Presidente do Conselho de Administração da Brisa Auto-Estradas de Portugal, S.A.

Processo:R-689/94
Rec. nº 50A/95
Data:1995-05-29
Área: A1

Assunto:EXPROPRIAÇÃO E REQUISIÇÃAO DE BENS – EXPROPRIAÇÃO PARCIAL – ACESSO A PRÉDIO ENCRAVADO – PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE – SUSPENSÃO – CONSTITUIÇÃO DE SERVIDÃO DE PASSAGEM.

Sequência: Não acatada.

I-EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS

1. Em 11 de Março do ano findo, deu entrada nesta Provedoria uma queixa subscrita pelo Senhor … relativa à situação de encrave de um prédio de que é proprietário, sito em …, Concelho de Torres Novas, a qual resultou do conjunto das expropriações realizadas para
construção do Sublanço Santarém/Torres Novas da A1 Auto-estrada do Norte.

2. Tendo em vista o esclarecimento da matéria de tal reclamação e a fim de dar cumprimento ao preceituado pelo artigo 34º da Lei 9/91, de 9 de Abril, foram solicitados os esclarecimentos necessários a essa Empresa, tendo-se obtido como resposta o ofício datado de 1994.08.11, sob a referência …. e foi o reclamante informado da faculdade que lhe é conferida pelo artigo 1550º do Código Civil (servidão em benefício de prédio encravado).

3. Compulsados os elementos recolhidos na instrução, designadamente os referidos no ponto anterior, cumpre referir :

Dos factos:
3.1. No ãmbito da construção do sublango Santarém/Torres Novas da A1-Auto-estrada do Norte foi objecto de expropriação uma área de 1200 m2, situada na parte central do prédio (acima identificado) correspondente à parcela nº 334 do projecto de expropriações.
3.2. Em resultado de tal expropriação parcial, o imóvel ficou dividido em duas parcelas, uma das quais (sobrante B terá ficado sem comunicação com a via pública, sem acesso à rede de caminhos agrícolas da zona).
3.3. Na altura da construção do sublanço em causa, um elemento dessa concessionária terá informado o reclamante que seria construído, posteriormente, um acesso à parcela sobrante que dele ficou desprovida, facto que, contudo, não consta da acta de expropriação amigável.
3.4. Verificou-se entretanto, ter o acesso à parcela em causa (que se vinha efectuando através de um imóvel contíguo, propriedade do Senhor …), sido interdito em consequência da decisão do seu proprietário em proceder à respectiva vedação.

4.Do teor dos esclarecimentos prestados pela BRISA, S.A., resulta a confirmação da veracidade e exactidão dos factos alegados pelo interessado, ou seja, ter sido adoptada a solução de se proceder “à expropriação adicional de cerca de 190m2 ao prédio de
onde antes se expropriou a parcela 333, de …, para construção de um caminho que ligue o terreno do reclamante à rede de caminhos agrícolas da zona”, bem como ter sido proposta a necessária alteração do projecto e da planta parcelar à Junta Autónoma das Estradas, aguardando-se a decisão do Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações,também sobre a declaração de utilidade pública respectiva.

5. Tendo em atenção os factos descritos, bem como as normas legais aplicáveis, verifica-se que:
5.1. Parece decorrer dos esclarecimentos prestados que a expropriação proposta é entendida como um meio de dar cumprimento a um encargo a que estaria adstrita a entidade expropriante (garantir o acesso à sobrante B da parcela nº 334) em virtude das expropriações realizadas para construção do sublanço em causa da Auto-estrada do Norte, no sentido de uma compensação do respectivo proprietário pelos prejuízos decorrentes da expropriação parcial realizada.
5.2. Assim, tal expropriação não mais representaria que uma alteração ao projecto inicial, pelo que estariam já reunidos os respectivos pressupostos de legitimidade, designadamente, o fim de utilidade pública do acto em questão, bem como a obrigação de a entidade expropriante esgotar as possibilidades de aquisição do imóvel por via do direito privado de acordo com o prescrito pelo artigo 2º do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei nº 438/91, de 9 de Novembro.

6. Não nos parece, contudo, que proceda tal entendimento. Em bom rigor, as expropriações necessárias à construção do sublanço Santarém/Torres Novas da Auto-estrada do Norte integraram-se num procedimento específico para a realização de um determinado fim de utilidade pública, com pressupostos de legitimidade próprios que se não verificam na expropriação agora proposta, pelo que não pode esta ser entendida como pode esta ser entendida como decorrendo de tal procedimento.

Acresce que o imóvel ao qual se pretende expropriar a área necessária para garantir o acesso à parcela do interessado, foi já objecto de uma expropriação parcial,e aquela que agora se propõe representará uma ablação adicional ao direito de propriedade do particular em causa susceptível de conflituar com as expectativas jurídicas criadas no que se refere ao alcance e limites da restrição já imposta a tal direito para a realização de determinado fim de interesse público.

7. Nestes termos, não parecem reunidas, no caso presente, as condições de exercício do poder de expropriação.
7.1. O procedimento previsto parece desvirtuar a necessária utilidade pública da expropriação (artigo 62º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa e artigo 1º do Código das Expropriações). Constituindo um dos pressuposto de legitimidade da expropriação a
realização do interesse público primário e de uma utilidade pública específica, admitindo-se ainda a mera realização de interesses particulares quando deles resultem directos benefícios para o interesse público, não parece que um ou outro sejam os objectivos da
expropriação proposta. Esta surge como meio de realização de um interesse particular, sem dúvida legítimo, o qual não pode, ainda assim, representar o escopo de um acto de expropriação por utilidade pública.
7.2. Por outro lado, constituindo a expropriação uma restrição ao conteúdo do direito de propriedade está a mesma subordinada ao princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso; em sentido próprio, neste domínio, enquanto manifestação específica dos princípios da adequação, exigibilidade e proporcionalidade “stricto sensu” em matéria de restrições aos direitos, liberdades e garantias e aos direitos fundamentais de natureza análoga (artigos 17º e 18º da Constituição da República Portuguesa).

Do princípio da proporcionalidade decorre que só é legítimo o recurso à expropriação quando esta se apresentar como o meio necessário, ou seja, quando não for possível atingir o fim de interesse público em causa com outras soluções que, no plano da legalidade, a possam substituir por meios menos gravosos quanto ao sacrifício de interesses particulares determinados,
designadamente, através da utilização de meios contratuais e outros de direito privado ou de outro tipo de restrições de natureza pública ao direito de propriedade (c.f.r. 29 artigo 8º do Código das Expropriações) que menos dano causem ao particular.

7.3. Verifica-se, no caso em análise, que a expropriação não é o meio menos gravoso de que a administração dispõe para atingir o fim visado, uma vez que, e sem prejuízo da utilização de meios contratuais, é o próprio direito privado a oferecer a solução não
contratual, através do direito potestativo reconhecido ao titular de prédio encravado de poder exigir a constituição de uma servidão de passagem sobre prédio vizinho (artigos 15509 e segs. do Código Civil).

Em termos de prejuízos para o particular onerado, as diferenças entre as duas hipóteses correspondem à privação e transferência da propriedade ou o carácter aquisitivo de um direito real, no caso da expropriação, e a oneração da propriedade através da constituição de um direito real menor, na hipótese de servidão de passagem, com tudo o que significam na esfera patrimonial.

7.4. E é neste sentido que deverá ser interpretada a norma constante do nº 5 da base XXVII do contrato de concessão da BRISA, S.A., anexo ao Decreto-Lei nº 315/91, de 20 de Agosto, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 193/92, de 8 de Setembro, de cujos termos se faz aplicar às expropriações realizadas para manter direitos de terceiros no restabelecimento de
redes ou vias de qualquer tipo todas as disposições legais, como se se tratasse das expropriações objecto da utilidade da obra.

Assim, só serão admitidas expropriações para manter tais direitos de terceiros se o respectivo gozo e exercício não puder ser assegurado por meios menos gravosos, do ponto de vista do sacrifício de interesses particulares. Em todo o caso, a norma citada é de duvidosa constitucionalidade, quer por ofensa à utilidade pública cuja adstrição à expropriação é exigida (art. 62º, ns 2), quer por desrespeito pelo princípio da proporcionalidade (art. 18º, nº 2), quando admite um excesso de uso de poder público.

7.5. Constituindo a servidão de passagem o meio adequado à realização da finalidade prosseguida, certo é que a situação de encrave em que se encontra o prédio do ora reclamante foi resultado directo da actuação da BRISA, S.A., a qual se poderá considerar pouco cuidada na falta de previsão atempada das consequências resultantes das expropriações realizadas, pelo que deverá ser a mesma a suportar os encargos inerentes às obras necessárias à constituição da servidão, bem como resultantes de indemnização devida (artigo 1554º do Código Civil) e de eventuais custos de processo judicial que o titular do prédio dominante haja de suportar.

CONCLUSÕES

De acordo com o exposto, para prossecução da atribuição constitucional de prevenção e reparação das injustiças e no exercício das competências atribuídas pela Constituição e pela Lei ao Provedor de Justiça, entendo dever RECOMENDAR a V. Exa.:

1. Que seja cessado o procedimento conducente à realização da expropriação proposta.
2. Que seja promovida entre o ora reclamante e o titular do prédio contíguo uma solução consensual para resolução do problema, designadamente através da constituição de uma servidão de passagem, a expensas da BRISA, S.A., em tudo quanto possa a mesma redundar para o propritário do prédio dominante.
3. Que sejam custeadas por essa concessionária as obras necessárias à constituição da servidão, bem como os encargos correspondentes à indemnização devida.

0 PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel