Presidente do Instituto Politécnico de Coimbra

Rec. n.º 15/A/ 2000
Proc.:R-3865/98
Data:2000-02-25
Área: A 3

Assunto: FUNÇÃO PÚBLICA. ACESSO A DOCUMENTOS ADMINISTRATIVOS. FOTOCÓPIA AUTENTICADA. CUSTO.

Sequência: Não acatada

1. Como é do conhecimento de V.Ex.ª, o senhor engenheiro …, dirigiu-me uma reclamação relativa ao facto de lhe ter sido exigida a quantia de 6.000$00 para pagamento de fotocópias autenticadas das actas n.ºs 1 e 2 do Conselho Geral desse Instituto.

2. Convidado esse Instituto a pronunciar-se sobre as razões que conduziram à exigência de tal quantia ao reclamante, foi-me comunicado, através de ofício que, não estando previsto na actual tabela de emolumentos do IPC o custo de cada fotocópia autenticada, se procedeu “à aplicação do valor ali constante para as certidões não especificadas, 500$00 por reprodução autenticada, que podendo não ser a solução mais aprazível para alguns, foi a solução encontrada de acordo com o previsto na tabela de emolumentos”.

Mais, ali, se acrescentou que “tem este Instituto consciência de que o valor aplicável por cada fotocópia autenticada poderá não ser o valor mais correcto, mas face à lacuna existente na própria tabela, foi este o critério utilizado”, razão pela qual iria “ser proposta uma revisão da tabela de emolumentos, que actualmente se encontra desajustada, e que incluirá, entre outras, a introdução de um item – Reproduções Autenticadas -, bem como o valor de cada fotocópia anexa a cada certidão não especificada, valor que decerto será fixado tendo em consideração o recomendado pelos serviços da Provedoria de Justiça, i.e., um valor financeiro estritamente correspondente ao custo dos materiais usados e do serviço prestado” (referência ao anterior ofício destes serviços que aqui dou por integralmente reproduzido).

3. Verifica-se, porém, que, até à presente data, a situação mantém-se inalterada, não só no que diz respeito à tabela em vigor (constante do despacho n.º 1/93, de 1.02.92, publicado na II Série do D.R. de 19.02.93, e n.º 6/IPC/93, de 8.07.93, publicado na II Série do D.R. de 3.08.93), que ainda não foi objecto de alteração – conforme informação veiculada por esse Instituto, na sequência de contacto telefónico recente promovido pelos serviços que dirijo -, como também no que concerne à situação concreta do reclamante que não foi objecto de reapreciação de acordo com a sugestão anteriormente apresentada.

4. Ora, não posso de forma alguma concordar com a manutenção desta situação que, em meu entender, consubstancia uma interpretação abusiva da tabela de emolumentos aprovada por esse Instituto.

Com efeito, não se encontrando, por um lado, ali previsto o custo da extracção de fotocópias de instrumentos existentes nesse Instituto (nomeadamente, livros de actas) e exigindo, por outro lado, a fotocópia autenticada de determinado documento a respectiva certificação de que a mesma está conforme com o original, é natural que a este tipo de certidão seja aplicável o custo previsto no ponto 1.5. – certidões não especificadas.

Não obstante, a certificação de que a fotocópia de determinado documento está, efectivamente, conforme com o original corresponde apenas a uma única certidão, independentemente do número de páginas que o documento possa conter. Na verdade, apenas se certifica uma vez que determinado documento é conforme ao original, ainda que esse Instituto o tenha feito pela aposição de carimbo em cada uma das folhas que compõem o documento.

Nessa medida, o custo de cada certidão não especificada (fotocópia autenticada ou certidão de cada acta) deverá ser de 500$00, podendo este montante ser acrescido, eventualmente, do montante correspondente ao custo efectivo de cada fotocópia, para além da primeira, custo este que não se acha expressamente previsto na tabela desse Instituto, ao contrário do que já sucede para as certidões de programas e cargas horárias.

A questão que se coloca é a de saber quanto é que se pode exigir pelo custo de cada fotocópia, para além da primeira, que integra o documento. Na realidade, não está em causa o acto de certificar, pois para esse existe um custo de 500$00, mas sim saber se é exigível o pagamento adicional pelo número de fotocópias que aquela certidão exige e, em caso afirmativo, qual o seu montante.

Importa, por isso, saber se estaremos perante uma lacuna, a integrar de acordo com as regras do art.º 10.º do Código Civil. Convirá, antes de mais, trazer à colação a distinção entre lacunas primárias e secundárias, ou entre lacunas de lege lata e de lege ferenda, seguindo o percurso do Parecer da Procuradoria Geral da República n.º 4/82, de 18.03.82(1).

As lacunas primárias verificam-se no plano do direito constituído, quando a lei não contempla determinada situação. Mas nem todo o silêncio da lei corresponde a uma lacuna, porquanto há que considerar o “silêncio eloquente”, na terminologia de Karl Larenz.

“Não há lacuna” – escreve-se no citado Parecer – “quando a lei quis regular conclusiva e exclusivamente uma determinada questão; aquela só existe sempre e só quando a lei, a avaliar pela sua própria intenção e imanente teleologia, é incompleta e, portanto, carece de integração, e quando a sua integração não contradiz uma limitação (a determinados factos previstos) porventura querida pela lei'”(2).

Ora, por comparação com a situação prevista no Despacho 6/IPC/93, de 8.04.93, relativa a certidões de programas e carga horária, parece que não terá sido esta a intenção do “legislador”. De facto, se no caso paralelo das certidões de programas e carga horária ficou expressamente previsto o custo de cada fotocópia adicional, então será legítimo afirmar que não terá sido intencional o silêncio do “legislador” no caso das certidões não especificadas. Não se pretendeu, certamente, que o custo destas certidões se mantivesse idêntico qualquer que fosse o número de fotocópias que cada uma delas exigisse.

Assim, existindo uma clara lacuna na tabela de emolumentos vigente e enquanto não for a mesma objecto de alteração, importa integrá-la por recurso à analogia com a situação mais próxima e adequada em termos de justiça.

Para o efeito da integração da omissão normativa, deparamos com duas soluções possíveis: por um lado, a aplicação analógica do Despacho Conjunto n.º 280/97, de 7.08.97, publicado na II Série do D.R. de 30.08.97, no qual, em regulamentação da lei de acesso aos documentos administrativos (Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto), é fixado o custo da reprodução de documentos administrativos (para cada fotocópia, entre uma e cinquenta, 7$50); por outro, a aplicação do Despacho 6/IPC/93 supra citado, relativo a certidões de programas e carga horária, no qual se prevê a cobrança de 20$00 por cada fotocópia autenticada anexa. Na verdade, desconhece-se se o maior custo previsto neste último Despacho resulta de uma maior dificuldade na obtenção dos elementos necessários para o efeito pretendido, caso em que será de recorrer ao Despacho Conjunto n.º 280/97. Importante é que se aplique um ou outro instrumento normativo consoante a maior proximidade da situação concreta que nos ocupa.

Não colhe, a meu ver, a argumentação expendida por esse Instituto no sentido de que não é possível a aplicação analógica do Despacho Conjunto nº 280/97 por serem diferentes as situações em apreço. Ora, e antes de mais, a aplicação analógica exige, como é evidente, que estejamos perante situações diversas (mas paralelas), caso contrário a aplicação não seria analógica mas directa. O que é decisivo é que se verifique um paralelismo entre as situações.

Neste caso, o disposto no Despacho Conjunto n.º 280/97, na medida em que constitui regulamentação da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, aplica-se directamente a esse Instituto nos casos ali previstos: a reproduções simples (ou não autenticadas) de documentos solicitados por cidadãos no exercício do seu direito de acesso a documentos da administração.

Já no caso em análise, a aplicação não poderá ser directa – pois não se trata de uma reprodução simples, não autenticadas – mas analógica, pois as situações são, em tudo, paralelas.

Ou seja, se está ali prevista a cobrança do custo de extracção de fotocópia simples, não faz sentido que a mesma não possa ser feita analogicamente quando, para além de tal reprodução, é certificada a sua autenticidade.

Em face do exposto, RECOMENDO a Vossa Excelência:

– a reapreciação do caso concreto que deu origem à presente recomendação, no sentido de ser revista, por aplicação analógica ou do citado Despacho Conjunto n.º 280/97 ou do Despacho 6/IPC/93 -consoante o que vier a ser considerado mais adequado -, a quantia que foi exigida ao Senhor Engenheiro … pela extracção de fotocópias autenticadas das duas actas do Conselho Geral e lhe ser devolvido o montante cobrado em excesso;

– a alteração da tabela de emolumentos praticada actualmente por esse Instituto, aprovada pelo despacho n.º 1/93, de 1.02.93, publicado no D.R., II Série de 19.02.93, por forma a incluir um item que contemple as reproduções autenticadas e as fotocópias anexas a cada certidão não especificada, cujos emolumentos não deverão ser de montante superior ao correspondente ao custo dos materiais usados e do serviço prestado.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL

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(1) – Publicado no D.R., II Série, de 15-12-82, pags. 9528 e ss..
(2) – Karl Larenz, Metodologia da Ciência do Direito, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2.ª ed., 1968, pág. 227.