Presidente da Junta de Ribafeita – Viseu
Número: 5/A/95
Processo: R-881/94
Data: 16.01.1995
Área: A6

Assunto: ADMINISTRAÇÃO LOCAL – CEMITÉRIO – SEPULTURA PERPÉTUA – CONCESSÃO DE TERRENO – INUMAÇÃO DE CADÁVER – FALTA DE AUTORIZAÇÃO – PROCEDIMENTOS ADEQUADOS AO CONTROLO DAS CONCESSÕES EFECUTADAS NO CEMITÉRIO

Sequência:

Tenho a honra de me dirigir a V. Exª para envio de uma Recomendação que entendo dever formular a essa Junta de Freguesia, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 20º do Estatuto do Provedor de Justiça, aprovado pela Lei nº 9/91, de 9 de Abril..

I – EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS

1. Em 23 de Março do ano findo, deu entrada na Provedoria de Justiça uma queixa subscrita pelo Sr. … no que concerne a diversas questões relacionadas com a concessão por essa Junta de Freguesia do terreno correspondente à sepultura nº … do Cemitério Paroquial da Freguesia de Ribafeita e respectiva utilização por parte do concessionário.

2. Tendo em vista o esclarecimento da matéria de tal reclamação e a fim de dar cumprimento ao preceituado no artigo 34º da Lei nº 9/91, de 9 de Abril, foram solicitados a essa Junta de Freguesia os esclarecimentos necessários, tendo-se obtido em resposta o ofício datado de 1994.05.11 com a referência 57/94.

3. Compulsados os documentos constantes dos autos, cumpre referir:

Dos factos,

3.1. Em 31 de Dezembro de 1983, foi concedido ao reclamante, pela importância de Esc. 15 000$00, o terreno correspondente à sepultura nº … do Cemitério Paroquial da Freguesia de Ribafeita, onde haviam sido inumados os restos mortais de seus pais.

3.2. Passado algum tempo e sem conhecimento do reclamante, foi inumado outro cadáver na mesma sepultura, facto contra o qual o interessado reagiu junto desse Orgão Autárquico, mas que acabou por aceitar, com a promessa (feita pelo Sr. Presidente da Junta) de tal situação não mais se repetir.

3.3. Não obstante, esse Orgão Autárquico veio a conceder, posteriormente, o terreno daquela mesma sepultura a um terceiro, filho do cidadão cujo cadáver nela fora inumado em último lugar.

3.4. Na tentativa de conciliação efectuada no âmbito da acção judicial interposta pelo interessado no Tribunal Judicial da Comarca de Viseu a respeito do assunto foi-lhe proposta a concessão de uma outra sepultura, o que não aceitou, em virtude de apenas ter interesse naquela onde seus pais haviam sido sepultados.

Do direito,

4. Tendo em atenção os factos descritos e as normas legais e regulamentares aplicáveis, verifica-se:

4.1. Está em causa um terreno concedido ao interessado para “sepultura perpétua”, nos termos do disposto na alínea 1), do nº 1, do artigo 27º, da Lei das Autarquias locais (Decreto-Lei nº 100/84, de 29 de Março com as alterações introduzidas pela Lei nº 25/85, de 12 de Agosto, Lei 18/91, de 12 de Junho e pela Lei 36/91, de 27 de Julho) e do artigo 33º do Modelo de Regulamento dos Cemitérios Paroquiais, aprovado pelo Decreto nº 48770, de 1968.11.22, in Diário do Governo, I Série, nº 297, de 1968.11.22.

4.2. Tal acto constitui de acordo com a posição unânime da doutrina (c.f.r., designadamente, Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, Vol II, 10ª ed., Almedina, Coimbra, 1991, págs 940 e segs.; Diogo Freitas do Amaral, A utilização do domínio público pelos particulares, Coimbra Ed., 1965, pág. 173; e Vítor Manuel Lopes Dias, CEMITÉRIOS, Jazigos e Sepulturas, Coimbra Ed. (Dep.), 1963, págs. 376 e segs.), um acto de concessão de uso privativo do domínio público, cujo regime, nomeadamente, quanto ao conteúdo do uso privativo, consta do regulamento do cemitério paroquial respectivo, bem como das demais regras legais e regulamentares de Direito Administrativo aplicáveis, não obstante tais actos serem geralmente entendidos como actos de alienação de bens próprios das autarquias, configurando-se, alegadamente, como contratos civilísticos de compra e venda, o que parece coincidir com a posição dessa Junta no caso em análise.

4.3. Em virtude da concessão, o respectivo titular fica com o direito de, observadas as prescrições regulamentares, construir no terreno concedido jazigos e sepulturas (artigos 33º e 37º do Modelo de Regulamento dos Cemitérios Paroquiais), nos quais se depositem os cadáveres das pessoas que o concessionário autorizar – artigo 38º do Modelo de Regulamento.

4.4. Assim, é manifestamente ilícita a actuação da Junta de Freguesia ao consentir na inumação de outro cadáver na sepultura cujo terreno havia concessionado ao reclamante em Dezembro de 1983, sem conhecimento deste e em expressa oposição ao normativo regulamentar que exige o consentimento do mesmo.

4.5. Sobre este facto alega o Sr. Presidente da Junta de Freguesia “que quando alguém adquire uma parcela de terreno no cemitério, é seu dever demarcá-lo, ora se este fenómeno aconteceu, foi porque, certamente o primeiro comprador, não demarcou o terreno adquirido, o que deu origem à confusão existente. Muito embora não esteja a Junta de Freguesia, desse tempo, ilibada de culpas”.

4.6. Face aos preceitos regulamentares pertinentes, não se considera que proceda tal argumentação, na medida em que a numeração de sepulturas e a demarcação dos terrenos concedidos nos cemitérios paroquiais para jazigos e sepulturas perpétuas são actos que se inscrevem no âmbito das competências dos serviços da Junta de Freguesia (cfr. artigos 15º e 34º do Modelo de Regulamento dos Cemitérios Paroquiais), não existindo qualquer dever de demarcação a que estejam adstritos os respectivos concessionários.

4.7. Acresce que, se no momento da concessão do terreno correspondente à sepultura nº 44 ao impetrante, o mesmo não se encontrava devidamente demarcado, competia à Junta de Freguesia notificar o interessado para comparecer naquele Cemitério, a fim de se proceder à demarcação do terreno em causa – artigo 34º do Modelo de Regulamento dos Cemitérios Paroquiais.

E menos se compreende a situação criada por esse Orgão Autárquico, tendo em atenção o facto de já anteriormente terem sido inumados na referida sepultura os cadáveres dos pais do ora reclamante, pelo que os serviços competentes não podiam ignorar que a mesma se encontrava ocupada quando nela permitiram o enterramento de um outro cadáver.

4.8. Face ao exposto e tendo o concessionário reagido na altura contra a situação, menos se justifica que a Junta de Freguesia haja concedido ulteriormente a um terceiro o terreno correspondente à sepultura que já estava concedida ao impetrante, em termos que se aproximam da venda “a non domino”, cominada com a nulidade, nos termos do artigo 892º do Código Civil.

4.9. É também, por outra via, manifestamente inválida tal deliberação, uma vez que sendo o título constitutivo do uso privativo em causa um acto unilateral, está a mesma ferida de nulidade, já que o respectivo objecto é legalmente impossível.

II – CONCLUSÕES

De acordo com o exposto, para prossecução da atribuição constitucional de prevenção e reparação das injustiças e no exercício das competências atribuidas pela Constituição e pela Lei,

RECOMENDO

1. Que a Junta de Freguesia de Ribafeita diligencie junto do familiar do cidadão cujo cadáver foi inumado na sepultura nº 44 do Cemitério Paroquial da Freguesia de Ribafeita, sem autorização do respectivo concessionário, no sentido de ser escolhida e demarcada uma outra sepultura a conceder ao interessado para efeito da trasladação das referidas ossadas, sem quaisquer encargos adicionais.

2. Que sejam adoptados os procedimentos adequados e convenientes em matéria de organização e funcionamento dos serviços da Junta de Freguesia, designadamente no que se refere à escolha e demarcação de terrenos concedidos para jazigos e sepulturas, à numeração das mesmas e à manutenção de uma relação actualizada das concessões atribuídas, a fim de se evitar a repetição de situações análogas à presente.

Solicito a V. Exª que me seja comunicado o seguimento dado à presente Recomendação, dentro dos próximos sessenta dias, nos termos e para efeitos do disposto no nº 2 do artigo 38º da Lei nº 9/91, de 9 de Abril.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL