Secretário de Estado Adjunto e do Tesouro

R-1474/94
Rec. nº 35/B/95
Data:04.09.1995
Área: A2

Assunto:BANCA E SEGUROS – EMPRÉSTIMOS CIFRE – FINANCIMENTO DE PROJECTOS DE ACTIVIDADE ECONÓMICA – RETORNADOS DAS EX-COLÓNIAS – PAGAMENTO DAS DÍVIDAS – ESTABELECIMENTO DE UM PRAZO EM FUNÇÃO DO MONTANTE DA DÍVIDA – FORMAS DE PAGAMENTO.

Sequência:

Tem este Órgão do Estado recebido algumas queixas relativas à cobrança de créditos concedidos no âmbito da ajuda aos desalojados das ex-colónias, vulgarmente conhecido por Programa de Crédito CIFRE (porque sob gestão da Comissão Interministerial de Financiamento de Retornados).

Este programa de crédito, criado em 1976, destinava-se a financiar projectos de actividade económica, com vista a proporcionar uma ajuda válida que pudesse contribuir para a integração dos desalojados na vida social portuguesa, e contava com a participação activa do sistema bancário.

O mencionado programa de crédito foi gerido pelo CIFRE até à entrada em vigor do Decreto-Lei nº 179/79, de 8 de Junho, que, nos termos do disposto no seu artº 4º, transferiu a titularidade dos créditos para a Secretaria de Estado das Finanças.

Os empréstimos CIFRE eram concedidos pelos bancos intervenientes no sistema, mediante uma credencial passada pela CIFRE. Esta credencial habilitava o retornado a solicitar um financiamento, garantindo a CIFRE os capitais próprios, caso o banco estivesse disposto a financiar os capitais alheios.

Eram entendidos como capitais próprios, para além dos que os retornados pudessem apresentar, os que a CIFRE complementarmente viesse a financiar em substituição dos proponentes. Por capitais alheios entendiam-se aqueles que a banca financiasse de acordo com a análise de crédito a que livremente procedesse.

A gestão que os bancos adoptassem na aplicação dos financiamentos por ela concedidos, deveriam ser extensíveis aos créditos concedidos pelo Comissariado, de acordo com uma das cláusulas dos contratos celebrados para o efeito entre os Bancos intervenientes e o Comissariado para os Desalojados.

De acordo com uma outra das cláusulas dos contratos celebrados entre, pelo menos alguns dos bancos intervenientes e o Comissariado, esses bancos deveriam «dar conhecimento ao Comissariado da eventual falta de pagamento de juros ou de qualquer prestação da amortização».

Terá tido, assim, a Secretaria de Estado das Finanças, desta ou doutra forma, sempre notícia de que os créditos em causa não tinham sido cobrados.

Verifico, no entanto, que nos processos em que as dívidas não foram oportunamente liquidadas e que chegaram ao meu conhecimento, nunca ao longo de 15 anos, essa Secretaria de Estado veio a proceder à cobrança: os empréstimos datam de 1976, 1977 e 1978 e apenas em 1992, 1993 e 1994, o Estado procedeu ao preenchimento da data de vencimento das livranças assinadas para garantia do empréstimo, e veio a exigir o que legalmente lhe era devido.

Através de contactos estabelecidos com a Direcção Geral do Tesouro, tiveram estes serviços conhecimento de que existem orientações superiormente estabelecidas para que a Direcção Geral do Tesouro chegue a acordos extra-judiciais com os devedores no sentido de aceitar propostas de pagamento nas seguintes condições:

-pagamento imediato de juros vencidos

-reembolso do capital em 12 prestações mensais acrescidas dos respectivos juros.

Não estando em causa a legalidade da actuação do Estado nos processos em apreço, porquanto os créditos parecem ser objectivamente devidos nos termos da Lei Uniforme das Letras e Livranças, faço notar a Vossa Excelência que:

1.As dívidas, na maioria dos casos em presença remontam a mais de 15 anos.

2.Muitas das pessoas não se encontram em condições de – de um momento para o outro – pagar uma dívida que se eleva a centenas de contos e que nunca anteriormente lhes foi exigida. Há pessoas que vivem actualmente da sua pensão que não ultrapassa as mais das vezes os 27.600$00.

3.Muitos dos negócios celebrados naquelas datas não tiveram sucesso ou foram – por incompreensão das cláusulas contratuais – alienados ou de alguma forma concedidos, o que leva as pessoas em causa a pensar que também a dívida foi transmitida.

Casos há, e Vossa Excelência por certo deles já terá tido notícia, em que se verifica que o benefício que o Estado irá retirar – 15 anos após as dívidas terem sido contraídas, repete-se – é francamente desproporcionado em relação ao prejuízo que os referidos espoliados das ex-colónias acabarão por sofrer. Muitos dos devedores ficarão sem as suas casas, criando até, eventualmente, problemas sociais que precisamente o programa CIFRE pretendia obviar.

Este tipo de situação não se verifica naturalmente com todas os retornados que recorreram aos empréstimo CIFRE. Mas, sendo certo que muitos são os retornados que se encontram pelos motivos referidos ou outros em situação difícil, parece-me justificável que por razões de justiça e proporcionalidade, atento o facto de aquelas dívidas terem sido contraídas há 15 anos, o Estado use de alguma benevolência na cobrança daqueles créditos através de um substancial alargamento do número de prestações concedido para satisfação das dívidas em causa.

Afigura-se-me ainda desejável que o prazo seja de tal modo alargado que, mesmo sob pena de beneficiar um pouco mesmo quem não se encontra em situação desesperada, permitisse às pessoas com menos recursos económicos pagarem as suas dívidas, pelo que o referido prazo, estabelecido em função do montante em dívida, poderia ir até aos cinco anos de molde a que as prestações mensais não ultrapassassem metade do salário mínimo nacional.

Assim, nos termos do artº 20º, nº1, alínea a), da Lei nº 9/91 de 9 de Abril,

RECOMENDO:

que, por razões de justiça e proporcionalidade, atento o facto de terem medeado mais de 15 anos entre a data em que foram contraídas muitas das dívidas do empréstimo CIFRE, Vossa Excelência diligencie no sentido de ser permitido o pagamento das dívidas em causa num prazo estabelecido em função do montante da cada dívida e que deverá poder ir até aos cinco anos, de molde a que as prestações mensais não ultrapassem metade do salário mínimo nacional.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel