Primeiro-Ministro

Rec. n.º 10/B/00
Proc.: R-3/00
Data: 2000-03-10
Área: A 1

Assunto: URBANISMO E HABITAÇÃO. REGIME JURÍDICO DO URBANISMO E DA EDIFICAÇÃO. ALTERAÇÃO.

Sequência: Acatada

I- Exposição dos motivos

Através do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, veio o Governo disciplinar o regime jurídico da urbanização e da edificação, na sequência da Lei de Bases do Urbanismo e do Ordenamento do Território (Lei n.º 48/98, de 11 de Agosto) e do não menos relevante desenvolvimento operado pelo Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro, no que toca, em particular, ao ordenamento do território.

Houve por bem o Governo superiormente dirigido por Vossa Excelência erigir um novo edifício legislativo a partir de uma definição dada pelo Parlamento aos grandes princípios e linhas fundamentais de orientação, em matéria que, desde a IV Revisão Constitucional, veio alargar as responsabilidades da Assembleia da República, ao reservar-lhe a competência legislativa sobre as bases do ordenamento do território e do urbanismo. Trata-se de um domínio onde, apesar dos esforços crescentes do Estado, das Regiões Autónomas e das Autarquias locais, continua a assistir-se a alguma fragilidade na contenção das agressões à paisagem e das depredações dos recursos naturais. Não obstante a reacção afirmativa de muitos dos nossos concidadãos, agrupados em movimentos associativos ou de modo isolado, lançando mão dos instrumentos constitucionais e legais ao seu dispor (petição, acção popular, reclamação ao Provedor de Justiça) estão à vista do observador menos atento as imperfeições de parte considerável dos planos urbanísticos, a pressão reiterada sobre o litoral nem sempre adequadamente sustida, a expansão pouco ordenada de cidades e vilas em resposta à procura habitacional confortada por taxas de juro nunca tão apetecíveis outrora. Estou certo que algumas vulnerabilidades são fruto, e não raras vezes, de situações consolidadas no passado, que a dimensão do Estado de direito não consente postergar, mas surgem também por força de interstícios legislativos e regulamentares, que aqui e ali vão permitindo desordenar um território, cada vez mais exíguo e com um lastro de lesões demasiado penoso, como seja o caso das áreas urbanas de génese ilegal.

Ao Provedor de Justiça cumpre assinalar as deficiências de legislação que verificar, formulando recomendações para a sua interpretação, alteração ou revogação (art.º 20.º, n.º 1, alínea b), do seu Estatuto). Bem assim, cumpre-lhe intervir na tutela dos interesses difusos (art.º 20.º, n.º 1, alínea e), idem). E cumpre-lhe, não apenas providenciar pela reparação, como também pela prevenção de situações que possam mostrar-se injustas (art.º 3.º).
É precisamente a partir da constelação destes três vectores da minha actuação que julguei imperioso formular a presente Recomendação a Vossa Excelência, relativamente ao citado Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro. Solicitado por um cuidado preventivo, uma vez que o novo regime guardou 120 dias para a sua entrada em vigor, movido por iniciativa própria na tutela de interesses difusos – que são de todos e de ninguém – e precedendo cuidada análise das disposições contidas, espero o bom acolhimento das sugestões aqui formuladas com vista a um aperfeiçoamento da nova lei e que, em alguns passos, creio decisivo para o seu bom sucesso.

Estou certo de não ser incompreendido se me abstiver de assinalar os pontos onde o novo regime jurídico me parece especialmente avisado. Não é esse o meu dever, nem deve ser essa a minha preocupação. Permita-me, contudo, que na exposição de motivos, pontualmente, exprima a minha simpatia por determinadas opções que trazem consigo um tratamento mais justo quer dos promotores, quer da colectividade.
Seja-me permitido, em outro sentido, porém, que advirta quanto aos reajustamentos, correcções e outras benfeitorias de que o novo regime jurídico tanto carece. Algumas, certamente, por lapso material, em resultado da complexa trama legislativa a que a própria complexidade do fenómeno urbanístico obriga. Outras, porventura, devidas a uma menor ponderação sistemática. Se relativamente a certos aspectos a razão de ser está na necessária conformidade com a lei de autorização legislativa (Lei n.º 110/99, de 3 de Agosto), em outros limito-me à experiência adquirida neste observatório privilegiado que é a Provedoria de Justiça na sua quotidiana relação com os municípios, com as freguesias, e com as autoridades centrais e regionais, mas também na sua relação com os cidadãos e com as empresas, com as associações cívicas e com os grupos profissionais. Mas se acaso a Provedoria de Justiça se limitasse a simples observatório, estaria privada da sua função essencial. Como tal, permita-me que constitua um pouco também de laboratório, ensaiando alguns acertos que, segundo creio, poderão afinar consideravelmente o texto normativo, sem quebra das suas linhas de referência, das opções políticas determinadas e da sua coerência global.

1.º – Rejeição liminar e indeferimento dos pedidos de autorização
(artigos 30.º e 31.º)

Os motivos de indeferimento dos pedidos de licenciamento vêm previstos no artigo 24.º, do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, distinguindo-se os mesmos em função do tipo e localização da operação urbanística a licenciar, do regime urbanístico material aplicável ou em virtude da devida protecção aos edifícios classificados ou em vias de classificação e zonas envolventes. Já quanto ao indeferimento dos pedidos de autorização, o legislador optou pela parcimónia. Esta opção é, desde logo, realçada no preâmbulo do diploma, onde, quanto aos procedimentos de autorização, considera dispensável a apreciação dos projectos de arquitectura e das especialidades, tendo em conta, porém, que “ao diminuir substancialmente a intensidade do controlo realizado pela Administração, o procedimento de autorização envolve necessariamente uma maior responsabilização do requerente e dos autores dos respectivos projectos, pelo que tem como “contrapartida” um regime mais apertado de fiscalização”. Acaba por traduzir-se na extrema contenção das disposições que ao assunto se referem.

Com efeito, apenas no artigo 31.º se encontra expressa regulação do indeferimento dos pedidos de autorização, e cingindo-se às autorizações da utilização de edifícios ou fracções quando não se mostre conforme a obra com o projecto aprovado ou com as condições do licenciamento ou da autorização. Por seu turno, vem no artigo 30.º dispor-se apenas sobre a rejeição liminar dos pedidos de autorização, considerando-se, para além das situações em que se verifique que o procedimento a adoptar não é o de autorização (quer por se dever seguir o procedimento de licenciamento, quer por se mostrarem dispensadas as obras de licença ou autorização, nos termos previstos em regulamento municipal), que devem ser liminarmente rejeitados os pedidos de autorização que respeitem (i) a operações de loteamento em área abrangida por plano de pormenor quando seja manifesto que violam plano de pormenor, (ii) a obras de urbanização e trabalhos de remodelação de terrenos em área abrangida por operação de loteamento por manifesta violação de licença de loteamento ou plano de pormenor, e (iii) a obras de construção, ampliação ou alteração em área abrangida por operação de loteamento, plano de pormenor ou em área urbana consolidada como tal identificada em plano municipal de ordenamento do território por manifesta violação de licença de loteamento ou plano de pormenor.

Não obstante a assinalada falta de disposição sobre o indeferimento da generalidade dos pedidos de autorização, parece de rejeitar uma leitura apressada que apontasse para a impossibilidade de esses pedidos serem indeferidos por outros motivos que não violação manifesta de plano de pormenor ou de alvará de loteamento. De outro modo, não se encontraria sentido útil ao preceito contido no artigo 29.º (sobre a apreciação dos pedidos de autorização e os prazos para decisão dos mesmos), nem à norma que obriga à suspensão do procedimento de autorização quando da elaboração ou revisão de planos especiais ou municipais de ordenamento do território(1). E mais. A não ser assim esse poder decisório reduzir-se-ia a um mero deferimento vinculado, ainda que praticando, paradoxalmente, um acto inválido, ao qual a própria lei associa, em certos casos (de que se destaca a violação, manifesta ou não, de instrumentos de planeamento territorial), o desvalor jurídico da nulidade (artigo 68.º, alínea a)).

Crê-se, todavia, que este sentido útil se mostra de difícil apreensão, tendo em especial conta o facto de o regime em apreciação constituir um elemento de trabalho corrente entre profissões não jurídicas.
Apenas por interpretação sistemática das normas que se dirigem a regular o procedimento de autorização é possível retirar um sentido adequado das disposições pertinentes, o que cumpriria confrontar com a intenção do legislador. Nesta linha, julga-se que o preceituado no artigo 30.º sobre rejeição liminar dos pedidos de autorização não pode deixar de ser entendido como a concretização da regra geral sobre saneamento e apreciação liminar contida no artigo 11.º, n.º 3, do diploma, e segundo a qual compete ao presidente da câmara municipal “proferir despacho de rejeição liminar quando da análise dos elementos instrutórios resultar que o pedido é manifestamente contrário às normas legais e regulamentares aplicáveis”, dispondo, para o efeito, de um prazo de quinze dias. Ao que parece, esta competência mostra-se de exercício vinculado quanto aos pedidos de autorização relativos a operações de loteamento, obras de urbanização, trabalhos de remodelação de terrenos e obras de construção, ampliação ou alteração sempre que observada violação manifesta de plano de pormenor ou alvará de loteamento, por aplicação da regra prevista no citado artigo 30.º.

Noto que as dúvidas interpretativas suscitadas poderiam, com assinalável proveito de clareza, ser resolvidas mediante simples alteração da localização dos preceitos legais em causa e a reformulação do disposto no artigo 30.º, recolocando este regime da rejeição liminar antes do artigo 29.º (sobre a apreciação e decisão final dos pedidos de autorização), e introduzindo-lhe expressa menção à norma constante no artigo 11.º, n.º 3, ultrapassando uma leitura menos atenta que levasse a crer em duas fases liminares de apreciação.
Ainda nesta ordem de considerações conclui-se que a apreciação liminar nos procedimentos de autorização, a menos que culmine com a rejeição do pedido, em nada contende com a decisão final sobre o mesmo, a qual poderá ser favorável (deferimento) ou desfavorável (indeferimento), por referência às pertinentes disposições legais e regulamentares. Simplesmente, e porque a apreciação feita do pedido de autorização pode ser menos densa do que a apreciação dos pedidos de licenciamento (o que se traduz no encurtamento dos prazos e na ausência de referências aos parâmetros de decisão) a incidência do controlo camarário far-se-á sentir sobretudo a posteriori.

Todavia, entendo, ainda assim, que se mostra menos feliz a opção por não enunciar motivos de indeferimento, à excepção do que se dispõe no artigo 31.º quanto ao indeferimento dos pedidos de autorização relativos à utilização de edifícios ou suas fracções ou à alteração da utilização dos mesmos quando não sujeita a licenciamento(2) (isto é, quando a pretensão se reporte a área abrangida por plano municipal de ordenamento do território ou alvará de loteamento, ou nas situações em que a mudança de utilização implique a feitura de obras sujeitas a licenciamento ou autorização). A meu ver, a falta de um elenco dos motivos de indeferimento das autorizações não se mostra a solução mais consentânea com as garantias dos particulares requerentes da autorização, pelo que também este aspecto poderia merecer reponderação por parte do legislador.

2.º – Dispensa de autorização prévia de localização
(artigo 39.º)

No artigo 39.º do texto legislativo em análise, estabelece-se a dispensa de autorização prévia de localização por parte da administração central sempre que as obras se localizem em área abrangida por plano director municipal, o que, porém, parece deixar à margem outros instrumentos de planeamento territorial, com maior densidade. De acordo com o artigo 49.º do regime vigente, a dispensa apenas se verifica no caso de as obras se localizarem em área abrangida por plano de urbanização, por plano de pormenor ou por alvará de loteamento.

Não se vislumbra a razão da dispensa de autorização de localização em área abrangida por plano director municipal, quando o mesmo não sucede relativamente a planos de maior densidade, como sejam os planos de urbanização e os planos de pormenor. Melhor seria que a dispensa da autorização prévia de localização se verificasse nas situações em que existe plano de urbanização ou plano de pormenor, já que estes têm por conteúdo, respectivamente, programar a organização espacial de parte determinada do território municipal, desenvolver e concretizar essas propostas de organização espacial, definindo com detalhe a concepção da forma de ocupação e servindo de base aos projectos de execução das infra-estruturas, da arquitectura dos edifícios e dos espaços exteriores, em conformidade com as prioridades estabelecidas nos programas de execução constantes de plano director municipal e de plano de urbanização (artigos 87.º e 90.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro).

Ademais, a solução encontrada mal se harmoniza com os regimes sectoriais especialmente consagrados. A título meramente exemplificativo, refira-se o regime jurídico referente aos estabelecimentos industriais, segundo o qual, a aprovação da localização destes estabelecimentos em área abrangida por plano de urbanização carece de aprovação prévia da câmara municipal e, nos restantes casos – área abrangida por plano director municipal ou por plano regional de ordenamento do território – de aprovação pela comissão de coordenação regional respectiva (artigo 4.º, n.º 6 e n.º 8, do Decreto Regulamentar n.º 25/93, de 17 de Agosto, e Portaria n.º 30/94, de 11 de Janeiro).

O mesmo se diga mutatis mutandis quanto às unidades comerciais de dimensão relevante, cujo procedimento de aprovação da localização depende de prévio parecer da comissão de coordenação regional competente ou da câmara municipal respectiva, consoante os casos (artigos 14.º, 15.º e 16.º do Decreto-Lei n.º 218/97, de 20 de Agosto).
O disposto no artigo 39.º do diploma legal sob apreciação, conflitua, deste modo, com a disciplina jurídica consubstanciada nos preceitos acima citados. A opção legislativa adoptada no novo diploma não pode deixar de ser merecedora de reparo, por criar um ponto de conflito, deixando por esclarecer, no campo de aplicação da lei ao caso concreto, como se harmonizam os regimes em questão. Antevê-se com reservas uma provável discussão em torno da intenção do legislador no que toca a manter intocada, ou não, a eficácia de normas especiais.
Julga-se, ainda, que valeria a pena providenciar por um enunciado, ainda que exemplificativo, à semelhança do que tem lugar no artigo 37.º, das situações que exigem autorização prévia da localização que deva ser emitida por parte de órgãos da administração central. Sendo certo que esta disposição não afasta a necessidade das autorizações ou aprovações determinadas com base em servidões administrativas ou restrições de utilidade pública, não se descortinam casos que possam vir a preencher a previsão do artigo 39.º.

Por outro lado, mostra-se desejável ter presente que, em matéria de estradas, podem ter lugar actos designados como licenciamento (artigos 11.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de Janeiro, o qual mantém aplicação para as estradas que não constem do Plano Rodoviário Nacional – cfr. artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 13/94, de 15 de Janeiro).
Por fim, devo apontar a significativa vantagem que traria cuidar, neste plano, de estabelecer a articulação com os regimes de bens do domínio público, uma vez que se não reconduzem nem ao caso de restrições de utilidade pública, nem tão pouco de servidões administrativas. A norma própria para esse efeito parece ser a do artigo 39.º, porquanto se reporta a contingências loci ratione.
Em suma, bastaria fazer acrescer à parte final desta disposição a referência a licenças e a concessões, a par das autorizações e aprovações, e cumular os bens do domínio público às servidões administrativas e às restrições de utilidade pública.

3.º – Áreas para espaços verdes e de utilização colectiva, infra-estruturas e equipamentos / Áreas de cedência (artigos 43.º, n.º 3, e 44.º, n.º 4)

Relativamente às operações de loteamento, estabelece-se no artigo 43.º, n.º 1, do diploma em análise que os projectos devem prever áreas destinadas à implantação de espaços verdes e de utilização colectiva, infra-estruturas viárias e equipamentos.
Os parâmetros para o dimensionamento das referidas áreas são definidos pelo respectivo plano municipal de ordenamento do território ou, até à sua previsão nesse instrumento, por portaria do Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território (cfr. artigos 43.º, n.º 2, e 128.º, n.º 3).
Uma vez que a norma do artigo 43.º, n.º 3, determina que sejam consideradas, para aferir da observância dos parâmetros de dimensionamento destas áreas, quer as parcelas de terreno que se mantenham na propriedade privada, quer as que venham a ser cedidas ao município, tudo levaria a crer que o legislador consideraria que, em ambos os casos, se revelam satisfeitos os interesses públicos envolvidos.

Com efeito, a exigência de afectar determinadas áreas à implantação de espaços verdes e de utilização colectiva, infra-estruturas viárias e equipamentos, justifica-se, antes de mais, pela necessidade de garantir as condições indispensáveis à qualidade de vida daqueles que vão ocupar os lotes constituídos pela operação de loteamento, salvaguardando, do mesmo modo, valores ambientais e de ordenamento do território mais vastos.
A ser assim, o escopo da norma poderia ser alcançado tanto pela previsão de áreas de natureza privada, como pela previsão de áreas integradas no domínio público, conquanto as mesmas estivessem afectas à satisfação dos interesses públicos em causa.

Contudo, no artigo 44.º, n.º 4, prevê-se que, nos casos referidos no artigo 43.º, n.º 4 (3), o proprietário fique obrigado ao pagamento de uma compensação ao município.
Na verdade, mesmo quando se consideram observados os parâmetros de dimensionamento fixados para as áreas em causa, por terem sido verificadas as áreas que mantêm natureza privada e, assim, satisfeitas as exigências de interesse público subjacentes ao preceito do disposto no artigo 43.º, o promotor do loteamento está, ainda assim, obrigado a pagar uma compensação.
Ora, se nestas situações é necessário exigir uma compensação, de forma a permitir à câmara municipal a aquisição das áreas de terreno que, em concreto, não foram cedidas ao domínio municipal, é porque as áreas de natureza privada, mesmo que afectas à implantação de espaços verdes e de utilização colectiva, infra-estruturas viárias e equipamentos, não devem ser consideradas para aferir a observância dos parâmetros de dimensionamento fixados.

Regista-se, pelo exposto, o que parece constituir uma incongruência entre as normas fixadas nos artigos 43.º, n.º 3, e 44.º, n.º 4. Com efeito, tudo levaria a crer que ou se considera que as áreas de terreno privadas satisfazem os interesses públicos inerentes à exigência de previsão destas áreas nos projectos de loteamento e, então, não se encontra justificação para a exigência do pagamento de uma compensação, ou se entende, pelo contrário, que as referidas parcelas privadas não permitem obter os fins de interesse público prosseguidos e, nesta medida, não devem as mesmas ser consideradas para aferir da observância dos parâmetros de dimensionamento estabelecidos.

4.º – Parcelas cedidas ao domínio dos municípios (artigos 44.º, n.º 3 e n.º 4)

O novo diploma mantém, no artigo 44.º, n.º 3, a regra de que as parcelas de terreno cedidas ao município passam automaticamente para a titularidade deste, com a emissão do alvará.
No entanto, a nova redacção refere que as parcelas de terreno cedidas integram o domínio municipal e não, como acontece nos termos do regime estabelecido no artigo 16.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro, na redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 334/95, de 28 de Dezembro (designado “Decreto-Lei n.º 448/91”) o domínio público do município.
A autorização legislativa conferida pela Lei n.º 110/99, de 3 de Agosto, determinava no artigo 2.º, alínea l), que o Governo deveria legislar no sentido de estabelecer a integração das parcelas cedidas pelos loteadores para implantação de espaços verdes públicos, equipamentos de utilização colectiva e infra-estruturas urbanísticas no domínio público municipal, e não latamente no domínio municipal, o qual, como é consabido, compreende quer o domínio público, quer o domínio privado do município.

Desta forma, parece duvidosa a conformidade do disposto no artigo 44.º, n.º 3, com a norma constante do artigo 2.º, alínea l), da citada lei de autorização legislativa.
Ainda que assim não fosse, sempre se revelaria pouco clara aquela norma, porquanto não esclarece se as parcelas de terreno cedidas têm, ou não, que se integrar no domínio público municipal. Isto, não obstante os fins a que se encontram afectas poderem levar a entender que assim tem de acontecer.
E a situação assume tanto maior delicadeza quanto as parcelas de terreno cedidas passam automaticamente a ser tituladas pelo município, sem mediação de outro acto, podendo ser suscitadas dúvidas, no futuro, sobre a sua natureza ou sobre o regime jurídico a que se subordinam.
Seria preferível, pois, como reconhecerá Vossa Excelência, que a solução legislativa não se prestasse a tais dúvidas de interpretação, referindo, de forma expressa, qual a natureza dominial pública que assiste às parcelas de terreno cedidas ao município.

5.º – Obras com impacto urbanístico semelhante a operação de loteamento (artigo 57.º, n.º 5)

No artigo 57.º, n.º 5, do presente diploma estabelece-se que é aplicável o disposto no artigo 43.º (necessidade de previsão de áreas para espaços verdes e de utilização colectiva, infra-estruturas e equipamentos) aos pedidos de licenciamento ou autorização de determinadas categorias de obras, quando respeitem a edifícios contíguos e funcionalmente ligados entre si que determinem, em termos urbanísticos, impactos semelhantes a uma operação de loteamento.
Por força do citado preceito, exige-se, agora, que não apenas os projectos de loteamento, mas também os projectos das obras em causa, prevejam áreas afectas à implantação de espaços verdes e de utilização colectiva, infra-estruturas viárias e equipamentos.

Com efeito, a definição de operação de loteamento, porque não faz apelo a critérios substanciais, mas possui carácter meramente formal, tem-se mostrado incapaz de fazer sujeitar algumas operações urbanísticas ao regime das operações de loteamento e, em particular, às exigências de áreas afectas a fins públicos, as quais passam, agora, a ser aplicáveis às situações de licenciamento ou autorização de obras que apresentem impacto semelhante a uma operação de loteamento. Nesta medida, parece de inteira justiça obviar a que certas operações de impacto urbanístico tão significativo, como é o caso de certos “condomínios fechados”, escapassem aos encargos com o bem comum que, até agora, apenas condicionavam as operações de loteamento.

Mas se é certo que a norma vem responder a tal necessidade, de há muito sentida(4), não deixa de suscitar algumas dúvidas. Em primeiro lugar, a exigência de que os projectos contemplem a previsão destas áreas, no domínio do licenciamento ou autorização de obras, não foi prevista na autorização legislativa concedida pela Lei n.º 110/99, de 3 de Agosto.
De facto, o artigo 2.º, alínea l), da referida lei de autorização legislativa refere-se, apenas, a parcelas cedidas no licenciamento de operações de loteamento. No tocante a obras com impactos semelhantes a operação de loteamento, a mesma lei apenas estabeleceu a sua sujeição ao pagamento de taxa pela realização, manutenção e reforço das infra-estruturas urbanísticas.

Pelo exposto, o Governo, ao estabelecer no artigo 57.º, n.º 5, a exigência de que determinados projectos de obras prevejam áreas afectas a certos fins colectivos, sejam elas privadas ou a ceder ao município, poderá ter legislado ao arrepio da reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República, designadamente por força do artigo 165.º, alínea l), da Constituição – meios e formas de intervenção, expropriação, nacionalização e privatização dos meios de produção e solos, por motivo de interesse público – o que poderá traduzir-se em dissabores futuros, caso os operadores venham a arguir a inconstitucionalidade orgânica.

Em segundo lugar, mal se compreende o exacto alcance da expressão “impactes semelhantes a uma operação de loteamento”. Na verdade, uma operação de loteamento, como no próprio diploma se define (artigo 2.º, alínea i), é uma acção que tem por objecto ou por efeito a constituição de um ou de mais lotes destinados imediata ou subsequentemente à edificação urbana, e que resulte da divisão de um ou vários prédios, ou do seu emparcelamento ou reparcelamento.

Em face da definição de operação de loteamento, há que considerar um vasto universo de situações, com impactos, em termos urbanísticos, muito díspares. Assim, uma operação de loteamento pode destinar-se, apenas, à constituição de dois lotes destinados à construção de duas moradias unifamiliares, mas pode, também, ter em vista a realização de uma grande urbanização, compreendendo inúmeros lotes, onde serão construídos outros tantos edifícios multifamiliares.
É certo que, não raras vezes, o legislador entende por bem fazer apelo a conceitos vagos, imprecisos ou indeterminados, cujo preenchimento é relegado para o aplicador, chamado assim a contribuir com a sua experiência, com a proximidade ao carácter multifacetado das situações e – porque não – com alguma margem de livre apreciação. Não parece ser esse o caso, já que o conceito, mais do que indeterminado, se mostra indeterminável.

Nesta conformidade, o critério utilizado para determinar a aplicação do artigo 43.º a determinados pedidos de licenciamento ou autorização de obras, qual seja, o de terem um impacte semelhante a uma operação de loteamento, parece revelar-se quase vazio de conteúdo, porquanto não existe um impacte típico ou característico de uma operação de loteamento, mas um vasto leque de impactos urbanísticos possíveis. Isto, a menos que se tomasse como zona de certeza positiva do conceito a operação de loteamento com o menor impacto imaginável, em contraponto a uma zona de certeza negativa ancorada no escasso impacto de um destaque (artigo 6.º, n.ºs 4 e 5).

Em consequência, julgo que importaria que fosse ponderada a densificação dos conceitos utilizados para determinar a aplicabilidade do disposto no artigo 43.º a pedidos de licenciamento de obras, fazendo apelo, tanto quanto possível, a critérios substanciais e objectivos.
Por último, no artigo 57.º, n.º 5, determina-se a aplicação do disposto no artigo 43º aos pedidos de licenciamento ou autorização das obras referidas no artigo 4.º, n.º 2, alíneas c) e d) e n.º 3, alínea d), assim como das obras previstas no artigo 4.º, n.º 3, alínea c), quando estas se situem em área não abrangida por operação de loteamento.

Ora, entre as obras abrangidas pelo preceito, contam-se obras de reconstrução e de demolição. Nestas situações, em bom rigor não se descortinam razões sólidas que possam justificar a exigência de que o projecto preveja parcelas de terreno para fins de interesse público, na medida em que ou apenas se mantém a construção existente ou deixa, inclusivamente, de existir qualquer construção que possa fundamentar a referida exigência.
As dúvidas precedentemente expostas são ainda agravadas pela redacção da norma contida no n.º 6 do artigo 57.º, na medida em que esta também se aplica a obras de reconstrução e de demolição. Na verdade, não se alcança a razão da exigência do pagamento de uma compensação ao município, prevista no artigo 44.º, n.º 4, quando estejam em causa aqueles tipos de operações urbanísticas.

6.º – Compensação quando não há lugar a cedência (artigo 57.º, n.º 6 e 7)

O novo regime legal, no seu artigo 57.º, n.ºs 6 e 7, parece determinar a aplicação do disposto no artigo 44.º, n.º 4, ou seja, a obrigação do pagamento de uma compensação ao município, sempre que os projectos das obras indicadas contemplem a criação de áreas de circulação viária e pedonal, espaços verdes e equipamentos de uso privativo.
Tradicionalmente, a compensação urbanística está associada ao facto de não serem cedidas ao município determinadas áreas para fins de interesse público, que, em abstracto, deveriam ter lugar quando porém, em concreto, se revelam desnecessárias. Nestas situações, o proprietário ou os demais titulares de direitos reais compensam o município pelo facto de este já ter realizado as infra-estruturas urbanísticas ou, pelo menos, ter assegurado ou ir assegurar o equipamento ou espaço verde necessário.

No artigo 57.º, n.ºs 6 e 7, não é feita qualquer referência às situações previstas no n.º 5 do mesmo preceito, onde se estabelece a necessidade de os projectos preverem áreas afectas à implantação de espaços verdes e de utilização colectiva, infra-estruturas viárias e equipamentos, com natureza privada ou destinadas a serem objecto de cedência ao município.
Saliente-se que, por não estarem em causa, apenas, as situações previstas no artigo 57.º, n.º 5, a exigência do pagamento da compensação nem sequer está prevista para os casos do licenciamento de obras com impacto urbanístico semelhante a uma operação de loteamento.

Desta forma, nos n.ºs 6 e 7 do artigo 57.º, vem prever-se a obrigação de pagar uma compensação mesmo quando não exista uma qualquer obrigação de ceder parcelas de terreno, mas sempre que sejam criadas infra-estruturas urbanísticas ou equipamentos privados, e apenas por esse facto.
A não aplicação das normas constantes do artigo 57.º, n.ºs 6 e 7, às situações contempladas no nº 5, deste mesmo preceito, parece conduzir a uma incongruência do regime, porquanto se consagrou, por um lado, a necessidade de serem sempre previstas áreas para certos fins colectivos, ainda que as mesmas não se revelem necessárias, em concreto, e por outro lado, o pagamento de uma compensação quando não existe obrigação de ceder parcelas de terreno ao município.
Não se entende que razões que possam ter levado a exigir o pagamento de uma compensação aos particulares quando prevejam, no âmbito de uma obra, a criação de áreas de circulação viária e pedonal, espaços verdes e equipamentos de uso privativo. O que é que se visa compensar? Qual foi o custo suportado pelo município que, desta forma, é agora imputado ao particular? E qual a área que vai ser considerada para cálculo dessa compensação?

E porque não existe uma contraprestação da prestação imposta ao proprietário ou titular de outros direitos reais sobre o prédio, mas a imposição, por uma entidade pública, de uma prestação pecuniária, unilateral, definitiva e coactiva, há que admitir que o artigo 57.º, n.ºs 6 e 7, possa ter criado um verdadeiro imposto.
Ora, a criação de impostos constitui matéria incluída na reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República, por força do disposto no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição. Assim, uma vez que a criação da prestação pecuniária em causa não se encontrava prevista na autorização legislativa, concedida pelo artigo 1.º da Lei n.º 110/99, de 3 de Agosto, as normas constantes no artigo 57.º, n.ºs 6 e 7, poderão enfermar de inconstitucionalidade orgânica.

7.º – Princípio da protecção do existente (artigo 60.º, n.º 2)

Prevê a norma legal em referência, que não poderá ser recusada a concessão de licença ou autorização para a realização de obras de reconstrução ou de alteração de edificações existentes, por se verificar que a pretensão exposta é desconforme com normas legais ou regulamentares supervenientes à construção originária.
E sujeita-se tal decisão à verificação de duas condições alternativas:
– ou que tais obras não originem, nem agravem desconformidade com as normas em vigor;
– ou que tais obras tenham como resultado a melhoria das condições de segurança e de salubridade da edificação.
Não se compreende como poderá o pedido para a concessão de licença ou autorização para a realização de obras de reconstrução ou de alteração de edificações existentes apresentar-se desconforme com normas legais ou regulamentares supervenientes à construção originária (ou seja, as que estejam em vigor à data da concessão) e, ao mesmo tempo, não originar essa mesma desconformidade.

Por outro lado, parece que seria da maior conveniência a concretizar quanto se entenda por “melhoria das condições de segurança e de salubridade da edificação”. Receio que a imprecisão do conceito possa levar a uma liberdade de apreciação susceptível de criar situações de flagrante desigualdade e injustiça, correndo-se o grave risco de ser autorizada ou licenciada qualquer operação urbanística porque, simplesmente, propicia melhores condições higiossanitárias. Se, porventura, uma obra de ampliação vier cumprir os requisitos mais exigentes de segurança contra incêndios, ser-lhe-á, por isso, consentido exceder os coeficientes de ocupação do solo? Por redução teleológica sempre se atingirá que as derrogações à aplicação da lei nova só serão de admitir individual e concretamente (por cada derrogação a demonstração de uma melhoria) e não por cômputo global dos benefícios adquiridos com o conjunto da operação. Não estou tão certo, contudo, que este entendimento encontre aceitação generalizada.
Importaria, igualmente, regular as situações em que se verifica uma melhoria das condições de segurança e de salubridade na edificação objecto da intervenção enquanto concomitantemente, porém, se agravam as condições de privacidade, de segurança ou de salubridade de uma edificação vizinha. Literalmente não poderá ser recusada a licença ou autorização pretendida com fundamento na violação das normas legais e regulamentares em vigor.

8.º – Licenciamento e autorização da utilização de edifícios e suas fracções (artigo 62.º e seguintes)

Determina-se a sujeição a licenciamento da alteração da utilização dos edifícios ou suas fracções, desde que em área não abrangida por operação de loteamento nem por plano municipal de ordenamento do território, ou quando a mesma não tenha sido precedida da realização de obras sujeitas a licença ou autorização administrativas. Já apenas a autorização quando se trate da utilização ou alteração da utilização de edifícios e suas fracções quando não sujeitas a licenciamento (cfr. artigo 4.º, n.ºs 2, alínea d), e 3, alínea f), do diploma). O legislador prevê a prossecução de fins distintos consoante o tipo de procedimento (licenciamento ou autorização da utilização).

Com efeito, estatui-se no artigo 62.º que a licença de utilização se destina a verificar a conformidade do uso previsto com as normas legais e regulamentares que lhe são aplicáveis e a conferir a idoneidade do edifício ou sua fracção autónoma para o fim a que se destina. Por seu turno, a autorização da utilização verifica a conformidade da obra concluída com o projecto aprovado e com as condições do licenciamento ou da autorização.
Ora, parece-me questionável esta definição dos fins do procedimento de autorização da utilização, tendo presente o âmbito das operações a ele sujeitas, o qual compreende, claramente, situações de início da utilização e de alteração da utilização não precedidas de obras, ou, quando muito, precedidas de obras que a lei não sujeita nem a licenciamento nem a autorização. Na verdade, obtém-se pelo disposto no artigo 4.º a aplicação do regime da autorização a todas as situações do exercício da utilização (não desconforme com o fim previsto quando exista projecto de obras), independentemente de uma actividade imediatamente precedente de edificação, bem como às situações em que a pretensão de alteração da utilização incida numa área abrangida por operação de loteamento ou por plano municipal de ordenamento de território, quer comporte a prévia realização de obras sujeitas a licenciamento ou autorização, quer não a comporte (5).

Não se compreende, ainda, como possa ser verificada, nas situações apontadas, a invocada conformidade da obra com o projecto aprovado e com as condições do licenciamento ou da autorização. Em suma, sem a precedência de obras sujeitas ao controlo efectuado nos procedimentos de licenciamento ou de autorização, o procedimento de autorização da utilização parece não prosseguir qualquer finalidade. Isto, quando a realidade nos confronta com múltiplas situações de alteração ao uso de um edifício ou de uma fracção sem necessidade de obras significativas.
Observa-se que, tão pouco, pode ser indeferido um pedido de autorização da utilização que tenha por objecto operações não precedidas de prévia feitura de obras, ou precedidas de obras que a lei não sujeita a licenciamento ou autorização, por não existir fundamento legal que habilite a prática de um acto de indeferimento nestes casos. Isto, porquanto, o artigo 31.º elege como pressupostos de indeferimento da autorização da utilização a desconformidade da obra concluída com o projecto aprovado ou o desrespeito das condições do licenciamento ou da autorização.

Em conclusão, merece reponderação a redacção do artigo 62.º, n.º 2, do presente diploma, com vista à redefinição dos fins do procedimento de autorização da utilização, parecendo sugestivo, neste âmbito, o disposto no artigo 30.º, n.º 3, do regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro.

9.º – Licenciamento e autorização da utilização de edifícios e suas fracções (cont.) Articulação com regimes sectoriais (artigo 62.º seguintes)

Como pude já notar, o regime legal em apreço distingue diferentes procedimentos de controlo da actividade edificatória e do exercício do uso por parte da Administração – licenciamento e autorização – definindo o âmbito de cada um dos procedimentos em função do grau de concretização do planeamento vigente na área da operação, em função da natureza da operação urbanística pretendida e ainda da sua localização no espaço.
Sempre que os parâmetros urbanísticos se encontram em plano ou em anterior acto da Administração, ou quando a pretensão revista escassa relevância urbanística, o procedimento tradicional do licenciamento dá lugar a um procedimento simplificado de autorização ou de mera comunicação prévia.
Nesta perspectiva, e tendo em conta a ruptura com a tradição legislativa(6), será de testar a articulação entre o novo regime jurídico da edificação e da urbanização e os regimes sectoriais que disciplinam o licenciamento da construção e o licenciamento da utilização. As características próprias de determinadas actividades podem justificar a necessidade de assegurar a harmonização dos múltiplos interesses em presença, quer públicos, quer privados, ditando a sua submissão a um regime jurídico específico, que resulta da ponderação dos vários interesses envolvidos.

Tenho presente, em particular, os regimes que regulam a instalação e o funcionamento de recintos de espectáculos e divertimentos públicos, a instalação de recintos com diversões aquáticas, a instalação de empreendimentos turísticos, a instalação de estabelecimentos de restauração e de bebidas, a construção de instalações desportivas, a instalação de casas de natureza, e a instalação de estabelecimentos de comércio ou armazenagem de produtos alimentares, estabelecimentos de comércio de produtos não alimentares e de prestação de serviços cujo funcionamento envolve riscos para a saúde e para a segurança das pessoas, previstos, respectivamente, no Decreto-Lei n.º 315/95, de 28 de Novembro, nos artigos 5.º a 11.º do Decreto-Lei n.º 65/97, de 31 de Março, no Decreto-Lei n.º 167/97, de 4 de Julho, no Decreto-Lei n.º 168/97, de 4 de Julho, nos artigos 11.º a 14.º do Decreto-Lei n.º 317/97, de 25 de Novembro, no Decreto-Lei n.º 47/99, de 16 de Fevereiro e, por último, no Decreto-Lei n.º 370/99, de 18 de Setembro.
Estes regimes sectoriais pressupõem o licenciamento municipal de obras particulares, sem prejuízo das especificidades ali reguladas, visando a prossecução de interesses públicos próprios.

Nestes procedimentos, o licenciamento da construção importa a emissão de pareceres por parte de entidades exteriores ao município, e em momento prévio à aprovação do projecto de arquitectura.
Por outro lado, as normas que regulam o licenciamento de tais utilizações equiparam, por forma expressa ou tácita, a licença que legitima o exercício da exploração à licença de utilização urbanística (prevista no artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro).
Nestas situações, o licenciamento de tais utilizações destina-se a verificar a conformidade da obra com o projecto aprovado, a adequação do estabelecimento ao uso e ainda a observância de normas legais e regulamentares aplicáveis à actividade em especial, como por exemplo as condições sanitárias e de segurança contra os riscos de incêndio. Prevê-se expressamente a realização de uma vistoria, com intervenção de entidades exteriores ao município.

Esta preocupação reflectiu-a o legislador nos artigos 37.º e seguintes, mas receio que de modo não inteiramente suficiente.
A articulação dos regimes especiais com o novo regime jurídico da edificação e da urbanização requer, em todo o caso, um labor interpretativo. O que se espera é que esta operação não se revele excessivamente melindrosa, atendendo a que as normas procedimentais e materiais do regime geral e as normas dos regimes especiais nem sempre se compatibilizam. Ainda que seja possível concluir pela aplicação de um ou outro tipo de controlo administrativo da actividade edificatória e do exercício do uso (licenciamento ou autorização)(7), sempre os trâmites do procedimento estipulado na legislação especial e a sua disciplina material apontarão para soluções atípicas, que desvirtuam os fins prosseguidos no procedimento eleito pelo novo regime.

Assim, por exemplo, a aprovação da utilização, nos regimes sectoriais, envolve a prossecução de fins mistos dos procedimentos de licenciamento e de autorização da utilização, tal como definidos no novo regime.
Também no que concerne à actividade edificatória, ainda que a densidade do planeamento vigente e a natureza da obra levem a concluir pela aplicação do procedimento de autorização, não poderá ser dispensada, à luz do regime especial aplicável ao licenciamento da construção, a consulta a terceiras entidades e a aprovação do projecto de arquitectura. Nos procedimentos sectoriais de licenciamento da instalação, a especial intensidade do controlo administrativo faz-se sentir tanto ao nível do licenciamento da construção, como ao nível do licenciamento da utilização.

Entendo, pois, dever ser ponderada a prevalência do regime especial, por apelo ao princípio segundo o qual a “lei geral não revoga lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador” (v. artigo 7.º, n.º 3, do Código Civil).
De novo, razões de segurança e de certeza jurídica aconselham que o problema exposto seja expressamente resolvido pelo legislador do novo regime, tendo em conta a especial complexidade na articulação dos regimes, quer no que toca a normas procedimentais como também a normas materiais, na extensão das operações urbanísticas reguladas por regime especial.
Mais considero que deveria ser expressamente revelado o sentido e alcance do novo regime, no que tange à sua compatibilização com os regimes sectoriais de licenciamento da construção e da utilização, concebidos em vista à sua articulação com o anterior regime de licenciamento municipal de obras particulares, quanto mais não seja afastando dúvidas sobre a intenção revogatória de leis especiais.

10.º – Invalidade – anulabilidade por desrespeito de parecer vinculativo, autorização ou aprovação (artigo 68.º)

Compete ao presidente da câmara promover as consultas às entidades que devam emitir parecer, autorização ou aprovação relativamente às operações urbanísticas sujeitas a licenciamento, salvo se o requerente houver promovido directamente tais consultas e instruir o pedido de licenciamento com os pareceres, autorizações ou aprovações legalmente exigidas. Estes possuem carácter vinculativo apenas nos casos fixados na lei, e quando se fundamentem em condicionamentos legais ou regulamentares e sejam recebidos tempestivamente (artigo 19.º, n.ºs 1, 2 e 11). Verificados estes pressupostos, o pedido de licenciamento é indeferido quando tiver sido objecto de parecer negativo ou de recusa de aprovação ou de autorização de qualquer entidade consultada (artigo 24.º, n.º 1, alínea c).
O que levanta algumas interrogações é, desde já, a forma como o novo regime reage contra os actos administrativos que decidam pedidos de licenciamento quando não tenham sido precedidos de consulta das entidades que se houvessem de pronunciar com carácter vinculativo, ou quando não estejam em conformidade com os pareceres, autorizações ou aprovações emitidas.

Nos termos do disposto pelo diploma em análise, são nulas as licenças(8) que “violem o disposto em instrumento de planeamento territorial (plano municipal de ordenamento do território, plano especial de ordenamento do território), medidas preventivas ou licença ou autorização de loteamento em vigor e decidam pedidos de licenciamento sem que seja apresentado documento comprovativo da aprovação da administração central” (artigo 68º, alíneas a) e b). Para além destes casos de nulidade, será, sem dúvida, de considerar o elenco contido no artigo 133.º do Código do Procedimento Administrativo, e ainda as nulidades específicas dos actos praticados pelos órgãos das autarquias locais (artigo 95.º da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro).
Sendo a nulidade uma cominação excepcional para a invalidade dos actos administrativos(9), ter-se-ia de concluir que seriam meramente anuláveis os actos administrativos que decidam pedidos de licenciamento ignorando a prévia consulta das entidades cujos pareceres, autorizações ou aprovações sejam legalmente exigidos ou quando não estejam em conformidade com os mesmos. Apenas seriam nulos caso tal desvalor se encontrasse previsto nos regimes sectoriais que disciplinam as matérias sobre as quais são emitidos os pareceres, autorizações ou aprovações(10).

A evolução dos regimes jurídicos do licenciamento municipal das operações de loteamento e das obras de urbanização, bem como os de obras particulares, já havia revelado a intenção do legislador em proceder a uma relativização do juízo de valor negativo dos actos administrativos que decidissem pedidos de licenciamento sem observância de consulta às entidades que se houvessem que pronunciar sem carácter vinculativo(11). Revela-se preocupante, contudo, que o legislador tenha optado pela segurança, estabilidade e certeza das relações jurídicas entre os particulares e a Administração em detrimento do interesse público de respeito da legalidade objectiva, ao cominar com a mera anulabilidade os actos de licenciamento que desrespeitem parecer vinculativo, autorização ou aprovação legalmente exigíveis, designadamente, das entidades que, por força de servidão administrativa ou restrição por utilidade pública se devam pronunciar sobre a operação urbanística.

Neste caso, não é sanável a ilegalidade cometida por via da repetição do procedimento, no prazo geral de um ano, tendo em vista a eventual obtenção de parecer favorável, autorização ou aprovação, dada a inviabilidade da pretensão por via de regimes legais sectoriais. A intervenção destas entidades justifica-se para salvaguarda dos interesses públicos específicos postos por lei a seu cargo. A nulidade face à desconformidade com o seu parecer, falta de autorização ou de aprovação é a forma de invalidade que se justifica, em face da necessidade de tutela da legalidade objectiva, sendo certo que, na maior parte dos casos, o interesse público a prosseguir é definido por instrumento legal, revelando-se contraditório que o legislador tenha reconhecido expressa primazia ao interesse público na salvaguarda do regime de uso, ocupação e transformação dos solos, ao cominar com a nulidade as licenças que violem instrumento de planeamento territorial de carácter vinculativo, em qualquer uma das suas disposições. Trata-se, porém, de uma opção legislativa sobre o escalonamento dos múltiplos interesses públicos em presença. Deste ângulo, apenas devo deixar registado o meu ponto de vista.

Todavia, há outra perspectiva a partir da qual não posso deixar de criticar a solução encontrada: a da coerência. Esta opção legislativa parece conflituar com o regime geral das nulidades que contém o artigo 133.º do Código do Procedimento Administrativo, e onde se comina com a nulidade os actos estranhos às atribuições dos ministérios ou das pessoas colectivas em que o seu autor se integre (artigo 133.º, n.º 2, alínea b), do Código do Procedimento Administrativo). A prática pelas câmaras municipais de actos de licenciamento que desrespeitem os regimes legais sectoriais cuja salvaguarda a lei colocou a cargo de outra pessoa colectiva pública (em regra, da Administração Central) como no caso das servidões administrativas e das restrições por utilidade pública, significa que o município actua fora do elenco dos interesses públicos que a lei confiou aos municípios e invade a esfera de atribuições de outro ente público.

Certo é que, por via do recurso ao citado preceito do Código do Procedimento Administrativo, os actos que decidam pedidos de licenciamento em contravenção aos pareceres vinculativos, autorizações ou aprovações legalmente exigidas são nulos por extravasarem das atribuições do município. Não obstante, por razões de clareza e segurança jurídica, entendo que esta forma de invalidade devia constar do elenco das nulidades em matéria urbanística contidas no artigo 68º do regime jurídico atinente à urbanização e edificação.

11.º – Início da execução de obras e trabalhos sujeitos a licença ou autorização (artigo 81.º)

No artigo 81º do novo diploma vem prever-se, na linha do artigo 18.º do anterior regime jurídico, a faculdade de certas operações materiais preliminares poderem ter lugar no decurso do processo de controlo municipal, logo que seja aprovado o projecto de arquitectura: “execução de trabalhos de demolição ou de escavação e contenção periférica até à profundidade do piso de menor cota” (artigo 81.º, n.º 1). Esta disposição parece ter como finalidade essencial a de não retardar o início das obras sempre que este possa ocorrer sem inconveniente para o interesse público.
Esta via surge alargada, inovadoramente, pelo disposto no n.º 2, ao admitir a antecipação do momento de início destas operações preliminares para o termo do saneamento, previsto no artigo 11.º, sempre que o requerente seja titular de informação prévia favorável vinculativa da câmara municipal. Isto, por haver uma base de segurança. A informação prévia favorável e o controlo operado pela apreciação na fase de saneamento levam a presumir que tais operações se conformam com os parâmetros aplicáveis, em termos que permitam o seu adiantamento.

Contudo, mesmo sem informação prévia favorável, este mecanismo aplica-se às autorizações, o que não pode deixar de suscitar as maiores dúvidas, porquanto à aprovação do projecto de arquitectura não parece corresponder uma fase autónoma do procedimento. Não se descortina, pois, a partir de que momento podem as câmaras municipais facultar o início dos trabalhos preliminares, uma vez que entre o saneamento/apreciação liminar (artigo 11.º) e a decisão final (artigos 29.º e 32.º) não tem lugar a prática de qualquer acto.
Como tal, seria de ponderar, ou a redução da previsão do artigo 81.º aos casos de licenciamento, ou fixar um momento procedimental a partir do qual possa permitir-se o início dos trabalhos preliminares, sem prejuízo, em todo o caso, dos pedidos de autorização instruídos com informação prévia favorável, já que, em tal circunstância, sempre se estabeleceria o dies a quo na conclusão do saneamento (artigo 81.º, n.º 2).

12.º – Reparação por danos imputados ao construtor (artigo 86.º, n.º 3)

O novo regime revela uma preocupação louvável, a todos os títulos, quando determina no artigo 86.º, n.º 1, o cumprimento de certos deveres acessórios por parte do dono da obra: “proceder ao levantamento do estaleiro e à limpeza da área, removendo os materiais, entulhos e demais detritos que se hajam acumulado no decorrer da execução dos trabalhos”. Do mesmo passo, obriga-o “a proceder à reparação de quaisquer estragos ou deteriorações que possam ter sido causados em infra-estruturas públicas ou noutros edifícios”(artigo 86.º, n.º 2), o que parece corresponder a uma concretização do instituto da responsabilidade civil extracontratual radicado no artigo 483º do Código Civil, em especial, ao princípio geral do dever de indemnizar (artigo 562º, do Código Civil).

Todavia, no n.º 3, vai mais longe, condicionando a emissão do alvará da licença de utilização ou a recepção provisória das obras de urbanização – conforme os casos – ao cumprimento destes deveres. Se nenhuma objecção parece dever opor-se quanto ao cumprimento de deveres jurídico-públicos, como os primeiros (do nº 1), já suscita reservas de natureza constitucional o condicionamento ao cumprimento de deveres compreendidos no âmbito de relações jurídicas privadas.
Se, porventura, no decorrer dos trabalhos de construção ou demolição foram causados danos sobre prédio confinante, não haverá dúvidas em considerar que o dono da obra deverá providenciar pelo seu ressarcimento. E até não haverá dúvidas quanto ao interesse público do município na pronta e eficiente reparação de tais danos sempre que lesem a salubridade, segurança e estética das edificações.

O que, ao invés, deixa as maiores dúvidas é admitir-se que o presidente da câmara municipal seja chamado a decidir a questão controvertida da imputação do dano. Por outras palavras, o presidente da câmara municipal é convocado a dirimir um conflito, com o que isso representa em termos de invasão da reserva aos tribunais da função jurisdicional. “É sabido” – afirmou o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 963/96, de 11 de Julho (DR, I-A, n.º 234, de 9.10.1996) “que a reserva da função judicial que o [artigo 205.º, n.º 1,] da Constituição estabelece em favor dos tribunais não permite que um órgão da
Administração possa ter poderes decisórios em relações jurídico-privadas, mesmo que esse órgão deva decidir apenas em conformidade com a lei”.

Poderia, ainda, admitir-se que o facto de os danos não reparados obstar à emissão do alvará de utilização ou à recepção provisória das obras significaria, tão só, que o presidente da câmara municipal condicionaria tais actos suspensivamente até ao trânsito em julgado de decisão que dirimisse o conflito, no caso de absolvição do pedido, ou até à sua execução, no caso de decisão condenatória. É de afastar, ainda assim, que a actividade administrativa e a posição do dono da obra devam ou possam ver-se limitadas por este meio, quando dispõe o lesado de meios processuais próprios para se proteger, como é o caso do embargo de obra nova (artigos 412º e seguintes do Código do Processo Civil).
Dir-se-á que está presente o citado interesse público na segurança, salubridade e estética das edificações urbanas, mas pergunta-se se este mesmo interesse público pode justificar o exercício de funções de composição de litígios, à qual os interesses públicos de ordem administrativa se mostram alheios?

13.º – Demolição de obra (artigo 106.º, n.º 2)

No artigo 106.º, n.º 2, prevê-se que não pode ser ordenada a demolição de uma obra caso se conclua (i) que esta é susceptível de ser licenciada ou autorizada, ou (ii) que é possível assegurar a sua conformidade com as disposições legais e regulamentares aplicáveis mediante a realização de trabalhos de correcção ou de alteração.
Parece-me que se justificaria prever, a este propósito, que o processo de legalização seguisse a forma do procedimento de licença ou de autorização, atenta a natureza das obras promovidas ou cuja promoção se entende por necessária, e atenta a densidade do planeamento territorial vigente na área onde aquelas se implantam.
E deveria resultar claramente da disposição em análise que seriam aplicados, para aferir da legalidade da pretensão de legalização, os mesmos parâmetros jurídico-urbanísticos que condicionam a decisão tomada no âmbito do processo de licenciamento ou autorização de obra nova.
É que, entendimento diverso poderá levar alguns a considerar (como já tive oportunidade de concluir no âmbito da instrução de processos relativos a queixas que me foram apresentadas) que a decisão de legalização não padecerá do mesmo desvalor jurídico que a decisão de licenciamento ou de autorização que infrinja uma mesma disposição.

Estas situações serão de evitar, pois seriam de estranhar diferenças na qualificação do desvalor jurídico de determinada decisão, só porque esta se pronuncia sobre obra nova ao invés de se pronunciar sobre uma realidade já existente, com benefício para esta última.
Este tipo de problemas, de resto, já resultava do regime ainda vigente, no tocante à aplicação do disposto no artigo 167.º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 38 382, de 7 de Agosto de 1951. Creio que seria o momento adequado para os ultrapassar.

14.º – Cessação da utilização e despejo (artigo 109.º)

O presente diploma atribui ao presidente da câmara municipal o poder de ordenar a cessação da utilização de edifícios ou das suas fracções que estejam a ser afectos a fim diverso do previsto no alvará de licença ou de autorização, fixando um prazo para esse efeito, findo o qual, a manter-se a utilização indevida, pode a câmara municipal ordenar o despejo administrativo (artigo 109.º, n.ºs 1 e 2, e artigo 92.º).
Qualifica-se este poder como uma medida de reintegração da legalidade urbanística violada, consubstanciada na utilização de edificações, ou de parte destas, sem licença ou em desconformidade com a mesma. Surge, não raro, como medida prévia indispensável à demolição de construções executadas sem (ou em desconformidade com) a respectiva licença ou de construções que constituam perigo para a saúde e segurança das pessoas, devendo, por isso, ser objecto de obras de recuperação ou demolição.
Filiam-se as disposições mencionadas em quanto se dispunha no artigo 165º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas(12), disposição essa que, de forma idêntica, atribuía à câmara municipal a faculdade de ordenar o despejo dos inquilinos e demais ocupantes das edificações ou de partes destas utilizadas sem as respectivas licenças ou em desconformidade com estas.

De modo diverso, porém, optou o legislador no novo regime da urbanização e edificação por apenas fixar como pressuposto de facto do poder de ordenar a cessação da utilização de edifícios e suas fracções e do despejo das mesmas, o caso da utilização em desconformidade com o fim previsto na licença ou autorização(13), não se prevendo a possibilidade de ser ordenada a cessação da utilização por falta de licença ou autorização de construção, nem por falta de licença ou autorização de utilização, omissão que me cumpre assinalar com preocupação, pois o despejo funcionava nestas situações como medida prévia de tutela urbanística tendente à regularização de procedimentos, nos quais, por motivos diversos, a obra não reúna condições para a emissão da licença de utilização ou se trate de obra ilegal e insusceptível de legalização que deva ser demolida.

Por seu turno, mal se compreende que a ocupação de edifícios ou suas fracções autónomas sem licença ou autorização de utilização constitua contra-ordenação punível com coima (artigo 98.º, n.ºs 1 e 4), mas não disponha a câmara municipal do poder para ordenar, de imediato, a cessação da situação. Com efeito, a aplicação de uma sanção administrativa também constitui uma medida de compulsão psicológica significativa para a adopção do comportamento legalmente devido. Todavia, não permite assegurar a reintegração da legalidade e, por tal razão, não é a medida apta, por si só, a realizar os respectivos efeitos: a cessação da utilização de edifícios ou fracções autónomas sem licença ou autorização administrativa.

15.º – Taxa devida pela realização, manutenção e reforço de infra-estruturas urbanísticas (artigo 116.º, n.º 3)

Em matéria de taxas urbanísticas, estabelece-se que a emissão de alvará de licença ou autorização de obras de construção ou ampliação, em área não abrangida por alvará de loteamento, está sujeita ao pagamento da taxa pela realização, manutenção ou reforço de infra-estruturas urbanísticas (artigo 116.º, nº 3).
A autorização legislativa conferida ao Governo apenas previa a sujeição à taxa pela realização, manutenção ou reforço de infra-estruturas urbanísticas, das obras particulares que “pela sua natureza impliquem um acréscimo de encargos públicos de realização, manutenção e reforço das infra-estruturas e serviços gerais do município equivalente ou superior ao que resulta do licenciamento de uma operação de loteamento urbano”.
A previsão que veio a ser consagrada no artigo 116.º, n.º 3 é, claramente, mais ampla aquela que se contém na lei de autorização legislativa, já que sujeita a emissão de qualquer alvará relativo a obras de construção ou de ampliação ao pagamento da referida taxa, sem cuidar de saber se aquelas obras implicam, ou não, um acréscimo dos encargos públicos em termos equivalentes ou superiores ao que emerge de uma operação de loteamento.
Porque o disposto no artigo 116.º, n.º 3, se revela em desconformidade com o previsto no artigo 2.º, alínea u), da Lei n.º 110/99, de 3 de Agosto, parece-me poder enfermar aquela norma de ilegalidade por violação de lei de valor reforçado.

16.º – Liquidação das taxas (artigo 117.º)

No artigo 117.º, n.º 2, estabelece-se a possibilidade de ser fraccionado, até ao termo do prazo de execução fixado no alvará e desde que seja prestada caução, o pagamento das taxas referidas no artigo 116.º, n.ºs 2 e 4.
Admite-se, pois, o fraccionamento do pagamento da taxa pela realização, manutenção e reforço de infra-estruturas urbanísticas, devida no âmbito do licenciamento ou autorização de loteamento e de obras de urbanização (prevista no artigo 19.º, alínea a), da Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto) e da taxa por emissão de licença parcial, nas situações previstas no artigo 23.º, n.º 5 (prevista no artigo 19.º, alínea b), da Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto).
Terá existido, porventura, um lapso, na indicação das situações em que se prevê o fraccionamento do pagamento das taxas, já que a solução consagrada encerra visível injustiça, determinando desigualdades no tratamento de situações materialmente idênticas.

Ao admitir-se o fraccionamento no pagamento de taxa pela realização, manutenção e reforço de infra-estruturas urbanísticas, no âmbito do licenciamento ou autorização de loteamento e de obras de urbanização, não se alcança porque é que não se admitiu o mesmo fraccionamento quando seja exigida a taxa em sede de licenciamento ou autorização de obras, ao abrigo do disposto no artigo 116.º, n.º 3.
Da mesma forma, ao aceitar-se, nas situações de emissão de alvará de licença parcial, o fraccionamento da taxa pela emissão de licença, até ao termo do prazo de execução fixado no alvará, não se entende qual o motivo por que não se estabeleceu a mesma possibilidade em relação às demais situações de cobrança de taxa pela emissão de licença ou autorização a que alude o artigo 117.º, n.º 1.

Revela-se, assim, necessário garantir a coerência das soluções legais consagradas em matéria de fraccionamento do pagamento das taxas devidas no âmbito do licenciamento ou autorização de operações urbanísticas.

Expostas, Senhor Primeiro-Ministro, as adversidades que podem, em boa parte, mitigar os resultados a que se propõe a reforma legislativa operada com a aprovação do Decreto-Lei n.º 555/99, publicado em 16 de Dezembro p.p., RECOMENDO
ser de sustar a sua entrada em vigor a partir de 14 de Abril p.f. e ponderar as supra sugeridas revisões.
Queira ainda Vossa Excelência dignar-se transmitir a posição que vier a ser tomada sobre a presente Recomendaçã