2, alínea c), do Decreto-Lei nº 196/89, de 14 de Junho), considerando a Comissão Regional da Reserva Agrícola do Ribatejo e Oeste que o aproveitamento urbanístico do solo em nada prejudicava os interesses tutelados pela restrição por utilidade pública em questão.

24. Já quanto à circunstância de pretender essa Câmara Municipal fazer valer que o local se encontra em área abrangida pela Reserva Ecológica Nacional, faço notar a V. Exa. que, não tendo sido objecto de publicação instrumento regulamentar que opere a delimitação e não se encontrando a área sujeita à proibição edificatória resultante de classificação como espaço florestal (art. 33º, nº 1, do Regulamento do Plano Director Municipal de Sobral de Monte Agraço), não pode ser inviabilizada a pretensão da queixosa com este fundamento.

25. Dispõe-se no art. 34º, nº 2, do mencionado instrumento de planeamento territorial que no “espaço florestal abrangido pela REN observam-se as disposições do seu regime jurídico”. A remissão para o regime legal em matéria de Reserva Ecológica Nacional, constante do Decreto-Lei nº 93/90, de 19 de Março, tem como efeito estarem sujeitas a parecer prévio vinculativo por parte da Delegação Regional do Ministério do Ambiente, as pretensões edificatórias para as áreas definidas no anexos II e III do diploma (art. 17º, nº 1). Por seu turno, não se encontram impedidas as pretensões urbanísticas relativas a outras áreas que possam vir a estar incluídas na REN, mas que ainda não tenham sido objecto de delimitação por instrumento regulamentar (art. 3º).

26. Ao remeter para o regime legal na matéria o Regulamento do Plano Director Municipal de Sobral de Monte Agraço não pode pretender seleccionar as disposições cuja aplicação pretende desencadear, dispondo contra Lei, designadamente, quanto à circunstância de até à entrada em vigor da Portaria de delimitação ser livre a actividade edificatória dos particulares nas áreas que não constem dos anexos ao diploma.

27. Pretender que é a carta de condicionantes, anexa ao mencionado instrumento de planeamento territorial, que define a área de REN, significaria que estaria a Câmara Municipal a exercer a competência regulamentar que, por Lei, é atribuída ao Conselho de Ministros (art. 3º do Decreto-Lei nº 93/90, com a redacção conferida pelo Decreto-Lei nº 79/95, de 20 de Abril).

28. Nada impede que as câmaras municipais por meio dos seus instrumentos de planificação territorial definam áreas que sujeitam a impedimentos edificatórios por motivos ecológicos, simplesmente esta definição nada tem que ver com a delimitação da Reserva Ecológica Nacional, a operar por via de instrumento regulamentar do Governo. Neste sentido, compreende-se quanto se dispõe no art. 3º, nº 9, do diploma em análise, ao determinar a alteração da delimitação da REN constante de plano director municipal sempre que esta não coincida com a delimitação da mesma reserva operada pela resolução do Conselho de Ministros.

29. Neste sentido se pronunciou recentemente o Tribunal Constitucional(7) ao considerar que determinadas normas legais que “contêm um regime jurídico específico para certo tipo ou categoria de solos”, têm que ser observadas no momento da elaboração dos planos, funcionando, assim, como limites à discricionaridade de planeamento. Entre elas, contam-se as respeitantes ao regime jurídico da RAN, da REN, da Rede Nacional de Áreas Protegidas, da faixa costeira, das áreas florestais, das servidões administrativas e restrições por utilidade pública.

30. Não pode ser perdido de vista que o plano director municipal é um regulamento e que a esta categoria de actos se encontra absolutamente vedado interpretar ou modificar, com eficácia externa, qualquer preceito legislativo (art. 112º, nº 6, da CRP). Assim, o Plano Director Municipal de Sobral de Monte Agraço não pode remeter apenas para algumas disposições legais e procurar furtar-se à aplicação de outras.

§5º
Dos condicionamentos urbanísticos aplicáveis

31. Cumpre, assim, apreciar quais os condicionamentos urbanísticos aplicáveis à pretensão edificatória da reclamante, caso viesse a ser apresentado novo pedido de viabilidade construção ou de licenciamento de obras.

32. Sustenta V. Exa. encontrar-se o prédio incluído na REN, segundo as cartas anexas ao Regulamento do Plano Director Municipal de Sobral de Monte Agraço. No que respeita à REN, este instrumento de planeamento mais não faz, como acima referi(8), que determinar a aplicação do regime legal contido no Decreto-Lei nº 93/90, de 19 de Março (a)rt. 34º, nº 2).
Para além dos elementos desenhados a que se faz referência no art. 3º, não contém o Regulamento do Plano qualquer disciplina jurídica material para pretensões edificatórias em área designada como REN, nem tal categoria de espaço se encontra prevista no preceito a tanto destinado (art. 6º).

33. Assim sendo, por aplicação do regime legal da Reserva Ecológica Nacional será de concluir que, não se encontrando o local abrangido pelo âmbito da Reserva Ecológica Nacional, definido no art. 2º do mencionado diploma, (ou seja, não se tratando de zona costeira ou ribeirinha, águas interiores, áreas de infiltração máxima ou zonas declivosas), e na ausência de instrumento regulamentar que proceda à sua inclusão naquela Reserva, não existe impedimento à pretensão de aproveitamento urbanístico da reclamante.
Não vejo que possa ser outro o sentido útil a extrair da remissão operada para o regime legal na matéria; o único que se conforma com o citado preceito constitucional impeditivo de por via regulamentar se proceder à interpretação ou modificação de preceitos legislativos(9). Por aplicação do mesmo princípio de interpretação conforme à Constituição, haverá de concluir-se que as cartas anexas ao Regulamento do Plano Director Municipal de Sobral de Monte Agraço em matéria de REN, possuem valor meramente indicativo, não sendo susceptíveis de constituir impedimento ao aproveitamento urbanístico dos solos.

34. De modo algum se compreenderia que a pretensão da queixosa viesse a ser viabilizada, uma vez publicada a carta da Reserva Ecológica desse concelho, e não o fosse na ausência de delimitação, já que o local não se encontra abrangido pelo regime transitório desta restrição, nem pela carta REN do concelho aprovada pela Comissão Nacional da REN em 25/07/1995, mas ainda não publicada.

II-Conclusões

De acordo com o exposto, no uso dos poderes que me são conferidos pelo art. 20º, nº 1, al. a), do Estatuto do Provedor de Justiça, aprovado pela Lei nº 9/91, de 9 de Abril,
RECOMENDO

1º A apreciação das pretensões edificatórias dos particulares, em sede de procedimento de informação prévia ou de licenciamento de obras, com aplicação do regime procedimental aprovado pelo Decreto-Lei nº 445/91, de 20 de Novembro, na redacção conferida pelo Decreto-Lei nº 250/94, de 15 de Outubro; e tomando como parâmetro a disciplina urbanística em vigor à data da decisão.
2º A eliminação da disposição do Regulamento do Plano Director Municipal de Sobral de Monte Agraço, em sede de futuro procedimento de revisão deste instrumento de planeamento, ao remeter para o regime legal em matéria de Reserva Ecológica Nacional, constante do Decreto-Lei nº 93/90, de 19 de Março, o regime da edificabilidade em área de designada de REN, sem que haja delimitação desta restrição por utilidade pública.
3º Que não seja impedida a pretensão edificatória da reclamante por motivo da localização do terreno em área de REN segundo as cartas anexas ao Regulamento do Plano Director Municipal de Sobral de Monte Agraço.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel

____________________________________
(1)Cfr. neste sentido António Duarte de Almeida e outros, Legislação Fundamental de Direito do Urbanismo, Vol. II, Lisboa, 1994, anotação ao art. 10º do regime aprovado pelo Decreto-Lei nº 445/91, de 20 de Novembro, p. 825.
(2) Decreto-Lei nº 166/70, de 15 de Abril.
(3) Decreto-Lei nº 69/90, de 2 de Março, com a redacção conferida pelos Decretos-Lei nºs 211/92, de 8 de Outubro, e 155/97, de 24 de Junho.
(4) Arts 7º e 8º do Decreto-Lei nº 69/90
(5) Art. 18º, nº 3, do Decreto-Lei nº 69/90 e António Duarte de Almeida e Outros, cit., p. 971 e segs.
(6) Neste sentido Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, p. 551, e Diogo Freitas do Amaral, Direito Administrativo, III, Lisboa, 1985, p. 259.
(7) Acórdão nº 517/99 T. Const.- Processo nº 61/95, Diário da República, 2ª série, nº 263, de 11/11/1999.
(8) Cfr. ponto 26
(9) cfr. ponto 30.