Ministro da Educação

Rec. n.º 9/B/00
Proc. R-2627/95
Data: 09.03.2000
Área: A 6

Assunto: FUNÇÃO PÚBLICA. CARREIRAS. TRANSIÇÃO. DECRETO-LEI N.º 108/95, DE 20 DE MAIO.

Sequência: Sem resposta conclusiva

1.O Decreto-Lei n.º 108/95, de 20 de Maio, veio fixar o regime de transição do pessoal dos antigos serviços sociais do ensino superior, extintos pelo Decreto-Lei n.º 129/93, de 22 de Abril, para os actuais serviços de acção social existentes nas universidades, criados para responder às necessidades de alterações no âmbito da acção social no ensino superior, em cumprimento do disposto na Lei de Autonomia Universitária.

O mencionado diploma procedeu ao estabelecimento dos termos da transição, definindo por um lado que o pessoal operário e auxiliar a contratar para os diversos serviços ficaria sujeito ao regime do contrato individual de trabalho, não adquirindo a qualidade de agente administrativo, pese embora remunerado de acordo com a escala salarial da função pública aplicável à categoria a que correspondessem as funções a desempenhar (art.º 1.º) e, por outro, que os funcionários que à data da entrada em vigor do diploma se encontrassem a exercer funções naqueles mesmos serviços transitassem para os lugares dos novos quadros, nos termos definidos pelo art.º 2.º da legislação.
Finalmente, dispôs o Decreto-Lei n.º 108/95 no sentido de que o pessoal que à data da respectiva entrada em vigor já exercesse funções de carácter permanente nos mesmos serviços, com sujeição à disciplina e hierarquia, e que não tivesse, naquela mesma data, possibilidade de integrar os quadros mencionados, ficasse sujeito ao regime do contrato individual de trabalho, não adquirindo em caso algum a qualidade de agente, não obstante estar remunerado igualmente de acordo com a escala salarial da função pública aplicável à categoria a que correspondessem as tarefas a cumprir (art. 3.º).

É a situação destes últimos trabalhadores dos actuais serviços de acção social do ensino superior que interessa abordar nesta sede, não na perspectiva do regime laboral que enquadra o exercício das funções em causa, mas no âmbito do regime da protecção social a que estão actualmente sujeitos, matéria que, conforme se tentará demonstrar, conheceu no caso concreto do pessoal dos Serviços de Acção Social da Universidade do Porto contornos específicos, motivando que me dirija a Vossa Excelência nos termos gerais constantes da recomendação que adiante formularei.

2.Será precisamente à luz da evolução da situação particular do pessoal dos actuais Serviços de Acção Social da Universidade do Porto que importa apresentar a questão. Assim, os trabalhadores dos antigos serviços sociais do então Centro Universitário do Porto foram admitidos como tal ao abrigo do n.º 2 do art.º 18.º do Decreto-Lei n.º 46 667, de 24 de Novembro de 1965, preceito que foi introduzido neste diploma pelo art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 47 658, de 28 de Abril de 1967, e que veio a permitir que o director do Centro ajustasse “pessoal segundo o regime aplicável nas empresas privadas, ficando (…) esse pessoal com estatuto idêntico ao do que trabalha nestas empresas, quanto a direitos e obrigações (…)”. Mais tarde, o Decreto-Lei n.º 132/80, de 17 de Maio, que impôs o quadro normativo da organização dos diversos serviços sociais do ensino superior, e que, relativamente à situação do respectivo pessoal pretendeu “proceder a uma uniformização dos vários regimes existentes, bem como a sua normalização, através da criação de quadros adequados às necessidades e à contemplação dos legítimos interesses e expectativas daqueles que neles têm exercido funções” (cf. preâmbulo do diploma), veio garantir, no seu art.º 40.º, ao pessoal que a qualquer título desempenhasse funções naqueles serviços à data da respectiva entrada em vigor, a colocação nos novos serviços, nos termos a definir por decreto regulamentar para cada um desses serviços (cf. igualmente art.º 39.º).
No que toca aos Serviços Sociais da Universidade do Porto, tal imposição consubstanciou-se no Decreto Regulamentar n.º 68/85, de 24 de Outubro, o qual, na prossecução deste objectivo, procurou “ter em conta a exigência fundamental de respeito pelos legítimos interesses e muito justas expectativas” dos trabalhadores em apreço, conforme resulta do respectivo preâmbulo. Designadamente pode ler-se no art.º 58.º deste diploma o seguinte: “O pessoal não vinculado à função pública que, encontrando-se a prestar serviço nos SSUP ao abrigo da legislação geral do trabalho à data da entrada em vigor do presente diploma, opte pela não integração ou não possa ser integrado no quadro anexo a este diploma, será remunerado com vencimentos e outras regalias correspondentes aos dos funcionários públicos integrados em carreiras e categorias com conteúdos funcionais equivalentes, não podendo ter tratamento mais favorável do que o aplicável aos restantes trabalhadores”.

É no quadro legislativo acima referenciado e especificamente com base no disposto no art.º 40.º do identificado Decreto-Lei n.º 132/80 que, por despacho de 14 de Janeiro de 1981 do órgão Directivo da Caixa Geral de Aposentações, foi permitida a inscrição do pessoal em apreço nesta instituição de previdência social, com efeitos reportados a 01 de Julho de 1979.

Sucede que, conforme referi, o Decreto-Lei n.º 129/93, de 22 de Abril, que estabeleceu as bases do sistema de acção social no âmbito das instituições de ensino superior, veio extinguir os serviços sociais até à data existentes, prescrevendo a transição do pessoal neles inseridos para os novos serviços nos termos que viriam a ser definidos pelo diploma que é objecto desta análise, atrás devidamente explicitados. Assim, e perante o teor do art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 108/95, dirigiram os Serviços de Acção Social da Universidade do Porto uma missiva à Caixa Geral de Aposentações no sentido de serem esclarecidos sobre a manutenção ou não do direito à inscrição daqueles trabalhadores naquela entidade, ao que esta respondeu deverem os mesmos passar a descontar para o regime geral de previdência, responsabilizando-se a Caixa pelo período, no caso de 16 anos, em que foram pagas as quotas para o regime de segurança social da função pública (conforme dados constantes de processo que a propósito da matéria aqui em análise se encontra pendente nesta Provedoria de Justiça).

3.Propositadamente optei por iniciar a presente exposição com uma resenha da evolução da legislação que envolve a questão que aqui se coloca, para sublinhar que o que está em causa não é o regime global consagrado actualmente pelo Decreto-Lei n.º 108/95, nem sequer quanto aos destinatários incluídos no seu art.º 3.º, antes a compatibilização da decorrência legal desta última estatuição para efeitos de regime de segurança social aplicável com o passado legislativo acima descrito. Perante a inequívoca expressão “não adquirindo, em caso algum, a qualidade de agente” constante da parte final do n.º 1 do art.º 3.º do diploma, a que não acresce qualquer tipo de ressalva, não restarão dúvidas sobre a impossibilidade actual do pessoal em causa descontar para a Caixa Geral de Aposentações, já que os mesmos não são nem funcionários nem agentes do Estado, conforme exige o art.º 1.º do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 09 de Dezembro. Não pode por isso ser outra a interpretação a fazer pela Caixa Geral de Aposentações quanto à situação concreta dos destinatários da norma aqui em foco.

Não se pretende de forma alguma fazer aqui qualquer tipo de apreciação a propósito da natureza do vínculo laboral do pessoal incluído na previsão do art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 108/95. De resto, o regime do contrato individual de trabalho sempre foi o regime ao abrigo do qual esses trabalhadores exerceram as suas funções nos serviços sociais da universidade. O que acontece é que no âmbito da interpretação da legislação anterior ao estabelecimento das bases sobre a relação de emprego público, aprovada pelos Decretos-Lei 184/89 e 427/89, todo o pessoal que exercesse funções na administração pública em regime de contrato individual de trabalho, com sujeição à direcção e disciplina dos seus órgãos, era tido como agente administrativo, sendo possível daí extrair o direito dos mesmos à inscrição na Caixa Geral de Aposentações, nos termos do art.º 1.º do respectivo Estatuto, como aliás foi feito. Este direito, concedido em 1981, foi retirado com a introdução, na redacção do art.º 3.º, n.º 1, do diploma de 1995, da expressa qualificação legal dos mesmos como não sendo agentes administrativos.

4.As reformas estruturais implicam necessariamente alterações ao nível legislativo, muitas vezes com sacrifício de expectativas jurídicas dos destinatários das modificações operadas. Não se fazem mudanças significativas, como a que respeitou por exemplo à matéria da autonomia universitária, sem pôr em causa de uma forma ou outros interesses legítimos até então definidos. Importará no entanto colidir o menos possível com direitos em formação e salvaguardar na medida do sustentável expectativas jurídicas entretanto criadas. Em nome da construção de um verdadeiro Estado de Direito, não pode o legislador limitar-se a concretizar, sem conexão com o passado, os direitos, liberdades e garantias que a Constituição em cada momento atribui aos cidadãos. O processo histórico e a evolução designadamente de índole legislativa inerente à construção desse Estado de direito é um importante indicador a ter em conta na prossecução e desenvolvimento dos princípios e valores que lhe estão inerentes, sob pena de os cidadãos interiorizarem um sentimento negativo decorrente de uma actuação pouco estruturada do legislador no aprofundamento dos direitos, liberdades e garantias, afinal a principal referência de um verdadeiro Estado de direito democrático. Diferentemente de outras situações em que se registaram importantes alterações de índole legislativa, mesmo no âmbito do regime de segurança social, mas em que tais modificações reflectiram um equilíbrio razoável entre a salvaguarda das expectativas jurídicas dos seus destinatários e a necessidade imperiosa da reformulação legal do regime – por exemplo, na sequência da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 329/93, de 25 de Setembro, em que modificações substanciais foram introduzidas no regime geral de segurança social decorrentes da inadequação do regime até então vigente à realidade social, económica e demográfica a que se aplicava, tendo as alterações ocorrido por um lado dentro do quadro legislativo já anteriormente aplicável aos destinatários e, por outro, com salvaguarda de importantes mecanismos de transição -, entendo que no caso de que nos ocupamos as expectativas jurídicas dos cidadãos destinatários do art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 108/95, no âmbito da implicação que tal estatuição registou ao nível do regime de segurança social aplicável, eram salvaguardáveis de forma sustentável, o que no entanto não se verificou.

O regime de aposentação da função pública é globalmente mais favorável do que o regime associado ao contrato individual de trabalho em termos que me dispenso aqui de explicitar. Mesmo beneficiando do regime da pensão unificada, nunca o pessoal abrangido pela solução legal vigente auferirá uma pensão de reforma equiparada à que obteria descontando todo o tempo de serviço para a Caixa Geral de Aposentações. A expectativa jurídica criada no seio da situação descrita – sendo certo que alguns dos destinatários da norma eram subscritores da Caixa há 16 anos, ou seja, tinham já percorrido quase metade do tempo de serviço completo que, no âmbito da legislação aplicável, confere o direito à aposentação por inteiro – justificaria que o legislador tivesse salvaguardado a possibilidade de continuarem os destinatários do art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 108/95 a efectuar os respectivos descontos para aquela instituição de previdência, caso já o fizessem até à data, introduzindo naquela lei um dispositivo nesse sentido.

Noto, aliás, que mesmo após 1989 e por mais seis anos, persistiu a aceitação dos respectivos descontos para a Caixa Geral de Aposentações, assim continuando a formação da situação de confiança materialmente fundada.

De facto, a situação em análise neste processo, âmbito da presente recomendação, é manifestamente circunscrita, tanto ao nível dos destinatários abrangidos como das implicações orçamentais da medida, sendo certo que ao encargo que a mesma representaria para o Estado haverá sempre que subtrair os descontos actualmente feitos pelo mesmo para o Centro Nacional de Pensões no que ao caso concreto diz respeito.

5.Em nada contenderia tal solução com a constante do art.º 1.º do mesmo diploma, que apenas faz a previsão para futuras contratações. A criação das expectativas jurídicas acima referidas constituiria fundamento material bastante para a diferenciação de regimes que entraria assim em vigor, sem se correr o risco de se estar a estabelecer por via legal uma situação de desigualdade insustentável no quadro jurídico-constitucional. Tal salvaguarda foi de resto concretizada noutras situações operadas de mudança ou da natureza jurídica das entidades empregadoras ou do vínculo laboral dos trabalhadores. Acresce que as expectativas criadas no âmbito do caso que nos ocupa seriam tanto ou mais fundadas dado não ter ocorrido qualquer alteração do estatuto laboral dos trabalhadores, não desconhecendo nem estes, nem o empregador, nem a instituição de previdência da função pública que na base dos descontos efectivados até à entrada em vigor da legislação de 1995 estava um vínculo laboral de natureza privada, sendo, isso sim, alheias aos trabalhadores as interpretações viáveis no âmbito da legislação então aplicável, mormente quanto ao regime da segurança social de que poderiam ser beneficiários. A solução aqui propugnada não teria então o significado de constituir um grave desvio ao regime geral da aposentação, atentas todas as considerações acima tecidas.

Por tudo o que acima resulta exposto, e ao abrigo do art.º 20.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 9/91, de 09 de Abril, RECOMENDO a Vossa Excelência

a) a introdução, no art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 108/95, de 20 de Maio, de um novo preceito (que constituiria o seu n.º 3), salvaguardando a possibilidade de o pessoal nas condições descritas no n.º 1 do mesmo art.º 3.º, poder, se assim o entendesse, continuar a descontar para a Caixa Geral de Aposentações, se já o fazia no âmbito da legislação anterior;

b) ainda a introdução de um outro preceito no mesmo art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 108/95, de 20 de Maio (constituindo desta feita o seu n.º 4), no sentido de a produção de efeitos da salvaguarda a introduzir nos termos acima recomendados ser reportada à data da entrada em vigor do próprio diploma. Deve no entanto ser concedido aos destinatários da norma um prazo razoável, a partir da data da introdução da alteração aqui proposta, para o exercício desse direito de opção, que veria os respectivos efeitos reportados, conforme referido, à data da entrada em vigor do próprio Decreto-Lei n.º 108/95, de 20 de Maio.

Nos termos do art.º 38.º da Lei n.º 9/91, de 09 de Abril, aguardo a resposta de Vossa Excelência a esta minha recomendação.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL