Ministro da Administração Interna

Rec. n.º 13/A/00
Proc.: R-1449/96 (+ 3 proc. apensos)
Data:2000-02-15
Área: A 1

Assunto: DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS. COMUNICAÇÃO SOCIAL. ACESSO ÀS FONTES DE INFORMAÇÃO.

Sequência: Acatada

I- Exposição de motivos

1.Têm sido dirigidos ao Provedor de Justiça vários pedidos de intervenção relativamente a situações em que os jornalistas são impedidos de exercer a sua actividade profissional, em virtude de lhes ser proibido o acesso a instalações desportivas.

2.Com efeito, foram apresentadas várias queixas a este órgão do Estado alegando que alguns clubes desportivos haviam interditado a entrada, nas suas instalações, a jornalistas de diferentes órgãos de comunicação social.

3.Designadamente, foi apresentada uma reclamação dando conhecimento que, no dia 10 de Abril de 1996, jornalistas da …, devidamente credenciados, haviam sido impedidos de aceder às instalações do Futebol Clube do Porto, quando pretendiam fazer a cobertura noticiosa de uma conferência de imprensa.

4.Tratou-se de uma conferência de imprensa, realizada no recinto desportivo do Futebol …, na qual o futebolista … declarou que havia sido injectado, algum tempo antes, com substâncias dopantes.

5.Foi, ainda, objecto de reclamação o facto de a Direcção do Clube de Futebol… ter declarado, em carta dirigida ao director do jornal …, que não permitiria o acesso de jornalistas daquele órgão de comunicação social a quaisquer instalações do clube.

6.Por último, foi apresentada queixa relativa à proibição de acesso de jornalistas dos três órgãos de informação …. ao estádio… .

7.Cumpre salientar que as situações reclamadas ocorreram na presença de agentes das forças de segurança, os quais, não obstante se encontrarem em funções, nos referidos recintos desportivos, não evitaram que tivesse sido vedada a entrada aos jornalistas em causa.

8.Relativamente às situações reclamadas, em especial, no que se reporta às instruções transmitidas aos comandos da PSP e da GNR, foi ouvido o então Ministro da Administração Interna, nos termos do art. 34º da Lei nº 9/91, de 9 de Abril.

9.Em resposta, informou o Ministro da Administração Interna do anterior Governo que era reduzido o número de situações desta natureza, de que havia conhecimento, mas que poderiam vir a ser emitidas instruções especiais às forças de segurança, se tanto se afigurasse necessário.

10.Não posso deixar de considerar que a interdição da entrada de jornalistas, no exercício das suas funções, a recintos desportivos, se traduz numa grave violação de direitos fundamentais do nosso Estado de Direito, na medida em que a referida actuação põe em causa a liberdade de imprensa e o direito à informação, os quais constituem, na sociedade moderna, pressupostos essenciais do funcionamento da vida democrática.

11.Na verdade, o direito à informação, que compreende o direito a informar e o de ser informado, assim como a liberdade de imprensa, são direitos fundamentais no nosso ordenamento jurídico-constitucional, encontrando-se consagrados nos artigos 37.º e 38.º da Constituição.

12.E porque têm assento entre os direitos, liberdades e garantias, beneficiam de força jurídica especial por via do disposto no artigo 18º do texto fundamental, devendo ser observados, quer pelas entidades públicas, quer pelos privados.

13.Os direitos em causa, conforme resulta expressamente do disposto no artigo 2º da Constituição, constituem, em si mesmos, um suporte essencial do Estado de direito democrático.

14.Não há dúvida que “hoje a liberdade de imprensa, sem deixar de ser um direito de defesa perante os poderes públicos, passou também a garantia constitucional da livre formação da opinião pública num Estado constitucionalmente democrático” – CANOTILHO, GOMES, MOREIRA, VITAL, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, Coimbra Editora, página 230.

15.Ora, no art.º 38.º, n.º 2, alínea b), da Constituição estabelece-se que a liberdade de imprensa e, indissociavelmente, o direito à informação, implicam o direito dos jornalistas de acesso às fontes de informação.

16.Em conformidade com o ordenamento jurídico-constitucional, e para sua concretização, a actual Lei de Imprensa, aprovada pela Lei n.º 2/99, de 13 de Janeiro, confere aos jornalistas a liberdade de acesso às fontes de informação, incluindo o direito de acesso a locais públicos e respectiva protecção (cfr. art.º 22.º, alínea b)).

17.De igual modo, o art.º 6.º do Estatuto do Jornalista, aprovado pela Lei n.º 1/99, de 13 de Janeiro, atribui aos jornalistas, como direito fundamental, a liberdade de acesso às fontes de informação, a qual, nos termos do art.º 9.º do mesmo diploma, envolve o direito de acesso a locais abertos ao público ou à generalidade da comunicação social, para fins de cobertura informativa.

18.Aliás, o direito de acesso às fontes oficiais de informação já era reconhecido pela Lei de Imprensa em vigor à data dos factos reclamados, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 85-C/75, de 26 de Fevereiro (cfr. art.º 1.º, n.º 3, deste diploma).

19.Assim, a interdição do acesso de jornalistas, no exercício das suas funções, a recintos desportivos, constitui violação do direito de acesso às fontes de informação e compromete, de forma grave, o exercício do direito à informação e a liberdade de imprensa.

20.No sentido de evitar que se repitam situações como as reclamadas, tem particular relevo a actuação das forças policiais, até porque as mesmas estão, em geral, presentes nas instalações desportivas, sendo chamadas a garantir a segurança e o cumprimento da lei, no decurso dos acontecimentos públicos que aí têm lugar.

21.Importa, pois, que as forças de segurança, quer a Guarda Nacional Republicana, quer a Polícia de Segurança Pública, sejam instruídas no sentido de garantirem condições para que os jornalistas possam exercer a sua profissão, assegurando, em especial, que estes possam entrar nos recintos desportivos, de forma a aí desenvolverem a sua actividade profissional.

22.É esta a razão da minha intervenção, uma vez que no domínio da relevância criminal dos factos em análise, as autoridades judiciárias e os órgãos de polícia criminal não terão deixado de adoptar as pertinentes diligências, em conformidade com o disposto no art.º 35.º da anterior Lei de Imprensa (Decreto-Lei n.º 85-C/75, de 26 de Fevereiro) e art.º 19.º do Estatuto do Jornalista, aprovado pela Lei n.º 1/99, de 13 de Janeiro.

De acordo com o que ficou exposto, RECOMENDO

Que Vossa Excelência dê instruções às forças de segurança, designadamente à Guarda Nacional Republicana e à Polícia de Segurança Pública, no sentido de estas garantirem as necessárias condições para que os jornalistas possam exercer a sua profissão, assegurando, em especial, o seu acesso aos recintos desportivos abertos ao público ou a outros locais que se devam qualificar como fontes de informação, de forma a aí desenvolverem a sua actividade profissional.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL