Presidente da Câmara Municipal de Sesimbra

Processo:R-1624/90
Rec. nº 79/A/95
Data:1995-07-19
Área: A1

Assunto:URBANISMO E OBRAS – OBRAS ILEGAIS – DEMOLIÇÃO – PODER VINCULADO

Sequência:Acatada

EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS

A) Dos Factos

1.Concluída a instrução do processo referenciado em epígrafe, iniciada por queixa sobre construção ilegal no Empreendimento da Falésia (Aparto 401) executada pelo respectivo proprietário, após audição do município de Sesimbra, pelo Ministério Público em 08.06.1992 e em 14.07.1993, através do of. …, de 21.07.1993 e, por fim, em reunião de 30.11.1994, mantida nesta Provedoria de Justiça com o Sr. Dr. … e o Sr. Arq. … em representação de V.Exa, considera o Provedor de Justiça que a queixa mencionada merece provimento e que se encontra ao alcance da Câmara Municipal de Sesimbra repor a legalidade infringida, o interesse público na estética, salubridade e segurança das edificações afectado pela situação reclamada, e bem assim, os legítimos interesses de terceiros.

2.Em data que não ficou provada, mas presumivelmente há cerca de vinte anos, o proprietário do referido apartamento efectuou obras que consistiram em alteração da estrutura de uma parede exterior e cobertura de um terraço contíguo, sem que, para tanto, se encontrasse munido da licença municipal adequada.

3.Veio o infractor requerer à CMS, em 09.07.1984 “uma autorização para substituição da grade de madeira, de uma construção aligeirada com bastantes anos por grade cerâmica” (cfr. Inf. 23/93, DAPU/SALA DESENHO).

4.O requerimento veio a ser deferido, “dada a antiguidade da situação existente” (idem), tendo sido emitida licença em 02.07.1987.

5.Verifica-se contudo, não existir correspondência entre a obra efectivamente realizada e o conteúdo desta mesma licença, pois como se admite na citada informação, “não se encontra esta situação de acrescento realmente licenciada, sendo inclusivamente a sua cobertura perfeitamente precária (estrutura metálica tipo HANDY)”.

6.Por outro lado, resultam da instrução fortes indícios de a obra reclamada ter sido realizada em parte comum do edifício, sem que para tanto houvesse legitimidade.

B) Do direito

7.As obras reclamadas, originariamente, infingiram o disposto no art. 1º, nº 1, al. a] do Decreto-Lei nº 166/70, de 15 de Abril, e do mesmo passo, a disposição contida no art. 2º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, onde se exige prévia licença camarária.

8.A licença que o infractor veio a obter posteriormente não logrou sanar, por completo, a desconformidade entre as mesmas obras e a necessidade de licenciamento municipal, o que determina considerar que subsiste a ilegalidade e que falta a produção dos efeitos admitidos no art. 167º do RGEU (efeitos de ratificação).

9.A responsabilidade contra-ordenacional encontra-se prescrita (art. 27º do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro), dado o decurso do tempo, o que todavia, não condiciona a competência dos órgãos municipais para a reposição da legalidade.

10. Com efeito, a passagem do tempo não obsta ao exercício dos poderes enunciados no art. 165º do RGEU e de nada serviria alegar a revogação do já citado art. 2º pelo Decreto-Lei nº 166/70, de 15 de Abril, com o desiderato de afastar o poder de demolição, pois em tal caso, apenas haveria uma substituição normativa, ou seja, onde se pressupunha a violação do disposto no art. 2º do RGEU, passaria a exigir-se a violação do disposto no art. 1º do citado Decreto-Lei nº 166/70, de 15 de Abril.

11. O poder de as cãmaras municipais ordenarem a demolição das obras executadas só aparentemente é discricionário, visto que a sua previsão é condicionada por quanto se dispõe no art. 1679 do RGEU.

12. As câmaras municipais, verificados os pressupostos do art. 1659 do RGEU, só têm duas possibilidades: ordenar a demolição ou admitir que as obras em causa satisfazem os “requisitos legais e regulamentares de urbanização, de estética, de segurança e de salubridade”. Impossibilitada a segunda, só resta a primeira, o que vem demonstrar ser o poder de ordenar a demolição um poder vinculado.

13. Este entendimento constitui jusrisprudência pacífica, desde que por Acórdão de 11.06.1987, a 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo concluiu que:
“Estando a Câmara Municipal obrigada, por força do art. 1679 do Regulamento Geral das Edificações Urbanas a ordenar vinculadamente a demolição da obra executada sem licença prévia, por ter indeferido o pedido de licenciamento a posteriorí por considerar que a mesma obra contraria as regras urbanísticas, não satisfaz os requisitos da estética urbana e prejudica o prédio de um vizinho do dono da obra, tem esse órgão autárquico o dever decidir a pretensão, formulada por aquele, de se ordenar a demolição”.(in BMJ, 368 [1987], p.387)

14. Resultam da instrugão, por outro lado, fortes indícios de a obra reclamada estar situada em parte comum do edifício, pelo que a eventual ratificação sanatória, para além dos interesses públicos ponderados no art. 167º do RGEU tem de ser obtida declaração da legitimidade do dono da obra, nos mesmos termos que o Decreto-Lei nº 445/91, de 20 de Novembro (art. 149, nQl), sob pena de se estar a violar um preceito constitucional directamente aplicável: o respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos (art. 266º, n9 1 da Constituição).

15. De outro modo, a não ser clara a legitimidade do requerente da legalização de obras a partir do documento comprovativo (nº 2, al. a] da Portaria nº 1115-B/94, de 15 de Dezembro), deverá V.Exa. indeferir liminarmente o pedido, como resulta do disposto no art. 16º, nº 1, do citado Decreto-Lei nº 445/91, de 20 de Novembro, dado extrapolar das atribuições municipais a composição de questões controvertidas entre os seus munícipes (art. 205º, nº 2 da CRP).

16. Em tal caso, e de acordo com referido entendimento sobre a articulação das normas dos arts. 1659 e 1679 do RGEU, nada restará a V.Exa. senão ordenar a demolição da obra executada, nos termos do art. 1659, S 7º do RGEU, sem prejuízo do cumprimento da disciplina recentemente aprovada pelo Decreto-Lei nº 92/95, de 9 de Maio.

CONCLUSÃO

Em razão dos motivos expostos, entendo fazer uso do poder que me confere o disposto no art. 209, n9 1, alínea a) da Lei nº 9/91, de 9 de Abril, e RECOMENDAR:
que nos termos do disposto nos arts. 1659 e 1670 do Regulamento Geral das Edificações Urbanas seja notificado o dono da obra descrita na exposição de motivos para requerer a respectiva legalização dentro de prazo a fixar, demonstrando a respectiva legitimidade, nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 140, nº 1 e 169, nº 1 do Decreto-Lei nº 445/91, de 20 de Novembro, e caso o não faça ou a obra não possa ser legalizada em face dos pressupostos enunciados no citado art. 1679, venha a ser ordenada a demolição no uso da competência prevista no § 79 do mesmo preceito.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel