Presidente do Instituto para a Conservação e Exploração da Rede Rodoviária

Rec. n.º 12/A/00
Proc.:R-4899/98
Data:2000-02-15
Área : A 1

Assunto: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL. MÁ SINALIZAÇÃO DA VIA. DANOS PATRIMONIAIS. INDEMNIZAÇÃO.

Sequência: Acatada

I- Exposição de motivos
A. Da queixa

1.Foi-me dirigida uma queixa, pelo Senhor …, relativamente à omissão de sinalização da Rua …, no entroncamento desta via com a Estrada Nacional n.º 209, ao 25,6 quilómetro, na freguesia do Lordelo, concelho de Paredes.

2.Na argumentação expendida na queixa foi alegado que na Estrada Nacional n.º 209, está colocado um sinal de trânsito B9b (entroncamento de estrada sem prioridade), sem que a via que entronca com a primeira – a Rua … – esteja devidamente sinalizada com os sinais B1 (aproximação de estrada com prioridade) ou B2 (paragem obrigatória na intersecção).

3.Pretende o reclamante que terá sido esta deficiente sinalização que originou o acidente de viação ocorrido, no dia 12 de Fevereiro de 1998, no entroncamento da Estrada Nacional n.º 209 com a Rua …, e no qual foi interveniente o veículo de que é proprietário, com a matrícula “A”.

4.Por entender que a responsabilidade pelos danos decorrentes do acidente de viação é imputável à entidade pública com competência para proceder à sinalização do trânsito, nas vias supra indicadas, o reclamante dirigiu-se à extinta Junta Autónoma de Estradas, à Câmara Municipal de Paredes e à Junta de Freguesia do Lordelo, sem, contudo, lograr obter a satisfação da sua pretensão.

B. Do acidente de viação

5.O referido acidente de viação, conforme resulta da respectiva participação, elaborada pela Guarda Nacional Republicana, traduziu-se na colisão dos veículos com as matrículas “B” e “A” respectivamente, propriedade da Cooperativa … e de … .

6.O veículo “B” circulava na Rua … e foi embater, ao entrar na Estrada Nacional n.º 209, com o veículo do Senhor …, que circulava nesta última via, no sentido Paços de Ferreira/Valongo, e se apresentava pela esquerda do primeiro.

7.O referido acidente de viação determinou danos materiais nos dois veículos intervenientes.

C. Da deficiente sinalização do entroncamento

8.Resulta, ainda, da referida participação de acidente de viação que, à data do acidente, a Estrada Nacional nº 209 estava, efectivamente, sinalizada com um sinal de trânsito B9b – entroncamento com estrada sem prioridade -, sem que na Rua … estivesse colocada qualquer sinalização vertical.

9.Uma vez que não existia qualquer sinalização na Rua … que determinasse a perda de prioridade no entroncamento desta via com a Estrada Nacional n.º 209, o condutor do veículo B foi levado a supor que lhe assistia prioridade face ao veículo em que veio a embater.

10.Com efeito, de acordo com a regra prevista no art.º 30.º do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de Maio, revisto e republicado pelo Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, os condutores só estão obrigados a ceder passagem, nos entroncamentos, aos veículos que se lhes apresentem pela direita, com ressalva das situações previstas nos artigos 31.º e 32.º do mesmo diploma, as quais não se verificavam no caso concreto.

11.Considerando o disposto no citado art.º 30.º do Código da Estrada, o condutor do veículo B tinha razões para crer que lhe assistia prioridade em relação ao veículo que circulava na Estrada Nacional nº 209, porquanto este circulava no sentido Paços de Ferreira/Valongo e se apresentava, assim, pela sua esquerda.

12.O condutor do veículo “A”, por seu turno, foi levado a supor que lhe assistia prioridade na intersecção da Estrada Nacional n.º 209 (na qual circulava) com a Rua …, em virtude do sinal de aproximação de estrada sem prioridade que precedia o entroncamento em causa.

13.Os factos descritos manifestam que a sinalização existente é, efectivamente, causa de perigo, porquanto atribui, em concreto, a prioridade àqueles que a não teriam por força das normas gerais do Código da Estrada, não tendo sido acautelada a sinalização que determinaria a perda de prioridade aos condutores que se apresentam pela direita no entroncamento.

14.Aliás, o art.º 3.º-A, n.º 2, aditado ao Regulamento do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto n.º 39987, de 22 de Dezembro de 1954, pelo n.º 2 da Portaria n.º 46-A/94, de 17 de Janeiro, estabelece, expressamente, que o sinal B9b só deve ser utilizado quando a via que vai entroncar seja sinalizada com os sinais B1 (aproximação de estrada com prioridade) ou B2 (paragem obrigatória na intersecção).

15.Desta forma, a sinalização vertical colocada na Estrada Nacional n.º 209 e a falta de sinalização da Rua … com os sinais de trânsito B1 ou B2, constitui causa adequada do acidente supra descrito.

16.Razão pela qual, a responsabilidade pelos danos decorrentes deste acidente poderá assacar-se à entidade responsável pela deficiente sinalização do entroncamento da Estrada Nacional n.º 209 com a Rua ….

D. Da omissão ilícita

17.Sobre a situação reclamada foram solicitados esclarecimentos à extinta Junta Autónoma de Estradas, à Câmara Municipal de Paredes e à Junta de Freguesia de Lordelo.

18.Foi possível apurar, em face das informações prestadas pela Câmara Municipal de Paredes e pela Junta de Freguesia de Lordelo, que a Rua … constitui uma via pública, concretamente, um caminho vicinal, sob jurisdição da Junta de Freguesia do Lordelo.

19.Foi, ainda, esclarecido pela extinta Junta Autónoma de Estradas, que esta entidade havia colocado o sinal B9b (entroncamento de estrada sem prioridade) na Estrada Nacional n.º 209, com a finalidade de pré-sinalizar a intersecção desta via com a Rua …, situada no aglomerado urbano Vila de Lordelo, e não com a finalidade de pré-sinalizar a via que antecede esta última – a Rua …..

20.Entendeu a extinta Junta Autónoma de Estradas que, tratando-se a Rua … de uma viela entre muros de habitações, com a largura aproximada de 2,5 metros, não apresentava aquela via características e tráfego que justificassem a pré-sinalização da sua intersecção com a Estrada Nacional n.º 209.

21.Aliás, a extinta Junta de Autónoma de Estradas terá assumido a renovação de todos os equipamentos de sinalização nos entroncamentos com a Estrada Nacional n.º 209, salvo excepção dos arruamentos com características pouco definidas quanto à sua natureza de domínio público, designadamente, os becos e vielas de pequena largura, em zonas de aglomerado urbano.

22.Considerando que a intenção da colocação do sinal B9b na Estrada Nacional n.º 209 seria a de pré-sinalizar a intersecção desta via com a Rua … e que esta fora devidamente sinalizada com o sinal B2 (Stop), a extinta Junta Autónoma de Estradas também não informou a Câmara Municipal de Paredes da colocação do referido sinal B9b.

23.Contudo, porque o acidente de viação se ficou a dever a uma omissão de sinalização de uma via cujo tráfego está sob gestão municipal, a extinta Junta Autónoma de Estradas considerou que não lhe era imputável a responsabilidade pelos danos decorrentes daquele acidente.

24.Ora, não há dúvida que a sinalização da Rua …, na medida em que constitui um caminho vicinal sob jurisdição da Junta de Freguesia, não competia à extinta Junta Autónoma de Estradas, mas à Câmara Municipal de Paredes, por força do art.º 8.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, e art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 48890, de 4 de Março de 1969.

25.No entanto, a Junta Autónoma de Estradas só poderia ter colocado o sinal de trânsito B9b, na Estrada Nacional nº 209, antecedendo a intersecção desta via com a Rua …, se houvesse providenciado no sentido de ser colocado nesta última via, um sinal B1 (aproximação de estrada com prioridade) ou B2 (paragem obrigatória na intersecção), nos termos do art.º 3.º-A, n.º 2, do Código da Estrada.

26.Na verdade, a necessidade de sinalização da Rua … surgiu apenas, e só, da sinalização instalada pela extinta Junta Autónoma de Estradas na Estrada Nacional n.º 209.

27.Saliente-se, aliás, que por estar em causa a intersecção de vias públicas sob a jurisdição de diferentes entidades, devia a sua sinalização resultar de acordo entre as mesmas, sob pena de, na falta de acordo, ser realizada pela Direcção-Geral de Viação, conforme dispõe o art.º 9.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro.

28.Como tal, não poderia a extinta Junta Autónoma de Estradas proceder, motu proprio, à sinalização da Rua …, como parece ter feito em outras vias que não estavam sob sua jurisdição. Cumprir-lhe-ia, apenas, informar a Câmara Municipal de Paredes da intenção de colocar o sinal B9b na Estrada Nacional n.º 209 e acordar com a autarquia a sinalização que, por esse motivo, se tornava necessária, na Rua ….

29.Ao omitir as diligências necessárias à instalação da necessária sinalização vertical na Rua …, na sequência da colocação do sinal B9b na Estrada Nacional n.º 209, a extinta Junta Autónoma de Estradas violou o disposto no art.º 3.º-A, n.º 2, do Código da Estrada, incorrendo numa omissão ilícita.

30.Importa que se tenha em consideração que o facto de uma via pública ser de pequena dimensão ou apresentar pouco tráfego não permite dispensar a sua sinalização, nos termos prescritos no Código da Estrada ou no seu Regulamento. Quanto mais não fosse, exigi-lo-iam os deveres de prudência e diligência com que deve ser desempenhada a actividade administrativa.

31.Note-se, a este propósito, que a regra geral de prioridade, prevista no art.º 30.º do Código da Estrada, apenas cede quando estejam em causa saídas de prédios ou caminhos particulares, aplicando-se genericamente a todas as vias públicas, quaisquer que sejam as suas características.

32.Bem se percebe que, perante vias com pouco tráfego ou de pequena dimensão, se poderão suscitar dúvidas quanto à sua dominialidade, mas estas sempre poderão e deverão ser esclarecidas junto das entidades públicas a quem possa caber a jurisdição sobre as vias em causa.

33.Assim, a extinta Junta Autónoma de Estradas se possuía dúvidas quanto ao facto de a Rua … (ou outra qualquer via) constituir, ou não, uma via pública deveria ter pedido informações sobre o assunto à Câmara Municipal de Paredes ou à Junta de Freguesia do Lordelo, em lugar de se conformar com a sua própria representação do local.

34.E nem se objecte que o sinal B9b deveria ser entendido como relativo à sinalização do entroncamento da Estrada Nacional n.º 209 com a Rua …, uma vez que está colocado à distância regulamentar desta intersecção, nos termos previstos no art.º 3.º-A, n.º 3, do Regulamento do Código da Estrada, o que poderá já não acontecer em relação à Rua ….

35.Em primeiro lugar, as normas concernentes à colocação dos sinais de trânsito dirigem-se à entidade gestora da via, com vista a salvaguardar a segurança do trânsito, não parecendo exigível que os condutores tomem em consideração a distância a que estão colocados os sinais para determinar, afinal, a via a que se referem.

36.Por outro lado, o citado art.º 3.º, n.º 3, estabelece que as distâncias regulamentares máximas e mínimas só devem ser observadas quando as condições do local o permitam.

37.Parece-me evidente que na situação de a colocação do sinal de aproximação de estrada sem prioridade, para observar a distância mínima do ponto a que se refere, acabar por anteceder uma outra via, não existem condições no local para observar a distância regulamentar.

38.Ou, pelo menos, haverá que optar, nessa hipótese, por uma solução que não gere quaisquer dúvidas aos condutores e não ponha em causa, a final, o escopo da norma, ou seja, a segurança do trânsito.

39.Nesse sentido, deveria ter sido acautelada sinalização idêntica da via (Rua …) que é antecedida pelo sinal de aproximação de estrada sem prioridade, colocado com vista a pré-sinalizar o entroncamento com a Rua ….

40.Face ao exposto, tenho de concluir que foi a actuação da extinta Junta Autónoma de Estradas, designadamente, a omissão das diligências necessárias à adequada sinalização da Rua … que originou o acidente de viação em análise. Na verdade, a referida omissão constituiu causa adequada da colisão, a ex-Junta Autónoma de Estradas actuou de modo ilícito e usou de um grau de prudência inferior ao que deve pautar a sua actividade.

41.Não posso, pois, deixar de recomendar que o Instituto para a Conservação e Exploração da Rede Rodoviária, enquanto sucessor nas competências da extinta Junta Autónoma de Estradas, em matéria de segurança rodoviária e de comunicação com o utente através de sinalização horizontal e vertical (cfr. art.º 4.º, n.º 2, dos respectivos Estatutos, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 237/99, de 25 de Junho), assuma a responsabilidade civil pelos danos decorrentes do acidente de viação ocorrido, no dia 12 de Fevereiro de 1998, no entroncamento da Estrada Nacional n.º 209 com a Rua …, ao abrigo do art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967.

42.Tenho, ainda, que chamar a atenção para a necessidade de o Instituto para a Conservação e Exploração da Rede Rodoviária acordar a sinalização a instalar, sempre que as vias públicas que gere entronquem com vias sob jurisdição de outras entidades, o que determina, não apenas, a necessidade de verificar o carácter público de todas as vias interceptadas, como impõe que se informem as respectivas entidades gestoras da sinalização pretendida para o local.

De acordo com o que ficou exposto,RECOMENDO

1.º Que o Instituto para a Conservação e Exploração da Rede Rodoviária assuma a responsabilidade civil pelos danos decorrentes do acidente de viação ocorrido, no dia 12 de Fevereiro de 1998, no entroncamento da Estrada Nacional n.º 209 com a Rua …, no qual foram intervenientes os veículos com as matrículas n.ºs A e B, providenciando pelo cumprimento do dever de indemnizar em termos a acertar com os lesados.

2.º Tenho, ainda, que recomendar que o Instituto para a Conservação e Exploração da Rede Rodoviária estabeleça acordos quanto à sinalização a instalar, sempre que as vias públicas que gere entronquem com vias sob jurisdição de outras entidades, verificando o carácter público de todas as vias interceptadas e informando as respectivas entidades gestoras da sinalização pretendida para o local.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL