Primeiro Ministro

Rec. n.º 5/B/00
Proc.: R-2665/99
Data:2000.03.02
Área: A 6

Assunto: EDUCAÇÃO. ORDEM DOS ECONOMISTAS. EXIGÊNCIA DE LICENCIATURA. EXERCÍCIO REGULAR DA PROFISSÃO. DECRETO-LEI N.º 174/98, DE 27 DE JUNHO. REGIME TRANSITÓRIO.

Sequência: Não Acatada

I- Exposição de motivos

Encontra-se pendente neste Órgão de Estado uma reclamação relativa à situação dos profissionais da área de economia que vinham exercendo regularmente esta profissão, embora não fossem titulares do grau de licenciatura recentemente exigido com a criação da Ordem dos Economistas, pelo Decreto-Lei n.º 174/98, de 27/06.
De facto, verificam-se situações, quer de trabalhadores por conta de outrem, quer de profissionais liberais, inscritos fiscalmente nessa actividade, que não possuem habilitações anteriormente não exigidas por lei, sem que tais casos tenham sido previstos e salvaguardados, como por exemplo se fez, através da Lei n.º 27/98 em situação semelhante para os Técnicos Oficiais de Contas.

Inquirido o Conselho da Profissão da Ordem dos Economistas sobre a solução a adoptar, eventualmente praeter legem, para estes casos, fui informado em síntese que, “(…) a Ordem representa os licenciados na área da ciências que, nos termos do Estatuto, exerçam a profissão de economista (…) considerando que o título profissional de economista só é reconhecido aos titulares de licenciatura em área da ciência económica e que se designa por economista o titular de licenciatura nessa área (art.º 2.º, al. a) e art.º 3.º do Estatuto), ouvido o Conselho da Profissão decide a Direcção não admitir a inscrição na Ordem, e portanto a titulação de economista, a indivíduos que não possuam habilitações próprias, ainda que se tenham intitulado economistas antes da existência da Ordem.”

Julgo que a posição da Ordem dos Economistas se baseia assim em juízos de pura legalidade, não contestando, embora também não defendendo, a justeza da consagração de um regime de transição excepcional.

II- Apreciação da questão

O que está, assim, em causa é a apreciação dos direitos adquiridos pelos profissionais que à data da publicação do Estatuto não preenchiam o requisito necessário para a sua inscrição, ou seja, serem titulares de licenciatura na área da ciência económica (cfr. art.º 6.º, n.º 1, do Estatuto). Profissionais estes, que vinham exercendo a sua profissão legalmente há largos anos, encontrando-se inclusive a sua situação reconhecida para efeitos fiscais.

O facto de o Estatuto da Ordem dos Economistas não ter previsto um regime transitório especial para estas situações, em número que será certamente significativo, de profissionais que ficam de um dia para o outro impedidos de exercer a sua profissão, apesar de uma experiência forjada ao longo de muitos anos, torna-se merecedor de reparo e induz uma reparação do dano criado. Em situação semelhante, relativamente aos Técnicos Oficiais de Contas, a própria Lei reconheceu que existiam direitos adquiridos que importava acautelar mediante a criação de um regime transitório que permitisse conciliar os objectivos prosseguidos pela reforma legislativa em causa com os legítimos interesses dos profissionais à data em funções. Assim, através da Lei n.º 27/98, de 3 de Junho, permitiu-se que, a título excepcional, se admitisse a inscrição como técnico oficial de contas de responsáveis directos por contabilidade organizada, nos termos do Plano Oficial de Contabilidade, no período decorrido entre 1 de Janeiro de 1989 e 17 de Outubro de 1995, de entidades que possuíssem ou devessem possuir esse tipo de contabilidade.

De facto, não se criando um regime transitório que acautele os direitos adquiridos por estes profissionais é o próprio direito constitucional ao trabalho, vertido no art.º 58.º da Constituição que se encontra posto em causa. Isto porque, como é em geral reconhecido pela doutrina (cfr. por exemplo J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, In “Constituição da República Portuguesa Anotada”, pág. 315, em anotação ao art.º 58.º), o direito ao trabalho goza, pelo menos nas suas dimensões negativas, do regime próprio dos direitos, liberdades e garantias, por via do art.º 17.º da Constituição.

III- Conclusões

Como Vossa Excelência certamente concorda, haverá que mitigar os efeitos da alteração da lei, especialmente em situações como a presente, em que se verifica uma alteração substancial e brusca do regime legal, com a aplicação de regras de justiça, equidade e boa fé. Precisamente porque nem sempre as soluções legislativas encontradas consagram um regime justo nem tão pouco adequado a tutelar as situações descritas, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 20.º da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, compete ao Provedor de Justiça “assinalar as deficiências de legislação que verificar, emitindo recomendações para a sua interpretação, alteração ou revogação, ou sugestões para a elaboração de nova legislação (…)”. É o que me parece que se justifica no presente caso.

Assim, RECOMENDO

Que se crie um regime transitório para a aplicação do Decreto-Lei n.º 174/98, de 27 de Junho, que aprovou o Estatuto da Ordem dos Economistas, com vista a salvaguardar a situação dos profissionais que vinham exercendo regular e comprovadamente esta profissão até à data da publicação deste diploma, embora não detentores do requisito legalmente exigido pelo mesmo de serem titulares de licenciatura na área da ciência económica.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL