Ministro do Equipamento Social

Rec. n.º 17/B/00
Proc.:R-2142/94
2000.05.31
Área:A 6

Assunto: URBANISMO E HABITAÇÃO. DEFICIENTE. SUBSÍDIO ESPECIAL DE RENDA. LEI N.º 46/85, DE 20 DE SETEMBRO. DECRETO-LEI N.º 68/86, DE 27 DE MARÇO. DECRETO-LEI N.º 321-B/90, DE 15 DE OUTUBRO

Sequência: Acatada

A- Dos factos

O Provedor de Justiça recebeu uma reclamação onde se invoca a injustiça atinente à circunstância de o art.º 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 68/86, de 27 de Março, restringir a atribuição do subsídio especial de renda aos casos em que o arrendatário sofre de deficiência com determinado grau de incapacidade.

De acordo com a reclamação, aquela prestação deveria igualmente ser concedida nos casos em que um dos membros do agregado familiar, que não o arrendatário, sofre de deficiência com as características acima descritas e desde que preenchidos os demais requisitos previstos no n.º 1 do art.º 25.º da Lei 46/85 (ex vi art.º 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 68/86).

O caso concreto exposto a este Órgão do Estado consiste num agregado familiar composto por um casal, em que ambos os membros são pensionistas, um por invalidez e outro por velhice, e que não dispõem de outros rendimentos para além das suas pensões.

Sucede, porém, que é o elemento reformado por velhice quem figura no contrato de arrendamento como arrendatário, pelo que não lhes é reconhecido o direito a subsídio de renda, quer em função dos rendimentos auferidos e renda paga, quer atendendo à incapacidade de um dos membros do agregado.

Não obstante, esta Provedoria de Justiça diligenciou junto de Sua Excelência o Ministro do Equipamento, Planeamento e da Administração do Território, no sentido de apurar qual a disponibilidade do Governo para alargar a atribuição do subsídio especial para arrendatários deficientes aos casos em que num agregado familiar, como o que está em causa, a deficiência pertence não ao arrendatário mas ao respectivo cônjuge. A resposta foi, porém, evasiva, não se tendo o Governo mostrado sensibilizado para a aludida alteração legislativa, refugiando-se em apreciações de jure constituto e não de jure constituendo.

A percepção de ter sido mal entendido leva-me, atentas as evidentes razões de justiça, a insistir por este meio junto de Vossa Excelência.

B- Do direito

A Lei n.º 46/85, de 20 de Setembro, veio disciplinar os regimes de renda livre, condicionada e apoiada nos contratos de arrendamento para habitação estabelecendo, para além do regime geral de subsídio de renda a que têm acesso os inquilinos cujas rendas ficaram sujeitas à correcção extraordinária nela estabelecida, um subsídio de renda a inquilinos deficientes, com grau de incapacidade igual ou superior a 60%.

O Decreto-Lei n.º 68/86, de 27 de Março, diploma que regula a matéria do subsídio de renda, determina no seu art.º 3.º, n.º 1, que “aos arrendatários que sejam deficientes, com grau de incapacidade igual ou superior a 60%, é atribuído um subsídio de renda de montante a determinar caso a caso, tendo em conta o disposto no n.º 1 do art.º 25.º da Lei n.º 46/85, de 20 de Setembro”.

Apesar do art.º 3.º, n.º 1, al. i), do Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, diploma que aprovou o regime do arrendamento urbano, ter procedido à revogação da Lei n.º 46/85, de 20 de Setembro, o art.º 12º do mesmo diploma manteve em vigor os artigos 22.º a 27.º e 36.º da Lei n.º 46/85, bem como o Decreto-Lei n.º 68/86, de 27 de Março, “(…) no que respeita à atribuição do subsídio de renda”.

Da conjugação das disposições citadas (art.º 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 68/86 e art.º 25.º, n.º 1, da Lei 46/85) resulta que o subsídio especial para arrendatários deficientes é concedido em função da verificação de três factores: rendimento bruto do agregado familiar, dimensão do mesmo e montante da renda paga.

No caso em apreciação, a conjugação dos referidos factores levou à não atribuição de subsídio de renda, de acordo com as tabelas aprovadas por portarias anuais. Assim, nos termos da legislação em vigor, no caso acima referido, não existe, de facto, direito a subsídio de renda.

Por outro lado, a qualidade de deficiente do marido da interessada também não é, só por si, suficiente para determinar a atribuição do referido subsídio, nos termos do art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 68/86, de 27.03, porquanto se exige que a deficiência seja do arrendatário, excluindo-se a relevância da mesma situação em qualquer elemento do seu agregado familiar, designadamente do cônjuge.

A Constituição, no seu art.º 66.º, estipula que todos têm direito à habitação, estabelecendo o n.º 3 que o Estado adoptará uma política tendente a estabelecer um sistema de renda compatível com o rendimento familiar e de acesso à habitação própria.

De acordo com J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, pág. 344, “(…) o direito à habitação consiste no direito a obtê-la, traduzindo-se na exigência das medidas e prestações estaduais adequadas a realizar tal objectivo. Nesse sentido, o direito à habitação apresenta-se como verdadeiro e próprio direito social”

E continuam referindo que “Enquanto tal, o direito à habitação implica determinadas obrigações positivas do Estado (n.º 2, 3 e 4). É, pois, um direito positivo que justifica e legitima a pretensão do cidadão a determinadas prestações.”

Trata-se, pois, de um direito social que deve ser garantido pelo Estado, igualmente se lhe impondo como ditame constitucional (cfr. art.º 71.º da CRP), a realização de “uma política nacional de prevenção e de tratamento, reabilitação e integração dos deficientes, a desenvolver uma pedagogia que sensibilize a sociedade quanto aos deveres de respeito e solidariedade para com eles e a assumir o encargo da efectiva realização dos seus direitos (…)”.

Estamos, aqui também, perante um direito social propriamente dito na sua vertente positiva, de direito de exigir do Estado a realização das condições de facto que permitam um efectivo exercício dos direitos e cumprimento dos deveres.

Face ao exposto, e revelando-se cada vez mais difícil, para o cidadão normal, fazer face aos elevados preços praticados no mercado do arrendamento, justo será que o Estado apoie os arrendatários portadores de deficiência, proporcionando-lhes um direito de todos os cidadãos.
Nesse intuito, foi criado o subsídio especial para arrendatários deficientes regulamentado no Decreto-Lei n.º 68/86 de 27 de Março.

Na criação e atribuição deste tipo de prestações, não está isento o Estado de respeitar o princípio da igualdade, criando discriminações, sim, mas positivas e abstendo-se de conferir um tratamento desigual ao que é materialmente igual, face aos valores constitucionais.

Ora, o subsídio em causa, devendo ter em consideração os rendimentos do agregado familiar, é justo que possa ser atribuído quando é o cônjuge, ou pessoa que viva com o arrendatário em situação semelhante a esta (podendo empregar-se o mesmo critério estabelecido para efeitos da Lei n.º 135/99 de 28 de Agosto), e não o próprio arrendatário o portador da deficiência em causa. Na verdade, o que releva para o apoio em causa é a situação do deficiente, naturalmente integrado numa família, dependendo as suas condições de subsistência do conjunto dos rendimentos familiares e não apenas da sua situação eventual como pensionista, devendo, portanto, a existência de um cidadão portador de deficiência no agregado familiar ser tido em conta para efeitos da atribuição do subsídio ao arrendamento. Só assim se logrará realizar um efectivo direito à habitação e à protecção social do cidadão portador de deficiência.

Acresce ainda que, muitas vezes, o facto de ser ou não o deficiente o titular do arrendamento é uma circunstância meramente fortuita, por vezes em arrendamentos anteriores à criação do subsídio em causa, não sendo justo nem adequado fazer depender a concessão deste apoio de um critério tão arbitrário ou, em alternativa, fazer colocar o deficiente na subordinação à boa vontade do senhorio, ao permitir a transmissão do arrendamento, por vezes em troca de contrapartidas injustificáveis.

Como afirmei, o apoio social em causa deve ser prestado a quem se encontra nas condições materialmente definidas pelo âmbito com que foi criado, com independência de critérios formais que não correspondem a valorações constitucionalmente aceites. Para a Constituição e em termos de garantia do direito à habitação, é perfeitamente irrelevante que seja a pessoa portadora de deficiência a arrendatária, tão logo viva em economia comum com esta.

Face ao exposto, RECOMENDO
o alargamento do âmbito de aplicação do art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 68/86, de 27 de Março, relativo à atribuição de subsídio especial para arrendatários deficientes, de modo a abranger não só a situação em que é o arrendatário o deficiente mas o seu cônjuge ou a pessoa que viva com o arrendatário em condições análogas ao mesmo.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL