Presidente da Junta de Freguesia do Laranjeiro
Número: 6/A/95
Processo: R-374/94
Data: 16.01.1995
Área: A1

Assunto: ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA – APOIO JUDICIÁRIO – ACESSO AO DIREITO E AOS TRIBUNAIS – CERTIDÃO DE INSUFICIÊNCIA DE MEIOS – JUNTA DE FREGUESIA – NÃO EXIGÊNCIA DE PROVA TESTEMUNHAL

Sequência:Acatada

I – EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS

1. O Sr. … apresentou queixa ao Provedor de Justiça, em 9 de Fevereiro p.p., contra a recusa por parte da Junta de Freguesia do Laranjeiro de atestar a sua insuficiência de meios económicos para fins de acesso aos Tribunais.

2. De acordo com a exposição do Reclamante, os serviços dessa Autarquia ter-lhe-iam exigido a produção de prova testemunhal, através de dois cidadãos residentes na circunscrição paroquial.

3. Solicitados esclarecimentos sobre os factos à J.F. do Laranjeiro, em 8 de Março p.p., dignou-se V.Exa responder por ofício de 17 de Março p.p., de cujo teor se retira ser entendimento e prática administrativa comum dessa Freguesia a exigência do “testemunho de dois eleitores inscritos no recenseamento ou de dois comerciantes estabelecidos na área da Freguesia”, em acréscimo à solicitação aos requerentes “do seu boletim de vencimentos ou reforma”.

4. Concluída a instrução do processo, após análise dos factos carreados e do direito aplicável, importa expor as considerações que se seguem.

5. O direito de acesso aos Tribunais, completado pela proibição da denegação de justiça por insuficiência de meios económicos, tem assento constitucional (art. 20º, nº 1, da C.R.P.) e, conquanto não se inclua no título expressamente dedicado aos Direitos, Liberdades e Garantias, beneficia do seu regime por força do disposto no art. 17º, da C.R.P.

6. Esta posição de proeminência na ordem jurídica, a par da sua não auto-exequibilidade (ou seja, da necessidade de desenvolvimentos legislatívos e também administrativos que lhe confiram efectividade na vida quotidiana dos cidadãos), levou o legislador a aprovar, entre outros diplomas, o Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro.

7. Deste regime, sobressai com particular evidência, a disciplina do benefício de apoio judiciário, instituída, designadamente, em favor de quem não possua meios económicos para “conhecer, fazer valer ou defender os seus direitos” (art.1º, nº 1, do citado decreto-lei).

8. Reparte-se o apoio judicário por duas vertentes complementares: por um lado, “a dispensa, total ou parcial, de preparos e do pagamento de custas, ou o seu diferimento” e, por outro, “o pagamento dos serviços do advogado ou solicitador” (art. 15º, nº 1, ibidem).

9. A prova da insuficiência de meios económicos efectua-se ou por presunção “juris tantum”, concedida aos cidadãos que se encontrem numa das situações enunciadas no art. 20º, nº 1 ou, nos restantes casos, através de qualquer meio idóneo (art. 19º), competindo, em todo o caso, a sua concessão, “ao juíz da causa para a qual é solicitada”, sujeitando-se ao contraditório por oposição da parte contrária (art. 21º).

10. O certo é que os Tribunais têm, por via de regra, exigido aos requerentes, como meio idóneo de prova, um atestado de situação económica, cuja passagem compete às juntas de freguesia, nos termos do art. 27º, nº 1, da Lei das Autarquias Locais (Decreto-lei nº 100/84, de 29 de Março), verificados os pressupostos de pobreza ou indigência, respectivamente dos §§ 1º e 2º, do art. 256º, do Código Administrativo.

11. Sobre esta matéria veio também dispor o Decreto-lei nº 217/88, de 27 de Junho, cujo principal desiderato é o de simplificação do procedimento administrativo, em matéria de “certidões e atestados emitidos pelas autoridades administrativas”, conforme consta do respectivo preâmbulo.

12. A articulação do seu regime cem as normas e princípios que se citaram supra leva a concluir que a prova dos aludidos pressupostos de pobreza ou indigência, dos §§ 1º e 2º, do art. 256º, do Código Administrativo, resulta de uma de três vias:

a) o conhecimento directo dos factos a atestar por parte do executivo paroquial, maxime, pelo presidente da junta, nos casos de urgência (art. 1º, nº 1 e art. 3º, ambos do DL 217/88, de 27 de Junho);

b) o testemunho (art. 1º, nº 2, ibidem), nos termos gerais; ou,

c) por declaração do próprio (art. 1º, nº 2, ibidem).

13. A exigência de prova testemunhal produzida a partir das declarações de dois chefes de família ou de dois comerciantes de reconhecida probidade (art. 257º, do Cód. Administrativo), a cuja necessidade se reporta V.Exa no ofício de resposta a este órgão do Estado, ficou assim, revogada, expressamente de resto (cfr. art. 4º, do DL 217/88, de 27 de Junho).

14. Também a exigência de declaração jurada de dois vizinhos do requerente, nos termos do art. 256º, § 7º, do C.A., em casos de urgência, veio a ser objecto de revogação pelo Decreto-Lei nº 217/88, de 27 de Junho, porquanto a nova redacção conferida ao preceito se limita a dispor que:

“As certidões de indigência podem ser substituídas por atestados passados pelo presidente e da junta”.

15. Para além de razões simplificadoras do procedimento, para além de aprofundar o direito fundamental de acesso aos Tribunais, reconheceu-se que por o atestado emitido nos termos do art. 27º, nº 1, al. f), da L.A.L. não significar sempre que as autoridades administrativas tivessem conhecimento pleno e directo dos factos a atestar, a prova assim produzida constitui objecto de apreciação livre – entendimento confortado aliás, pelos poderes de decisão conferidos ao juíz da causa, em matéria de apoio judiciário, nos termos do art. 21º, do Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro.

16. Assim, as juntas de freguesia só poderão recusar a passagem de atestado ao requerente que não declare, nos termos do art. 1º, nº 2, do DL 217/88, preencher os pressupostos de pobreza ou indigência ou alternativamente habilite o órgão autárquico a efectuá-lo a partir de testemunho de terceiros, desde que o mesmo faça prova da residência na respectiva freguesia, nomeadamente através da simples exibição do cartão de eleitor (art. 1º, nº 1, do Decreto-Lei nº 149/87, de 30 de Março), acompanhado do bilhete de identidade para confirmação da regularidade da assinatura (art. 2º, nº 1, ibidem).

17. Caso não seja cumprida esta última formalidade e por outro meio não fique a junta de freguesia convicta da residência, o requerimento não deve tão pouco ser admitido, havendo, no entanto os seus serviços de encaminhar o requerente ou o requerimento para a autarquia territorialmente competente (art. 34º, nº 1, do Código do Procedimento Administrativo).

18. Sustenta a Junta de Freguesia do Laranjeiro que a interpretação sufragada constitui o “procedimento minimamente cautelar”, “obviando-se assim as frequentes falsas declarações detectadas posteriormente pelos Tribunais, como tem acontecido com alguma frequência”.

19. Dir-se-á a este respeito que a declaração do interessado fica sujeita na sua veracidade à tutela criminal (art. 2º, do Decreto-Lei nº 217/88, de 27 de Junho), por prática do crime previsto e punido nos termos do art. 402º, nº 1, do Código Penal.

20. A isto acresce que, de acordo com o art. 23º, do Decreto-lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro, a situação de carência de meios é apreciada pelo Tribunal, podendo inclusivamente, vir a ser retirado o apoio judiciário após a sua concessão (art. 37º, nº 1) “oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, da parte contrária ou do patrono nomeado”.

21. E mesmo após se encontrar finda a instância, pode vir a ser instaurada acção para a cobrança dos honorários, despesas, custas imposto e quaisquer outros encargos de cujo pagamento haja o beneficiário sido isento, desde que se constate ter o mesmo possuído meios suficientes à data do pedido ou que os tenha adquirido no decurso da causa ou após finda (art. 54º, nº 1, ibidem).

II – CONCLUSÕES

Tudo exposto e aduzidas as considerações que antecedem, fundado no poder previsto no art. 20º, nº 1, alínea a), do Estatuto do Provedor de Justiça, aprovado pela Lei nº 9/91, de 9 de Abril,

RECOMENDO

As juntas de freguesia, no exercício da competência enunciada no art. 27º, nº 1, alínea f), do Decreto-Lei nº 100/84, de 29 de Março, devem dar como verificados os pressupostos de insuficiência de meios económicos, desde que o requerente, após prova do vínculo de residência à freguesia, designadamente por simples exibição do cartão de eleitor, apresente declaração nos termos do disposto na parte final do art. 1º, nº 2, do Decreto-lei nº 217/88, de 27 de Junho, atenta a revogação do art. 257º do Código Administrativo.

Permito-me, por fim, recordar a V.Exa o dever que se encontra adstrita, nos termos do art. 38º, nº 2, da citada Lei nº 9/91, de 9 de Abril, quanto à comunicagão a este Órgão do Estado sobre o seguimento conferido à presente Recomendação.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL