Presidente da Câmara Municipal de Alcochete

Rec. n.º 57/A/00
Proc.: R-2256/95
Data: 28.07.2000
Área: A 6

Assunto: CONSUMO. TAXA DE SANEAMENTO. REEMBOLSO.

Sequência: Não acatada

A Exm.ª Senhora …, moradora na estrada …., em Alcochete, apresentou queixa na Provedoria de Justiça pelo facto de, desde Março de 1991, a Câmara Municipal de Alcochete lhe cobrar uma taxa de saneamento, paga conjuntamente com as facturas do fornecimento de água, tendo a sua designação sido alterada para taxa de utilização de esgotos a partir de Outubro de 1993.

Como fundamento essencial a reclamação referida invocava que tal cobrança não era devida, na medida em que a munícipe desde sempre utilizara uma fossa que teria executado dada a impossibilidade de ligação à rede de esgotos à data da sua construção, alegando-se ainda dificuldades devido às características do terreno onde a casa se situa. Este último aspecto parece não se verificar, admitindo a facilidade técnica descrita por V. Ex.ª no último parágrafo do v/ ofício de 1995.12.11.

Como é ponto pacífico em toda a doutrina e jurisprudência, a subsunção de determinada figura tributária ao conceito de taxa exige a prestação de uma utilidade ao particular (cfr. Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, I, pg. 44, Pedro Soares Martinez, Manual de Direito Fiscal, pg. 27 e segs., Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 3.ª ed., pg. 460, Vítor Faveiro, Noções Fundamentais de Direito Fiscal Português, vol. I, pg. 197 e segs., Joaquim Castro Aguiar, “Regime jurídico das taxas municipais”, p. 94 e segs., entre outros, bem como os acórdãos do Tribunal Constitucional 348/86 e 76/88), utilidade essa que, divisível, pode ser imputada ao sujeito passivo da obrigação tributária numa relação sinalagmática.

Se assim não for – como manifestamente não é no caso vertente – deixaremos de estar perante um sinalagma e prevalecerá a unilateralidade como característica principal do tributo em questão, remetendo eventualmente para benefícios e utilidades difusas, o que, desde logo, faria do mesmo não já uma taxa mas um imposto.

Que a taxa de saneamento ou de utilização de esgotos tem natureza jurídica da taxa e não de imposto é já jurisprudência pacífica, de que se cita, como mero exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 02.03.96 (rec. 17362), estando aliás vedado às autarquias locais (e ao próprio Governo, se não munido da indispensável autorização parlamentar) a criação deste último tipo de tributos [art.º 165.º, n.º 1, i), da Constituição].

Não estando a residência da reclamante ligada à rede pública de esgotos, para o caso vertente não importa se lícita ou ilicitamente,* à cobrança da taxa em análise não corresponde qualquer contrapartida por parte do município, uma vez que o serviço que justifica a cobrança da taxa não é efectivamente proporcionado.

Assim, e visto que a ligação do imóvel desta munícipe à rede pública não se concretizou até à data, todas as quantias pagas desde Março de 1991, primeiro a título de taxa de saneamento, depois com a designação de taxa de utilização de esgotos, foram-no indevidamente.

Não julgo relevante a alegada inexistência ou extravio de pedido de isenção. Não existindo prestação do serviço, a munícipe não está sequer no âmbito de incidência da taxa pelo que desnecessário se torna qualquer pedido de isenção. Esta, como se vê aliás, no próprio Regulamento do serviço de saneamento do concelho de Alcochete, tem por fito não obrigar ao pagamento da taxa em questão munícipes a quem o serviço é efectivamente prestado mas que por razões de diversa índole, seja um mínimo de cobrança, seja um mínimo de demonstração de capacidade contributiva, se entende não ser de a exigir. O caso vertente é de índole bastante diversa, não se vendo, aliás, que a reclamante estivesse nalguma das causas de isenção normativamente admitidas, situando-se a não exigibilidade da prestação a montante, nos termos descritos.

Assim, de acordo com a competência que me é conferida pelo art.º 20.º, n.º 1, a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, RECOMENDO a V. Ex.ª que:

1. Sejam restituídas à reclamante todas as quantias pagas desde Março de 1991, a título de taxa de saneamento/taxa de utilização de esgotos, o mesmo comportamento se devendo observar em relação a casos idênticos que porventura tenham ocorrido ou venham a ocorrer;

2. Ou, em alternativa à restituição, que essa Câmara Municipal impute a quantia cobrada indevidamente ao pagamento, posto que parcial, das obras de ligação da habitação da reclamante à rede de águas residuais.

Nos termos do disposto no art.º 38.º, n.º 2, da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, deverá V. Ex.ª comunicar-me o acatamento desta Recomendação ou, porventura, o fundamento detalhado do seu não acatamento, no prazo de sessenta dias.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

H. NASCIMENTO RODRIGUES
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* A violação das obrigações impostas pelo art.º 6.º do decreto-lei 207/94, de 6 de Agosto, é cominada com a aplicação de uma coima (cfr. art.º 28.º, b) e 29.º do mesmo diploma) e não com o pagamento da taxa devida se a situação fosse regular, numa aparente “reconstituição natural” a que é de todo estranho o interesse público protegido pela norma incumprida.