Presidente do Conselho de Administração dos CTT Correios de Portugal

Rec. n.º 53/A/00
Proc.R-375/98
Data: 08-06-2000
Área: A2

Assunto: ASSUNTOS FINANCEIROS. BANCA. CERTIFICADOS DE AFORRO. VIOLAÇÃO DO DEVER DE SIGILO.

Sequência: Acatada

Exposição de motivos

1. Foi-me apresentada queixa contra os serviços que V. Exa. dirige pela Sra. …, nos seguintes termos:
a) a queixosa pretendeu, no dia 6 de Outubro de 1997, amortizar certificados de aforro que titulavam poupanças feitas pela própria e pelo ex-marido, nomeadamente o certificado de aforro n.º …, de 2 000 unidades, emitido em 21 de Junho de 1996, de que era aforrista …;
b) podendo o certificado supra identificado ser movimentado pela queixosa, a mesma formulou o pedido de amortização, com o respectivo certificado, naquela data entregue junto da estação dos CTT de Miranda do Douro;
c) embora lhe tenha sido garantido no dia 6 de Outubro que tal amortização seria feita num prazo máximo de 4 dias, entre os dias 9 e 13 do mesmo mês, naqueles serviços dos CTT, onde a queixosa se dirigiu nessa altura, foi afirmado inexistir autorização de pagamento;
d) através de contacto telefónico feito para os Serviços Financeiros Postais, terá sido confirmado à queixosa que no dia 9 do mesmo mês o cheque referente à amortização tinha já sido enviado para Miranda do Douro;
e) no dia 15 do mesmo mês, o pedido de amortização foi anulado, por vontade expressa do titular dos certificados de aforro, na mesma agência de Miranda do Douro, com a alegação de que o título fora “desviado”;
f) foram pedidos pela queixosa esclarecimentos sobre estes factos à Junta do Crédito Público e aos Serviços Financeiros Postais, através de cartas registadas com A/R de 10.11.97, tendo sido meramente recebida resposta deste último serviço, por ofício de 28.01.98.

2. A queixosa alega ainda condutas dos funcionários da agência de Miranda do Douro, nomeadamente decorrentes de relações de parentesco e amizade com o seu ex-marido, susceptíveis de configurar ilícitos de quebra de sigilo e de favorecimento.

3. Solicitadas informações e documentação à Direcção de Qualidade dos CTT – Correios de Portugal, SA, foi reafirmado o teor do esclarecimento prestado através do ofício supra referido, de 28/01/98, nos seguintes termos:
a) nunca houve emissão de qualquer cheque para levantamento dos certificados, pois a autorização de pagamento foi anulada;
b) “o Aforrista é o único titular de certificados de Aforro, ele é soberano sobre o(s) títulos que detém. A partir do momento em que se verifique uma vontade expressa relativamente à anulação de Autorizações de Pagamento e que estas ainda não tenham sido liquidadas, o procedimento dos CTT é o de proceder à sua anulação”,

Foram juntos os documentos por mim solicitados:
– cópia de certificado entregue pela queixosa em 6 de Outubro de 1997, acompanhado de pedido de amortização;
– cópia da autorização de pagamento da Direcção Geral da Junta do Crédito Público de 9 de Outubro de 1997;
– cópia de carta do aforrista, com data de entrada nos CTT de Miranda do Douro, de 13 de Outubro de 1997, pedindo a anulação de pagamento do certificado (que já se encontrava nos SFP), por o mesmo “ter sido desviado”;
– reenvio da autorização de pagamento com a “carta de anulação” para os Serviços Financeiros Postais de Lisboa, através de nota interna assinada pela funcionária, Sra. …, de 13 de Outubro de 1997;
– anulação do pagamento pedido pela queixosa, datada de 15 de Outubro de 1997.

4. Da análise dos factos alegados não se vislumbra com mediana clareza a afirmação dos CTT de que o procedimento administrativo supra descrito foi correcto, tal como as informações dadas à queixosa.

5. Relativamente à posição jurídica do aforrista, e das pessoas a quem seja conferido o poder de movimentação, não me debruçarei sobre ela, por três ordens de razões:
a) em primeiro lugar, porque não existe dissídio relativamente à
mesma;
b) em segundo lugar, porque não é tal questão o objecto da presente queixa;
c) finalmente, porque não foi contestada a legitimidade da ordem de amortização dada pela queixosa.

6. O que interessa sobremaneira analisar é a razão pela qual, face aos trâmites usuais, o pedido de amortização expresso pela queixosa com a apresentação do respectivo certificado, possível segundo as condições de movimentação nele consignadas e com uma autorização de pagamento datada de 9 de Outubro de 1997, não foi cumprido.
De facto, os prazos normais no processo de amortização foram cumpridos pela Direcção-Geral da Junta do Crédito Público, e a autorização de pagamento enviada atempadamente, o que se constata da nota interna de Miranda do Douro para os SFP de Lisboa.
Conforme escrito pela funcionária de Miranda do Douro, “devolve-se” a autorização de pagamento, juntamente com a carta de anulação, o que demonstra claramente que:
– a informação dada à queixosa em 9 do mesmo mês, segundo a qual a autorização de pagamento tinha sido enviada para Miranda do Douro, era verídica;
– a informação prestada pela agência, de que inexistia tal ordem, era inverídica.
Também se verifica pelos documentos anexos que o certificado, cujo titular afirmara, para proceder à sua anulação, ter sido “desviado”, fora já recepcionado dias antes na mesma agência de Miranda do Douro, pelo mesmo funcionário a quem a queixosa vinha solicitando o pagamento.

7. Ao contrário do que me foi comunicado, todo o exposto me parece justificar a abertura de um inquérito tendente à averiguação rigorosa de eventuais factos que consubstanciem a prática de ilícitos por parte dos funcionários envolvidos.
Na verdade, a sequência dos factos expostos indicia com suficiente probabilidade – suficiente para justificar averiguação – a violação por parte desses funcionários do dever de sigilo inerente às suas funções, em benefício do ex-marido da reclamante, que assim teria sido indevidamente favorecido.

Pelo exposto, RECOMENDO

a V. Exa. que seja aberto um inquérito ao procedimento seguido pelos funcionários da agência de Miranda do Douro directamente envolvidos na questão suscitada, bem como que, verificada a existência de ilícitos culposos, sejam tomadas as medidas adequadas ao seu sancionamento e reparação.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL