Presidente da Câmara Municipal de Lisboa

Processo:R.190/89
Rec. nº 44/A/95
Data:1995-05-11
Área: A1

Assunto:URBANISMO E OBRAS – OCUPAÇÃO DA VIA PÚBLICA – PARQUEAMENTO PRIVATIVO – LICENÇA DE USO PRIVATIVO – CIRCULABILIDADE NA VIA PÚBLICA – FLUIDEZ – EXECUÇÃO DE ACTO ADMINISTRATIVO – REMOÇÃO DE OBSTÁCULO.

Sequência: Acatada

EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS

1.Em 25.01.1989, o Provedor de Justiça recebeu queixa por alegada tolerância pelo município de Lisboa de uma situação de cupação abusiva da via pública por particulares, na Rua ….., ao Beato, destinada ao estacionamento privativo de veículos.

2.Em abono de quanto sustentava o Reclamante, identificado nos autos do processo respectivo, dava conta do teor da deliberação nº 54 / CM / 85, de 31 de Maio de 1985, publicada em 17.06.1985.

3. Na verdade, embora fosse mantida a autorização para instalação de um parqueamento no local, ordenava a Cãmara Municipal no citado acto: “mandar afastar a vedação do parque para uma nova localização a determinar pela Direcção dos Serviços de Tráfego por forma a que a mesma se enquadre dentro das normas regulamentares em vigor”.

4.Através desta deliberação, pretendeu o Município repor a legalidade, provendo pela diminuição da área da via pública ocupada e, do mesmo passo, consentido que fosse mantido local destinado à finalidade de parqueamento de veículos.

5.Com efeito, dispõe o Regulamento das Estradas e Caminhos Municipais, aprovado pela Lei ns 2110, de 19 de Agosto de 1961, no art. 60º, que o tipo de vedação em causa, situada à margem das vias municipais, deve distar em 5 ou 4 metros do eixo das mesmas, conforme se trate de estrada ou caminho municipal.

6.Acresce que se proíbe, no art. 3º do Edital nº 48/86, de 5 de Setembro, a autorização de parques privativos “que possam impedir a normal circulação e trãnsito de viaturas e peões ou ser causa de prejuízos de terceiros”.

7.Sobressai também o relato da sessão da Assembleia Municipal de 14.03.1985, onde foram discutidos os inconvenientes e a
legalidade da situação. Ali foi referido que o parque reclamado não beneficia senão uma parcela dos moradores do local.

8.À data da formulação da queixa ao Provedor de Justiça, não fora ainda, porém, dado cumprimento à citada deliberação camarária, nem tão pouco no presente momento, apesar de decorridos dez anos sobre a sua aprovação.

9.Cumprindo o princípio da prévia audição da entidade visada pela queixa, a Provedoria de Justiça, em 03.03.1989, solicitou à Câmara Municipal de Lisboa “os esclarecimentos necessários à adequada elucidação do problema em causa”, após síntese dos factos.

10. Efectuadas insistências várias por resposta, informou preliminarmente a Divisão de Viação e Trãnsito da Direcção dos Serviços de Tráfego, em 14.12.1989, que o incumprimento da deliberação se devia ao desconhecimento sobre a exacta localização do corte da vedação a manter. A informação ignorada constaria do processo nº 57898/83, pertencente à 4ª Repartição da Direcção dos Serviços de Urbanismo, a qual, não obstante a requisição do volume e plúrimas reiterações, apenas comunicara que “o mesmo não se encontrava nos arquivos, mas que havia sido entregue em mão (…) a um Senhor …, que o detém ainda presentemente”.

11. Ficou a desconhecer a Provedoria aludido processo entregue em mão ao mencionado Senhor …., a que título permanecia em seu
poder e por qual razão não fora ainda obtida a sua devolução, a fim de possibilitar a sua remessa à Direcção dos Serviços de
Tráfego.

12.Não superada a situação reclamada, nem tão pouco justificada causa de tal irresolução, veio novamente a Cãmara Municipal
ser instada, em 01.02.1990, a a tomar providências adequadas que permitissem remover os obstáculos impedientes dos Serviços de Tráfego.

13.Entretanto – e sem que fosse obtida resposta à solicitação efectuada – a comunicação social relatou os factos que constituem objecto da queixa, dando conta dos prejuízos causados ao trânsito local,nomeadamente à circulação de peões, e sublinhando a circunstãncia de o parque peões, e sublinhando a circunstãncia de o parque reclamado ser privativo de um conjunto restrito de moradores, em nada beneficiando – antes pelo contrário – os restantes. Mais se afirmava serem os utilizadores do parque, na sua maioria, funcionários municipais (“O INDEPENDENTE”, de 24.05.1991,p.38).

14. Por ofício de 08.08.1991, foi de novo o município instado a pronunciar-se acerca da evolução do assunto, em particular
sobre as diligências de busca do processo n°- 57898/83, da 4ª Repartição da DSU.

15. Pese embora nova insistência de 04.11.1991, tão só após o despacho nº 217/P/91, relativo à colaboração com o Provedor
de Justiça, veio a ser recebida nova informação (28.12.1991).

16. De acordo com esta última, foi proferido despacho ordenando a execução da deliberação de 1985 pelo Senhor Vereador Machado
Rodrigues: retirada da vedação e elaboração de um estudo de reordenamento do espaço público de estacionamento.

17. Em 06.06.1994, não obstante, a situação permanecia inalterada e novo despacho veio a ser proferido em 03.02.1994, pelo
Senhor Vereador Luís Simões, “no sentido de ser retirada a protecção existente e de serem notificados para esse efeito
os titulares que constam do teor da licença anteriormente concedida, sob cominação de, decorrido o prazo de quinze dias
úteis, se proceder à retirada coerciva da referida rede a expensas dos notificados”.

18. Concomitantemente, a Cãmara Municipal, através do Departamento Jurídico e de Coordenação de Projectos, informava que o processo fora enviado para o Departamento de Património, em 13.05.1994, para se proceder em conformidade.

19. Vários pedidos de informação actualizada têm vindo a ser formulados pela Provedoria de Justiça, desde então, sem que
ao Departamento Jurídico e de Coordenação de Projectos tenham sido fornecidos elementos que permitissem dar resposta.

20. Como tal, e esgotado o prazo de quinze dias para resposta que fixei por ofício de 24 de Março p.p., dirigido ao Senhor Director do Departamento de Tráfego, exerci o poder de requisitar a comparência do Senhor Director nesta Provedoria, a fim de ser suprida a falta de resposta (ofº …, de 11.04.1995).

21. Antes da data fixada para o efeito, obtive resposta através do ofº …./95, sem que, no entanto, pudesse concluir ter sido reposta a legalidade e feito cessar o conjunto de inconvenientes para os transeuntes da Rua …. e, particularmente, para os moradores vizinhos cujo acesso ao parque não é permitido.

22. Dei-me conta, então, de ter sido proferido novo despacho pelo Senhor Vereador Luís Simões, em 15 de Junho p.p., na sequência de reclamação dos notificados, o qual determinou a produção de nova informação respeitante ao assunto.

23. Nas suas conclusões, a primeira das informações pedidas pronuncia-se desfavoravelmente à revisão do despacho de
06.06.1994, o qual, de resto, é, em grande parte, acto de execução da sempre citada deliberação de 1985.

24. Nada se observa que permita justificar o arrastamento de uma demolição coerciva, pelo menos em ordem ao respeito pelos
limites mínimos enunciados no art. 60º do Regulamento das Estradas e Caminhos Municipais, aprovado pela Lei nº 2110, de
19 de Agosto de 1961. Isto, fundamentalmente, pelos motivos que se expõem.

25. A Câmara Municipal de Lisboa determinou, como se registou, o afastamento da vedação.

26.Nada há a censurar ao acto em causa, tanto no plano formal, como na sua substãncia e oportunidade.Trata-se de acto válido e plenamente eficaz.

27. Com efeito, a licença é precária e, como tal, não produz qualquer efeito constitutivo de direitos na esfera jurídica dos utilizadores.

28. Trata-se de licença de uso privativo, entendida como “acto unilateral ou precário pelo qual uma pessoa colectiva pública autoriza uma ou mais pessoas determinadas a utilizar o domínio em seu proveito próprio por um certo tempo e em dadas condições” (FERNANDES, José Pedro – Dicionário Jurídico de Administração Pública – loc. Licença de Uso Privativo, Vol. V,Lisboa, 1993).

29. Não restarão quaisquer dúvidas sobre a qualificação da licença a partir do seu objecto imediato e também por recurso à analogia
com o que vem disposto no art. 18º do Decreto-Lei n°- 468/71, de 5 de Novembro. Sempre se dirá, ainda assim, que a precaridade do título, conquanto lhe falte o “nomen juris”, decorre do regime a que se sujeita (v.g. art. 60º, § 2º, art. 82º e art. 102º do RECM, aprovado pela Lei nº 2110, de 19 de Agosto de 1961).

30. A afectação de um bem dominial ao uso privativo é condicionada à não verificação de prejuízo para o interesse público, “ex ante e ex post”.

31. Os elementos recolhidos na instrução mostram bem como o prejuízo para o fim a que se encontra adstrito o bem dominial
justifica pôr termo à licença ou, pelo menos, reduzir a parcela de terreno ocupada.

32.Ficou provado que a actual situação causa estrangulamento no trânsito de veículos, na medida em que dimunui sensivelmente
a largura da margem da via, em termos que chegam a dificultar, se não mesmo a impedir, a circulação concorrente de dois veículos em sentidos opostos.

33. Provoca inconvenientes assinaláveis à circulação dos veículos municipais de recolha de lixo.

34. Acresce que o arruamento não possui saída, facto que por si só é gerador de perturbações no trânsito local.

35. Considero por fim, que em nada procedem os fundamentos alegados pelos utilizadores, na reclamação apresentada ao
Senhor Vereador do Pelouro de Finanças e Património, em 07.06.1994.

36. Ali contrapõem que a circulação rodoviária na Rua …é, essencialmente, de moradores. Ora, ainda que o fosse em absoluto, o certo é tratar-se de uma via pública, cuja circulabilidade em boas condições deve ser garantida e, por outro lado, como se viu, a fruição das utilidades do parqueamento é bastante mais restrita que o conjunto dos transeuntes.

37. Sustentam em segundo lugar que a largura da via se mantém inalterada, apesar da vedação. Todavia, estabelece o RCEM uma
margem de 5 metros entre o eixo da via e o alinhamento de vedações situadas à margem. Não importa portanto, manter simplesmente intocado o leito da via.

38. A circunstãncia de não existir projecto municipal para o local e o facto de faltar plano de pormenor, em nada obstam que a
Cãmara Municipal de Lisboa reponha a legalidade e a plena prossecução do interesse público na boa circulação.
Isto porque a existência de projecto ou plano não é condição de aplicabilidade da lei, nem da apreciação dos pressupostos
da decisão que compete à Cãmara Municipal.

39. Por último, a pretensa justificação de uma ilegalidade para o efeito de prevenir dano público virtual (o vazamento de entulho no local) não tem, a meu ver, qualquer relevância. A ordem jurídica dispõe dos meios que o legislador e as autarquias tiveram por adequados de forma a evitar o despejo clandestino de resíduos.

CONCLUSÕES

A) Tudo visto, entendo encontrarem-se reunidos todos os pressupostos vinculados e não vinculados, de validade e de oportunidade, para executar a deliberação nº 54 / CM / 85, de 31 de Maio.

B) Nada justifica protelar sucessivamente a sua execução, em termos que ousam comprometer o interesse público municipal
(definido, neste aspecto, no já citado art. 3º do Edital nº 48/86, de 5 de Setembro), atingir a legalidade e a obediência que lhe é devida e, ainda, pôr em causa a autoridade dos órgãos do município em legítimo exercício das suas competências.
C) Assim, nos termos do art. 20º, n°- 1, alínea a) da Lei nº 9/91, de 9 de Abril, não posso abster-me de RECOMENDAR que:

Seja determinada a execução da deliberação nº 54 / CM / 85, de 31 de Maio, publicada em 17.06.1985, nos termos do art. 157°- do Código do Procedimento Administrativo.

Recordo, por último, a V.Exa., Senhor Presidente, dispor a Câmara Municipal de Lisboa de um prazo de 60 dias para transmitir a este órgão do Estado a posição que venha assumir em face da presente Recomendação, em cumprimento do que vem determinado no art. 38º, n°- 2 da Lei n°- 9/91, de 9 de Abril.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel