Presidente do Conselho Directivo da Faculdade de Direito de Coimbra
Número: 23/A/99
Processo: 2721/94
Data: 15.04.1999
Àrea: A1

Assunto: DIREITOS LIBERDADES E GARANTIAS – DIREITO DE RECLAMAÇÃO – ENSINO SUPERIOR – PROVAS ESCRITAS – RECURSO GRACIOSO DA CLASSIFICAÇÃO – VIOLAÇÃO DE DIREITOS

Sequência: Não Acatada

I – Exposição de Motivos

§1º – Considerações Gerais

1. Em queixa que me foi dirigida é contestada a impossibilidade, nesse estabelecimento de ensino superior, de acesso às provas escritas através de consulta presencial ou obtenção de fotocópias das mesmas, e do exercício do direito de reclamação e recurso gracioso da classificação obtida.

2. Questionado o Magnífico Reitor da Universidade de Coimbra sobre o assunto, foi esclarecido através da Faculdade de Direito que “o Regulamento da Faculdade prevê o acesso à prova para consulta. Não prevê reclamação, a não ser para reclamação administrativa ou contenciosa, mesmo se diga da fotocópia”.

3. Compulsadas as “Normas sobre aulas, avaliação de conhecimentos e cálculo da média final” da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, verifica-se que o art. 59º, nº 2, estabelece que as notas publicadas são inalteráveis, salvo se tiver sido detectado erro no apuramento ou lançamento das mesmas.

4. Por seu turno, o art. 61º admite a consulta dos pontos, a fim de os alunos se inteirarem do critério de correcção.

§ 2º – Da Reclamação e do Recurso Gracioso

5. O art. 52º, nº 1, da Constituição confere aos cidadãos o direito de petição individual perante as autoridades públicas, devendo considerar-se o direito dos particulares solicitarem a revogação ou a modificação das decisões administrativas como seu corolário (cfr. OTERO, Paulo, “As garantias impugnatórias dos particulares no Código de Procedimento administrativo”, in Scientia Iuridica, nºs 235-237, Jan.-Jun, 1992, p. 54).

6. A concretização legal do princípio constitucional mencionado encontra-se no art. 158º do Código do Procedimento Administrativo, em cujo nº 2 se estabelece que esse direito pode ser exercido mediante reclamação para o autor do acto [alínea a)], ou mediante recurso para o superior hierárquico do autor do acto, para o órgão colegial de que este seja membro, ou para o delegante ou subdelegante [alínea b)], ou mediante recurso para o órgão que exerça poderes de tutela ou superintendência sobre o autor do acto [alínea c)].

7. Sendo as universidades unanimemente reconhecidas como estabelecimentos públicos (cfr. AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, 2ª ed., Coimbra, 1994, p. 352), encontram-se sujeitas à disciplina normativa contida no Código do Procedimento Administrativo, porquanto as disposições respectivas se aplicam a todos os órgãos da Administração Pública – consequentemente, aos dos institutos públicos -, que, no desempenho da actividade administrativa de gestão pública, estabeleçam relações com os particulares [art. 2º, nºs 1 e 2, alínea b)].

8. A actividade de classificação dos exames realizados pelos alunos é uma actividade administrativa de gestão pública, que se consubstancia na prática de actos administrativos; encontra-se regulada por normas de direito público que conferem poderes de autoridade para prossecução do interesse público e disciplinam o seu exercício, emanadas dos órgãos respectivos ao abrigo da autonomia estatutária concedida às universidades públicas.

9. As classificações são,assim, os actos derivados do exercício daquela actividade administrativa de gestão pública, revestindo, por isso, a natureza de actos administrativos, em tudo sujeitos ao regime das garantias impugnatórias graciosas contido no Código do Procedimento Administrativo.

10. O art. 59º, nº 2 das “Normas sobre aulas, avaliação de conhecimentos e cálculo da média final” da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, apenas admite a alteração das notas publicadas, em caso de detecção de erro no apuramento ou lançamento das mesmas, excluindo, em absoluto, a possibilidade de alteração em resultado de reapreciação da classificação por via de reclamação ou recurso gracioso.

11. A norma citada, ao referir-se às situações de erro no apuramento ou lançamento das notas, permite, exclusivamente, a rectificação dos actos administrativos em causa. Nos termos previstos pelo art. 148º do Código do Procedimento Administrativo, podem ser rectificados os erros de cálculo e os erros materiais na expressão da vontade do órgão administrativo, quando manifestos.

12. A inalterabilidade das notas publicadas, estabelecida no acima citado art. 59º, nº 2, do regulamento acima identificado, contende, por isso, com a garantia de reclamação e recurso gracioso prevista no art. 158º do Código do Procedimento Administrativo.

§ 3º – Da Obtenção de Fotocópias da Prova Escrita

13. O exercício efectivo do direito de reclamação e recurso impõe o adequado conhecimento do conteúdo do exame realizado, por forma a permitir fundamentar adequadamente o pedido de reapreciação.

14. A mera consulta presencial da prova, admitida pelo art. 61º das Normas citadas, não permite tal conhecimento, porquanto ao aluno não é dada a oportunidade de apreender, de forma completa, os critérios de correcção e o modo como foram aplicados às respostas prestadas. Não é legítimo exigir que o aluno se recorde fielmente da prova produzida por forma a poder arguir motivos substanciais de discordância relativamente à forma de aplicação dos critérios de correcção. Vedar a obtenção de cópias da prova, a quem a realizou, restringe, de forma acentuada, as garantias de objectividade e homogeneidade na avaliação e atribuição de classificações.

15. Em termos gerais, o direito à obtenção de reproduções dos documentos que façam parte de processos administrativos configura-se como direito instrumental relativamente ao direito à informação (art. 268º, nºs 1e 2, da C.R.P., e arts. 61º e ss., do Código do Procedimento Administrativo). Daí a sua previsão expressa pelo art. 62º, nº 3, do Código do Procedimento Administrativo, que estabelece que os interessados têm o direito, mediante o pagamento das importâncias que forem devidas, de obter certidão, reprodução ou declaração autenticada dos documentos que constem dos processos a que tenham acesso.

16. Por outro lado, o art. 7º, nº 3, da Lei nº 65/93, de 26 de Agosto, prevê que o direito de acesso aos documentos administrativos compreende o direito de obter a sua reprodução, por fotocópia ou outro meio técnico [art. 12º, nº 1, alínea b)].

17. Dúvidas não levantará a aplicação do diploma citado ao caso presente, uma vez que estamos perante um suporte de informação detido pela Administração Pública e referente a um procedimento já concluído [art. 4º, nº 1, alínea a), e art. 7º, nº 5, a contrario, da Lei nº 65/93].

18. Por estas razões, a faculdade contida no art. 61º das “Normas sobre aulas, avaliação de conhecimentos e cálculo da média final” da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra” deve ser adaptada aos normativos legais citados, por forma a abranger a possibilidade de obtenção de reprodução por fotocópia das provas classificadas.

II – Conclusões

De acordo com o exposto, no uso dos poderes que me são conferidos pelo art. 20º, nº 1, al. a), do Estatuto do Provedor de Justiça, aprovado pela Lei nº 9/91, de 9 de Abril,

RECOMENDO

1. A previsão, nas “Normas sobre aulas, avaliação de conhecimentos e cálculo da média final” da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra”, do direito de reclamação e recurso gracioso das classificações das provas escritas, alterando-se,em conformidade, o disposto pelo art.59º, nº2.

2. A alteração do art. 61º das referidas Normas, por forma a ser estabelecida a possibilidade de obtenção de fotocópias das provas escritas realizadas.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL