Presidente da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira

Processo:R-3589/94
Rec.nº 99/A/95
Data:1995-09-06
Área: A1

Assunto:AMBIENTE – INCOMODIDADE – ESTABELECIMENTOS SIMILARES – CHURRASQUEIRA – LICENÇA SANITÁRIA – LICENÇA DE UTILIZAÇÃO – PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO – CONDICIONALISMOS – ALVARÁ.

Sequência:Não acatada

Exposição de motivos

1. No âmbito da instrução do processo referenciado, aberto a partir de queixa que me foi dirigida sobre os incómodos resultantes do funcionamento do estabelecimento denominado “…”, sito na Rua …, na cidade de Santa Maria da Feira, esta Provedoria questionou V.Exa. acerca das condições de higiene, salubridade, segurança, isolamento térmico e sonoro das instalações do estabelecimento, e sobre o licenciamento municipal da utilização exercida.

2. Subsequentemente, através do ofício nº …, de 30.03.95 o Exmo. Vereador do Pelouro de Administração Urbanística comunicou a estes serviços o teor de informação elaborada sobre as questões suscitadas e o conteúdo do alvará de licença sanitária do estabelecimento reclamado.

3. Compulsados os documentos remetidos a esta Provedoria, cumpre-me formular as seguintes observações:

3.1. A utilização licenciada por esse Município para as fracções C e D supõe que as mesmas sejam afectas a fins comerciais, em consonância com o disposto no título constitutivo da propriedade horizontal e com o destino previsto no projecto de obras que mereceu aprovação municipal.

3.2. Assim deveria o uso a exercer nas fracções designadas conformar-se com o fim autorizado. No caso em apreço verifico
porém, que a actividade a prosseguir não se reconduz, na sua essência, à actividade típica prosseguida pelos estabelecimentos comerciais, como tal declarada no título constitutivo de propriedade horizontal e no projecto de obras submetido a licenciamento, em cujos termos as fracções serão afectas a lojas.
Embora afins não deverão, em rigor, considerar-se como equiparadas, nem como tal integrar o mesmo tipo de utilização, as actividades cujo objecto se cinja à venda de artigos ao público e a actividade que comporte a transformação de alimentos – no caso a confecção de frangos assados – em ordem a posterior alienação ao público.

Decidiu o Supremo Tribunal de Justiça em acórdão de 27.01.1993., proc. 82630, que a noção de comércio para um declaratário normal coincidirá com a ideia de «compra e venda de valores, mercadorias, negócio, permutação de produtos, troca de valores», enquanto que a noção de indústria traduzirá o «conjunto de actividades de produção e transformação de matérias».
Acrescidamente, perfilhando o entendimento explicitado na decisão recorrida aduz o Supremo Tribunal de Justiça que a
circunstância das demais fracções do edifício se destinarem a habitação obstará a que um declaratário normal atribua à
declaração «destinada a comércio» um sentido lato e compaginável com a utilização de actividades “provocando emanações de vapores gordurosos, gases e cheiros, que vêm conspurcando o prédio, e ruídos, que se fazem sentir nas fracções dos AA. De acordo com a boa fé, não é de admitir que a utilização assim feita das fracções corresponda ao comércio a que foram destinadas, segundo se declara no título. Outra interpretação sacrificaria com aquela utilização, apesar das restrições derivadas das relações de interdependência e vizinhança decorrentes da propriedade horizontal, os legítimos interesses dos titulares das fracções destinadas à habitação, em proveito de actividades não abarcadas pelo sentido normal da expressão «comércio»”.
O exercício de utilização que careça de aprovação municipal legitima a Câmara Municipal a fazer cessar o uso não autorizado, determinando o despejo sumário da fracção ocupada (cfr. art. 165º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo Decreto nº 38.382, de 7 de Agosto de 1951).

3.3. A alteração da utilização de determinada fracção deve ser analisada pela Câmara Municipal na perspectiva dos valores
que o direito do urbanismo se propõe tutelar e segundo critérios de ordem pública, à luz das finalidades de actuação previstas na lei, ainda que sem prejuízo da ampla margem de discricionariedade que o art. 30º, nsº 6 e 8, al. c) do Decreto-Lei nº 445/91, de 20 de Novembro concede às Câmaras Municipais no que toca à aprovação do uso.

Impõe-se à Câmara Municipal acautelar os interesses públicos de urbanismo, estética, salubridade, segurança que a lei lhe
confia.

Por força do princípio da proporcionalidade não poderá a Administração adoptar solução que apresente excessivos inconvenientes em relação às vantagens que ela comporte.

Assim, deverá a Câmara Municipal ponderar, a par dos interesses inerentes ao pedido de licenciamento formulado e que motivam o exercício de uma actividade económica, os inconvenientes que para os circunvizinhos aquela actividade poderá ocasionar e as suas repercussões ambientais. Como tal, deve impor a adopção de medidas que eliminem ou tornem comportáveis os potenciais incómodos ou efeitos negativos.

A necessidade de harmonizar os vários interesses em presença resultará também do princípio da prossecução do interesse
público e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos.

Interesses públicos e particulares deverão ser cotejados e ponderados entre si, limitando-se reciprocamente.

A prossecução do interesse público coincidirá, também, com a protecção conferida aos direitos e interesses dos cidadãos.

3.4. Em razão da actividade exercida, confecção de frangos, e da localização do estabelecimento, em fracções de prédio
destinado primordialmente a fins habitacionais, há-de o estabelecimento de churrasqueira obedecer a condições de
funcionamento peculiares, necessariamente mais exigentes que as prescritas para os meros estabelecimentos comerciais, em
termos que não sujeitem os moradores a inconvenientes mais pesados que aqueles que decorrem normalmente da actividade de
um estabelecimento de comércio, no sentido que o Supremo Tribunal de Justiça apontou.
A natureza dos condicionalismos inscritos no alvará de licença sanitária emitido pela Câmara Municipal dependerá do tipo de estabelecimento e a sua fixação visará assegurar que o uso em causa não pertubará ou colidirá com as demais utilizações exercidas.

As condições fixadas no alvará de licença sanitária do estabelecimento reclamado são, a meu ver, insuficientes quando
ponderados os danos e inconvenientes que a respectiva laboração poderá causar.

3.5. Em particular, pondero que importará precisar quais as normas técnicas a que deve obedecer o sistema de exaustão de
fumos, em ordem a assegurar a adequação e suficiência dos procedimentos de eliminação de gases e vapores e prevenir
eventuais situações de insalubridade, advenientes de excesso de fumosidade e da consequente concentração de odores.
Aquela exigência decorrerá ainda do princípio da prevenção das lesões ambientais, segundo o qual, deverão ser
consideradas de forma antecipativa as actuações potencialmente danosas em termos ambientais. Em lugar de se adoptarem
medidas correctivas e sancionadoras, uma vez consumada a lesão, importará prevenir a sua ocorrência, reduzindo ou
eliminando as suas causas (vd. artigos 2º e 3º, al. a) da Lei nº 11/87, de 7 de Abril) .

3.6. Ao estabelecimento de churrasqueira, na medida em que proporciona alimentos ao público mediante remuneração,
deverão aplicar-se, com as devidas adaptações, as prescrições legais relativas aos estabelecimentos similares dos hoteleiros
(v.d. art. 13º, nº 2 e art. 19º do Decreto-Lei nº 328/86, de 30 de Setembro) e, em especial, o disposto nos artigos 268º,
nº 2, g), 271º e 273º do Decreto Regulamentar nº 8/89, de 21 de Março, por analogia.

Este tipo de estabelecimento apresenta maior conexão com os estabelecimentos similares que com os estabelecimentos que o
legislador classificou como industriais, de modo taxativo Portaria nº 744-B/93, de 18 de Agosto).

II-CONCLUSÕES

Termos em que, no uso dos poderes que me são conferidos pelo art. 20º, nº 1, alínea a), do Estatuto aprovado pela Lei nº 9/
91, de 9 de Abril, RECOMENDO a V.Exª que se digne providenciar o aditamento ao alvará de licença sanitária concedida ao Senhor …, em 6.02.1995., para exploração do estabelecimento denominado “…”, sito na Rua …, na freguesia e concelho de Santa Maria da Feira, nos termos do disposto no art. 35º da Portaria nº 6065, de 30 de Março de 1929, por forma a fixar como condições de
exploração do estabelecimento, a existência de meios adequados de evacuação de fumos e odores e de eliminação de ruídos e
vibrações.

0 PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel