Subsecretário de Estado Adjunto da Ministra da Educação

Processo:R-3367/94
Rec. nº 82/A/95
Data:1995-09-04
Área: A4

Assunto:FUNÇÃO PÚBLICA – DOCENTE – FALTAS POR DOENCA PROLONGADA – CONTAGEM DE TEMPO DE SERVICO EFECTIVO – PROGRESSAO NA CARREIRA DOCENTE.

Sequência:

A-OS FACTOS:
1. A professora …… do quadro geral do 1° ciclo do ensino básico, em exercício de funções na Direcção Regional de Educação de
Lisboa, apresentou queixa na Provedoria de Justiça contra o despacho de V.Exa., de 12/9/94, que indeferiu o recurso hierárquico necessário, que interpôs, em 25/7/94, da lista provisória dos docentes que progrediram na carreira no 1° trimestre de 1994.

2. Assim, devendo ter completado, em princípio, em 1/1/94, o tempo de serviço exigido para progredir ao 2° nível ( ou índice )
remuneratório do 7° escalão, de acordo com o anexo 3 à Portaria n° 39/94, de 14 de Janeiro, visto, nessa data, passarem 3 anos após o acesso ao nível anterior (cfr. ponto 6.1. do ofício da DREL n° … , de 14/6/94, no anexo 1), tal não aconteceu, dada a situação
de doença da reclamante, verificada a partir de 17/4/91.

3. Com efeito, em 17 de Abril de 1991, à referida professora foi diagnosticada uma neoplasia no estômago, na sequência do que
veio a sofrer duas intervenções cirúrgicas (em 2/5/91 e 7/9/91), tendo cumprido, a seguir, um tratamento de quimioterapia, até
Agosto de 1993.

4. Por esse facto, faltou ao serviço entre 17/4/91 e 13/4/94, tendo-se apresentado no mesmo, nesta última data.
Durante o período em que faltou por doença justificou a sua ausência, através de atestado médico de que consta o diagnóstico
da doença, tendo-se apresentado, igualmente, a junta médica, nos termos legalmente estabelecidos no Decreto-Lei n° 497/88, de 30 de Dezembro.

5. Apesar de se ter tratado de doença ininterrupta ( a qual perfaria 36 meses, em 16/4/94 ), decorrente do diagnóstico feito logo no seu início (-neoplasia do estômago-), na interpretação da lei feita pela DREL, não deve ser considerada, para efeitos de progressão, a antiguidade relativa aos primeiros 18 meses, da referida doença, isto é, até 6/10/92, visto só a partir dessa data se iniciar a situação de faltas por doença prolongada, tratando-se, antes, de simples faltas por doença (cfr. pontos 5.1. e 5.3.1 do citado ofício).

6. Assim, de acordo com a resposta transmitida pela DREL à interessada, através do ofício citado ( o qual invoca a doutrina
constante do Despacho Interno do anterior Ministro da Educação n° 92-I/ME%93, de 12/10/93, transcrito na Circular n° 15/93/DEGRE, de 25/10/93, cfr. anexos 2 e 3), só após o decurso dos primeiros 18 meses de doença, em 7/10/92, a professora em causa teria entrado em situação de faltas por doença protegida ou prolongada e, consequentemente, no regime previsto no n° 3 do artigo 37° do Estatuto da Carreira Docente, segundo o qual as faltas por doença prolongada não devem entrar no cômputo da totalidade das ausências que descontam para efeitos de antiguidade no escalão.

7. Em requerimento, de 25/7/94, a reclamante reccrreu hierarquicamente da decisão para a Senhora Ministra da Educação,
solicitando que as faltas por doença lhe fossem justificadas a partir da data da verificação da doença, devidamente comprovada.

8. Através do ofício do Gabinete de V.Exa. n° …., de 16/ 9/94( Cfr. anexo 4), foi comunicado à reclamante que, por despacho
de V. Exa., de 12/9/94, o recurso fora indeferido, tendo tal decisão sido sustentada com base na doutrina já veiculada através
do mencionado ofício da DREL.

9. Ouvido o Gabinete de V. Exa., a quem foram solicitados esclarecimentos sobre as razões do indeferimento e interpretação
restritiva efectuada ( a qual conduzia a fazer reportar o efeito útil ali consignado, apenas, ao tempo do prolongamento, após os
primeiros 18 meses de uma mesma situação de doença diagnosticada “ab initio” como prolongada), continuou a ser sustentada a bondade da orientação até aí seguida pelos serviços (cfr. anexo 5).

B-O DIREITO:
10. Colocam-se na situação apresentada dois problemas distintos:

a) Em primeiro lugar, o de saber se as faltas por doença prolongada devem, para efeitos do n° 3 do artigo 37° do Estatuto
da Carreira Docente ( ECD), aprovado pelo Decreto-lei n° 139-P-/90, de 28 de Abril, ser tratadas como uma mesma realidade, desde o seu início, ou se haverá motivos para, a este propósito, utilizar a separação entre períodos de 18 meses, estabelecida no n° 1 do
artigo 48° do Decreto-Lei n° 497/88;

b) Em segundo lugar, qual o efeito atribuído pelo n° 3 do artigo 37° às faltas por doença prolongada, designadamente sobre o
seu desconto, ou não, na carreira docente.

11. A resposta à primeira questão parece decorrer, desde logo, do próprio regime de faltas aplicável ao pessoal docente nos
termos do n° 1 do artigo 86° do EM:

” Ao pessoal docente aplica-se a legislação geral em vigor na função pública em matéria de férias, faltas e licenças, com as
adaptações constantes das secções seguintes.”

12. Ora, de acordo com o regime geral de férias, faltas e licenças em vigor para os funcionários e agentes da Administração,
definido pelo Decreto-Lei n° 497/88, de 30 de Dezembro, entre o elenco de faltas justificadas, constante do n° 1 do artigo 19°,
encontram-se, na alínea h), as faltas por doença prolongada, cujo regime se encontra fixado no artigo 48° do mesmo diploma.

13. De acordo com tal regime:
“1-As faltas por doença incapacitante que exija tratamento oneroso e prolongado conferem ao funcionário ou agente o direito à
prorrogação, por dezoito meses, do prazo máximo de ausência previsto no artigo 36°.

2-As doenças a que se refere o n° 1 são definidas por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da Saúde.

3-…………………………………………………………………………………………………………………………………………….. .

14. Na sequência do disposto no n° 2 deste preceito, foi publicado o Despacho Conjunto n° 179-A/89-XI, publicado no D.P. n°
219, II Série, de 22/9/89, em cuja lista ou elenco de doenças incapacitantes se incluem os “Tumores malignos”, doença que esteve
na origem da ausência ao serviço da reclamante.

15. Deverá, desde logo, salientar-se que as faltas a que nos temos vindo a referir, embora qualificadas, de forma genérica, como “faltas por doença prolongada” são, de acordo com a letra do preceito citado, definidas, mais rigorosamente, como sendo as
“faltas dadas por doença incapacitante que exija tratamento oneroso e prolongado…”. E salienta-se este aspecto para destacar
que, mais do que a duração da doença, que é apenas uma das notas a que a regulamentação posterior das doenças a considerar deverá atender, o que, desde logo, decorre do conceito legal utilizado é a intenção de abranger situações de doença que o próprio
legislador (e, na sequência deste, os autores da referida regulamentação) qualificam, à partida, como “doença incapacitante que, previsivelmente, exija tratamento oneroso e prolongado”.
O facto de, num caso concreto, passados 30 dias do seu início, se verificar uma hipotética cura do agente, não determinará a sua exclusão da respectiva lista, porquanto é a natureza da própria doença que está em causa.

16. Da letra do preceito citado, parece dever salientas-se, pois, este aspecto de prognose, ínsita na previsão da norma, sobre
a incapacitação, onerosidade e prolongação do tratamento da doença incapacitante, determinante da inclusão da mesma na lista de tais doenças.

Definidas estas, em função de tais notas características e feito o seu diagnóstico a um agente, constitui-se na esfera deste o
direito� a faltar por motivo de doença prolongada, independentemente do direito ( também consagrado ) à posterior prorrogação, por igual período, do prazo máximo de 18 meses de ausência previsto no n° 1 do artigo 36°.
Muito embora o efeito previsto na estatuição do n° 1 do artigo 48° só se verifique se a doença, em concreto, durar para além dos 18 meses, tal não quer dizer que ao referido conceito, não possam vir a ser atribuídos diferentes efeitos. Ponto é que a lei o faça, como sucede no caso do artigo 37° do ECD.

17. Deste modo, nos termos do n° 1 do citado artigo 48°, para a generalidade dos funcionários e agentes (incluindo docentes, dada a remissão genérica atrás referida para o regime geral definido pelo Decreto-lei n°497/88 ), sofrendo de uma doença incapacitante, esgotado que se encontre o prazo inicial de 18 meses (no termo do qual se passa, normalmente, à situação de aposentação ou à de licença sem vencimento de longa duração, segundo o disposto no artigo 43°), renasce um novo prazo, de mais 18 meses, dentro do qual as ausências ao serviço continuam a ser justificadas por doença.

18. Porém, não é este direito à prorrogação que está em causa na norma controvertida constante do n° 3 do artigo 37° do Estatuto
da Carreira Docente, razão pela qual não parece fazer qualquer sentido a invocação do n° 1 do artigo 48° do Decreto-Lei n° 497/88
para a interpretação desta norma, como fazem os serviços.

Com efeito, a remissão feita no preceito para as faltas por doença prolongada é para aquelas faltas, em si mesmas consideradas, e não para o referido direito à prorrogação do prazo de 18 meses.

19. Na verdade, no mencionado artigo 37° a questão é bem diferente, ou seja, a da definição dos períodos de ausência que devem, ou não, ser considerados como tempo de serviço efectivo prestado em funções docentes, para efeitos de promoção e progressão na carreira (e aqui entramos na resposta à segunda questão colocada ), havendo que computar, como tempo a não considerar no escalão, a totalidade dos períodos de ausência, em que entram todas as faltas justificadas, excepto por acidente em serviço e por doença protegida ou prolongada, nos casos em que tal totalidade exceda o produto a que se refere no n° 2 do mesmo preceito.

20. Contém-se no artigo 37° todo um regime de carácter nitidamente excepcional em relação às regras que regem a progressão na carreira dos restantes funcionários e agentes, o qual, além de ser ditado pela finalidade de apurar, anualmente, tempo de serviço, procura, complementarmente, fazer intervir a assiduidade dos docentes como factor de ponderação na contagem do tempo de “serviço efectivo prestado em funções docentes” :. cfr. epígrafe do artigo 37°). (1)

a) Assim, na alínea a) do n° 1, excluem-se, à partida, para os citados efeitos, os períodos de requisição, destacamento e comissão de serviço ( Cfr., todavia, para a comissão de serviço em cargos dirigentes, a alínea d) do n° 1 do artigo 38° ) , em exercício de funções não docentes que não revistam natureza técnico-pedagógica,o que constitui regime excepcional relativamente aos restantes
funcionários e agentes ( cfr. nº 4 do artigo 7º e artigo 27º nº 2 do Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro ).

b) A seguir, nas alíneas b), c), d), e) e f) do nº 1, incluem-se situações de ausência que, à semelhança do que sucede com os restantes funcionários públicos,nos termos do referido regime geral de faltas, implicam, igualmente, descontos na antiguidade na carreira ( Cfr. artigos 75°, n°1; 77°, n°1; 85°, n° 4; 80°, n° 2; 27°, n°3; 71°, n° 2 e 91° n° 3 do Decreto-Lei n° 497/88).

c) Mas, o referido regime excepcional, mais gravoso em relação ao fixado para os restantes funcionários e agentes), conta, ainda, com uma norma adicional de carácter residual ou de salvaguarda no artigo 37°, que leva a incluir, para efeitos de desconto no tempo de permanência legalmente exigido no escalão, situações de ausência que, no conjunto dos anos de permanência (normal) no escalão, ultrapassem determinado limite considerado aceitável.

Assim, de acordo com os nos 2 e 3 do artigo 37° :

“2. Na contagem de tempo de serviço docente efectivo prestado em cada escalão não é ainda considerada, para efeito, de
progressão, a totalidade dos períodos de ausência, nos casos em que esta exceda o produto do número de anos do escalão por sete
semanas.

3. Para efeitos do cõmputo previsto no número anterior são consideradas como ausências todas as faltas justificadas, seguidas
ou interpoladas, exceptuadas as faltas por acidente em serviço e por doença protegida ou prolongada.”

21. Isto é, para o caso de, após aplicação do disposta nas várias alíneas do n° 1 do artigo 37°( situações que implicam sempre descontos na antiguidade para progressão, de acordo com a lei geral, ainda resultarem períodos de ausência das funções
docentes ( justificadas embora, e que, até, relevam para efeitos de antiguidade na carreira dos restantes funcionários públicos,
v.g. quaisquer das elencadas no n° 1 do artigo 19° do Decreto-Lei n° 497/88 ), mas que, no seu conjunto, ultrapassem o limite do
número de anos do escalão por sete semanas, tais períodos de ausência também não são considerados como antiguidade no escalão. (2)

Deste modo, só em relação a estes períodos deverá proceder a excepção constante do n° 3 do preceito, devendo, todavia, relevar
para progressão as “faltas por acidente em serviço e por doença protegida ou prolongada” ( exceptuadas, naturalmente, as ausências
equiparadas a serviço efectivo nos termos do artigo 38° ).

22. Em resumo, pode concluir-se que, em matéria de efeitos na antiguidade na carreira, as referidas faltas por doença prolongada
são consideradas de modo diferente, consoante se trate de docentes ou de outros funcionários. Assim, enquanto para estes tais faltas estão em pé de igualdade com as restantes faltas por doença, descontando sempre que ultrapassem 30 dias de ausência em cada ano civil, nos termos do n° 3 do artigo 27° do Decreto-lei n° 497/88, o mesmo não se passa em relação aos docentes dada a referida norma excepcional do artigo 37° do Decreto-Lei n° 139-A/90.

23. Ora, não parece subsistir qualquer argumento válido para restringir (como se faz nos ofícios em anexo e também decorre da
doutrina em que se sustenta o despacho impugnado) a medida de tal excepcionalidade apenas às faltas dadas a partir do termo dos
primeiros 18 meses de doença prolongada. Tal restrição teria, como se viu, de resultar do próprio regime fixado no artigo 37°, sendo
absurdo que o docente tivesse de cumprir no escalão em que se encontra o tempo de serviço em falta correspondente ao primeiro
período de 18 meses de doença protegida ou prolongada e não o segundo.

24. Com efeito, e como se tentou demonstrar, não parece adequado cruzar efeitos referentes a duas normas distintas: o do
n° 1 do artigo 48° do Decreto-Lei n° 497/88, que atribui à generalidade dos funcionários sofrendo de doença prolongada, o direito à prorrogação do prazo máximo de ausência por mais 18 meses, com o efeito útil visado no artigo 37° do Decreto-Lei n° 139-A/90, que é o de retirar algumas situações de ausência a um controlo de assiduidade realizado “a posteriori”(no termo do tempo no escalão ), e da consequente obrigação de substituir o tempo de serviço em falta.

25. Tratando-se de uma ausência justificada por uma única e mesma doença, qualificada de protegida ou prolongada, não há razão
para nela se distinguirem períodos ou prazos, devendo merecer todas as faltas dadas pelo mesmo motivo idêntica tutela por parte
do legislador, pelo que se afigura igualmente justa a solução consagrada, de acordo com a interpretação acabada de fazer.

C-Conclusões:
26. No caso vertente, afigura-se, por isso, ilegal a doutrina que, com base no Despacho n° 92-I/ME/93, tem vindo a ser sustentada e em que se fundamentou o despacho de indeferimento do recurso apresentado pela reclamante.

27. Efectivamente, e pelos motivos acima expostos, não se afigura adequada a interpretação que, no caso presente, foi feita do disposto no artigo 37° do Estatuto da Carreira Docente, bem como da doutrina que, nesta matéria, consta do Despacho n°ME/93 e Circular n° 15/93/DEGRE, de 12/10/93.

Posto o que, RECOMENDO :
a) Que seja revogado o despacho de V.Exa., de 12/9/94, que
indeferiu o recurso, de 25/7/94, da reclamante,devendo considerar-se, para os efeitos previstos nos n°s 2 e 3 artigo 37° do Estatuto da Carreira Docente, aprovado pelo Decreto-Lei n° 139-A/90, de 28 de Abril, como tempo de serviço efectivo prestado no 1° nível do 7° escalão, a totalidade do período em que se encontrou a faltar ao serviço por motivo de doença prolongada, incluída no Despacho Conjunto n° 179-A/89-XI, publicado no D.R. n° 219, II Série, de 22/9/89;

b) Que sejam transmitidas orientações aos serviços no sentido de ser alterada a interpretação que os mesmos vêm fazendo da
citada disposição legal, no sentido de que apenas são de considerar como faltas por doença prolongada, para efeitos de
contagem de tempo de serviço docente no escalão, as dadas após o decurso de um período de 18 meses de uma dada doença,
constante do Despacho Conjunto referido na alínea anterior, e como tal diagnosticada e justificada, desde o seu início;

c) Que sejam, igualmente, corrigidas todas as situações em que se mostre ter existido violação do direito consagrado no artigo 37° do Estatuto da Carreira Docente, aprovado pelo Decreto -Lei n° 139-A/90, de 28 de Abril.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel
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NOTAS:

(1) Cfr.” Estatuto da Carreira Docente Anotado” de Maria Adelina Sá Carvalho e Paula Padrão oliveira, Edições ASA, pag. 75.
(2) Cfr.op. e loc. cit., anotação 2 ao artigo 75°.