Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais

Processo:R – 3726/94
Rec. nº 51A/95
Data: 1995-05-31
Área : A2

ASSUNTO:CONTRIBUIÇÕES E IMPOSTOS – IRS – FIXAÇÃO DO RENDIMENTO COLECTÁVEL – COMISSÕES DISTRITAIS DE REVISÃO – CONSTITUIÇÃO E FUNCIONAMENTO – DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO DOS ACTOS ADMINISTRATIVOS.

Sequência:Acatada

0 Reclamante ….., residente na Rua …, em Lisboa – apresentou queixa na Provedoria de Justiça por discordar do tratamento dispensado à reclamação por si oportunamente apresentada junto da Comissão Distrital de Revisão constituída nos termos do artigo 68º doCódigo do IRS.

Através de tal reclamação, contestara o contribuinte a decisão de fixação do rendimento colectável de IRS respeitante ao ano de 1989, decisão tomada na sequência de fiscalização efectuada à sua escrita e ao abrigo do disposto no artigo 66º, nº 2, alínea c), do respectivo Código.

A deliberação da Comissão Distrital de Revisão, notificada ao contribuinte através do ofício nº …, de 14 de Outubro de 1994, da Direcção Distrital de Finanças de Lisboa, foi no sentido do total indeferimento da reclamação, mantendo, portanto, o rendimento colectável fixado em 10.659.761$00.

Pretende esta minha intervenção abordar junto de V.Exa. duas questões que reputo de importãncia capital numa matéria tão sensível quanto o é a da tomada de decisões que afectam direitos e garantias dos contribuintes: a questão da fundamentação dos actos administrativos em geral e dos actos tributários em particular e a questão da constituição e funcionamento das Comissões Distritais de Revisão a que se refere o artigo 68º do Código do IRS.

I – Dever de fundamentação dos actos administrativos.

Escusando-se a apreciar e aprofundar qualquer dos argumentos invocados na reclamação supra referida, oportunamente apresentada pelo contribuinte, viria a Comissão Distrital de Revisão a reiterar, de modo vago e superficial, parte da tese defendida pelos Serviços de Fiscalização no sentido de que “…o sujeito passivo não procede correctamente à escrituração contabilística de algumas verbas o que produziu a alteração do rendimento”, ao mesmo tempo que reafirmou a bondade da decisão reclamada afirmando que “… a correcção proposta e aceite pelos Serviços de Fiscalização teve como princípio básico a defesa da especialização dos exercícios,
fazendo movimentar as existências e reportando-as aos períodos certos”.

Poderia entender-se estarmos perante uma fundamentação “per relationem”, através da qual a Comissão Distrital de Revisão fizera seus os fundamentos da decisão dos Serviços de Fiscalização, que haviam concluído pela alteração do rendimento colectável. Ocorre que a deficiente fundamentação da referida decisão dos Serviços de Fiscalização e, precisamente, um dos vícios apontados na reclamação apresentada pelo contribuinte junto da Comissão Distrital de Revisão – cfr. ponto 1. daquela reclamação.

Acresce que, tendo o contribuinte apresentado novos e aprofundados argumentos no sentido de fazer valer a sua tese, contrária à dos Serviços de Fiscalização, acerca da forma de escrituração de vários tipos de verbas e do conceito de “existência”, nunca a deliberação daquela Comissão poderia deixar de ter em conta estes novos dados assim trazidos ao processo, sob pena de se poder concluir que não os apreciara de facto.

É certo que na acta nº 186/94, de 12/10/94, da qual consta o teor da deliberação tomada, se afirma terem sido “compulsados os vários elementos do processo” e ter sido “analisada a extensa reclamação do contribuinte”.

Tal afirmação, porém, não é complementada por qualquer abordagem crítica da argumentação expendida pelo Reclamante,
inexistindo qualquer “externação das razões de facto e de direito que estão na base da decisão” (v. José Carlos Vieira de
Andrade, in “O dever da fundamentação expressa de actos administrativos”, Almedina, 1991, pág. 227).

A linear manutenção do acto reclamado não pode, pois, deixar de consubstanciar uma nítida violação do dever de fundamentação consagrado nos artigos 286º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa, 124º e 125º do Código do Procedimento Administrativo e 21º e 22º do Código de Processo Tributário, dever, aliás, cuja importãncia tem vindo a ser constantemente reafirmada e cujo conteúdo a jurisprudência e a doutrina têm vindo a definir rigorosamente – veja-se, por todos, “Código do Procedimento Administrativo”, anotado e comentado por José Manuel Botelho, Américo Pires Esteves e José Cândido de Pinho, 2ª Edição, Almedina, 1992, a págs 386 a 402.

II – A constituição e funcionamento da Comissão Distrital de Revisão.

Da acta de reunião da Comissão Distrital de Revisão destinada a apreciar a reclamação apresentada pelo contribuinte – acta nº 186/94, de 12 de Outubro – resulta ter a Comissão sido constituída, apenas, por dois delegados da Fazenda Nacional, um dos quais na qualidade de presidente, sem delegados dos contribuintes por não terem sido designados pela respectiva associação.

Prevê a parte final do nº 1 do artigo 68º do Código do IRS que, na falta da designação dos delegados dos contribuintes pela respectiva associação, sejam os mesmos indicados, no que ao caso interessa, pela assembleia distrital.

Ocorrem-me, pois, algumas dúvidas iniciais: qual o motivo pelo qual não procedeu a assembleia distrital a tal nomeação? Foi este órgão instado a fazê-lo? Desde quando funciona a Comissão Distrital de Revisão em causa sem delegados dos contribuintes?

Sem querer perder de vista o caso concreto, não posso deixar de solicitar a V.Exa. resposta àquelas questões, mormente porque se encontra em estudo, nesta Provedoria, a questão genérica do regime de funcionamento das Comissões Distritais de Revisão.

Quanto ao caso do Reclamante em particular, o disposto no nº 2 do artigo 69º do Código do IRS confere validade à deliberação da Comissão ainda que esta reúna – como aconteceu – sem a presença dos delegados dos sujeitos passivos. Acresce, assim, à falta de fundamentação da deliberação tomada, a iniquidade – lamentavelmente consagrada na lei – de uma decisão tomada à revelia de qualquer representante do principal interessado, sem que a este seja assacável qualquer responsabilidade por essa ausência.

Dir-me-á Vossa Excelência que, face ao direito constituído, cabia à Comissão reunir e deliberar, sendo-lhe impossível invocar a ausência de representantes dos sujeitos passivos para protelar uma decisão à qual, aliás, os mesmos sujeitos passivos tinham direito.

Aceito que, face à citada disposição legal, as Comissões Distritais de Revisão entendam dever reunir e deliberar ainda que constituídas apenas por representantes da Fazenda Nacional. Porém, e mesmo na vigência de tal regime, esta solução não poderá deixar de ser qualificada como “último recurso”, dado o carácter claramente excepcional de que se reveste o funcionamento de uma Comissão sem a presença de parte essencial dos seus membros.

Mas mais: o caso em apreço, pela sua complexidade e pela manifesta divergência de conceitos e pontos de partida de cada uma das conclusões alcançadas pela Fazenda Nacional e pelos sujeitos passivos, exige a concretização de medidas que possibilitem uma apreciação completa dos argumentos de cada uma das partes. Tal efeito pode ser obtido pela aplicação do disposto na parte final do nº 3 do artigo 69º do Código do IRS, que me permito transcrever:

«3. A comissão poderá solicitar aos serviços competentes da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos os elementos que repute necessários para o esclarecimento da situação em apreciação, podendo ainda convocar o reclamante para, pessoalmente ou através de representante, quaisquer informações tidas como úteis».

Possível se torna, pois, chamar o Reclamante ou um seu representante a participar na formação da vontade da Comissão.

Pelo exposto, RECOMENDO:

1. Que a Comissão Distrital de Revisão, constituída nos termos do artigo 68º do Código do IRS para efeitos de apreciação da
reclamação apresentada pelo contribuinte supra identificado contra a fixação do rendimento colectável de IRS do ano de
1989, delibere nova e fundamentadamente sobre a matéria reclamada, apreciando cada argumento invocado pelo Reclamante
para justificar a sua tese e dando-lhe a conhecer os motivos pelos quais entendeu deliberar em determinado sentido.

2. Que, caso se mantenha a impossibilidade de a Comissão reunir com a presença dos delegados dos sujeitos passivos, tal falta
seja compensada através da convocação do Reclamante para, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 69º do Código do IRS,
prestar informações, pessoalmente ou através de representante, acerca da controversa questão em apreço.

0 PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel