Ministro das Finanças

Rec. n.º 2/B/2001
Proc.: R-1754/01
Data: 06-07-01
Área: A 2

Assunto: FISCALIDADE – CRÉDITO AGRÍCOLA DE EMERGÊNCIA – DÍVIDAS -COBRANÇA DE JUROS.

Sequência: Acatada

1. Foi apresentada uma queixa na Provedoria de Justiça pelo Reclamante supra identificado, contestando a posição adoptada pela Administração relativamente à forma de liquidação da sua dívida no âmbito do CAE – Crédito Agrícola de Emergência, e que lhe foi comunicada pela Direcção-Geral do Tesouro, através do ofício de que se anexa cópia.

2. Em causa, está o facto de se ter recusado ao Reclamante a possibilidade de beneficiar do perdão total ou parcial dos juros compensatórios e moratórios calculados sobre a sua dívida, liquidada em 12 de Outubro de 2000.

3. Na verdade, de acordo com o entendimento transmitido, por um lado, o Reclamante não poderia gozar do perdão total dos juros, prerrogativa consignada no Despacho n.º 18 639/99, emanado do Ministério das Finanças e publicado em 27 de Setembro de 1999, por não ter procedido ao pagamento da dívida até ao limite do prazo máximo fixado pelo Despacho n.º 3266/2000, de 10 de Fevereiro.

4. Por outro lado, também não poderia prevalecer-se da possibilidade de remissão parcial, correspondente a 70% dos juros calculados sobre a dívida em causa, em virtude de o ter feito antes da publicação do Despacho n.º 21 655/2000, em 27 de Outubro de 2000, de Sua Excelência o Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças, que consagrou essa hipótese.

5. Concluída a análise dos diplomas aplicáveis à luz da pretensão do Reclamante, constatou-se efectivamente que não existia suporte legal que legitimasse a remissão dos juros à data em que aquele procedeu à regularização da sua dívida.

6. Contudo, tal não significa que se considere acertado o tratamento dispensado ao caso concreto do Reclamante e dos demais mutuários do CAE que pagaram as suas dívidas durante o período que mediou entre 27 de Abril de 2000 – data limite para se poder usufruir do perdão total dos juros concedido inicialmente pelo Despacho n.º 18 639/99, e 27 de Outubro de 2000 – data da publicação do Despacho n.º 21 655/2000.

7. Na realidade, a solução preconizada pela Administração para este tipo de casos deu origem a situações de manifesta injustiça entre os devedores do CAE que procuraram saldar as respectivas dívidas, já que os mutuários que regularizaram os seus débitos após o Reclamante (e porventura muitos outros devedores) e só depois da publicação do Despacho n.º 21 655/2000, puderam beneficiar do perdão de 70% dos juros.

8. O que significa que, pelo facto de não ter sido previsto nesta sucessão de diplomas, um regime de excepção que pudesse permitir a aplicação de qualquer prerrogativa de perdão de juros aos devedores que regularizassem as respectivas dívidas durante aquele período, gerou-se uma situação de uma certa injustiça relativa, já que acabou por se outorgar um tratamento mais favorável aos devedores que manifestaram um comportamento com maior propensão para o incumprimento do que o Reclamante.

9. Na verdade, a Provedoria de Justiça tem vindo a constatar, no âmbito da instrução de outros processos abertos com base em queixas aqui apresentadas, que esse tipo de situações não é exclusivo do crédito CAE.

10. De facto, quer na legislação publicada no âmbito do crédito CIFRE (Despacho n.º 167/97 – XIII, de 1 de Abril de 1997), quer no que toca à forma de recuperação de dívidas fiscais e à segurança social, instituída pelo Decreto-Lei n.º 124/96, de 10 de Agosto, que ficou conhecida como a “Lei Mateus”, foram também concedidas facilidades de pagamento das dívidas respectivas, destinadas a beneficiar unicamente os devedores que as liquidassem após a entrada em vigor desses diplomas, deixando sem qualquer contemplação os que já o haviam feito em momento anterior.

11. O mesmo se diga relativamente às sucessivas Leis de Amnistia, embora se reconhecendo aí uma acrescida complexidade, em função da diversidade da natureza das infracções abrangidas por essas medidas de clemência.

12. De todo o modo, permito-me salientar que na instituição de prerrogativas no pagamento de dívidas ao Estado, quer através da consagração do perdão total ou parcial de juros, como se tratou no caso concreto, quer na remissão da totalidade das dívidas, deverão passar a ser também contemplados os devedores que liquidaram as suas dívidas em momento anterior, de forma a assegurar um tratamento equitativo dos particulares, tal como exigem os princípios basilares da igualdade e da justiça.

13. De resto, a não ser assim, será o próprio Estado a contribuir para que se possa vir a gerar nos cidadãos a ideia – reprovável sob todos os sentidos e inclusivamente prejudicial para as finanças públicas -, de que mais vale aguardar pela sua progressiva benevolência na cobrança de dívidas de que é credor, do que cumprir de forma atempada e diligente.

14. Assim, nos termos do art.º 20.º, n.º 1, alínea b) do Estatuto do Provedor de Justiça RECOMENDO

1. Que, em situações futuras, em que se trate de legislar no sentido de estabelecer determinadas formas de cobrança de dívidas de particulares em relação ao Estado, seja assegurado um tratamento equitativo entre os diversos devedores, estabelecendo regimes mais favoráveis para os que se revelarem efectivamente mais cumpridores.

2. Para esse efeito, deverão ser expressamente consagrados na nova legislação, mecanismos que permitam tornar extensivas as prerrogativas concedidas em momento posterior, aos devedores que já haviam liquidado as suas dívidas anteriormente, o que poderá ser feito através de normas de carácter retroactivo, que legitimem a devolução aos mesmos das quantias pagas em excesso.

Nos termos do disposto no art.º 38.º, n.º 2 da Lei n.º 9/91 de 9 de Abril, deverá V. Ex.ª comunicar-me o acatamento desta Recomendação ou, porventura, o fundamento detalhado do seu não acatamento, no prazo de sessenta dias.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

H. NASCIMENTO RODRIGUES