Secretário de Estado da Segurança Social

Rec. nº 60/A/94
Proc. R.868/93
Data: 1994-03-11
Área: A3

ASSUNTO: SEGURANÇA SOCIAL – PENSÃO DE SOBREVIVÊNCIA E SUBSÍDIO POR MORTE – REQUISITOS – CASAMENTO A MENOS DE UM ANO – UNIÃO DE FACTO – JUSTO IMPEDIMENTO NA NÃO ATEMPADA CELEBRAÇÃO DO CASAMENTO – PAGAMENTO DOS BENEFÍCIOS POR MORTE

Sequência: Acatada

1. … apresentou-me uma exposição na qual reclama do indeferimento dos benefícios por morte decidido pelo Centro Nacional de Pensões, com fundamento no facto de estar casada há menos de um ano quando ocorreu o óbito do marido.

2. A queixosa veio, no entanto, alegar que o facto de o casamento não ter sido celebrado com a antecedência que a lei considera necessária para que lhe fosse reconhecido o direito àqueles benefícios, se deveu a circunstâncias especiais que rodearam a sua realização, concretamente, relacionadas com a necessidade de obter junto do Tribunal da Relação de Lisboa revisão da sentença de divórcio do seu primeiro casamento celebrado em Moçambique.

De facto, tendo-se separado do 1º marido, passou viver maritalmente com …, desde 1978, com o qual veio a casar em Junho de 1991, para o que lhe foi exigida a revisão da sentença de divórcio proferida nos termos do Acordão da Relação de Lisboa (fotocópia anexa).

Por outro lado, invocando toda uma série de vicissitudes de ordem burocrática, sobejamente explanadas na exposição que junto por fotocópia, que conduziram ao atraso verificado não só na obtenção do divórcio (o que só veio a acontecer em 1978) como também na própria celebração do 2º casamento, entende que todos esses factos devem ser considerados como justo impedimento do preenchimento do requisito que condiciona a atribuição da pensão à duração do casamento.

3. Sobre o assunto, foi oportunamente ouvido o Centro Nacional de Pensões ao qual se solicitou a adequada ponderação das razões invocadas pela queixosa em apoio da reapreciação do seu processo.

Entendeu, porém, aquele Centro Nacional manter a deliberação sobre o indeferimento dos benefícios requeridos pela interessada, pelos motivos indicados no ofício de que se anexa fotocópia.

4. Analisada a questão, entendi não poder aceitar a posição da entidade visada, porquanto dado o condicionalismo descrito pela queixosa e, no essencial, provado, militam no sentido de ser devidamente considerado na decisão do caso em apreço.

De facto, foram, essencialmente, a duração do processo de revisão de sentença de divórcio e da subsequente tramitação no registo civil, que impediram a interessada de se voltar a casar, tão cedo como pretendia, com o homem com quem desde 1978 vivia maritalmente.

E esse impedimento decorreu, aliás, de morosa actuação de entidades públicas.

A incongruência da situação ressalta, ademais do facto de que, já desde 1987 – data da morte do 1º marido – o primeiro casamento da queixosa se tinha dissolvido, podendo ela casar-se uma vez decorrido o prazo inter-nupcial.

Só que, a tanto obstou, por um lado, a menção de “divorciada” inicialmente constante do BI da interessada e também a referência a “solteiro” (erradamente) constante da certidão de óbito do falecido marido.

O absurdo do caso agrava-se pela circunstância de o indeferimento dos benefícios por morte colocar a interessada em situação de ser penalizada pelo facto de ter casado já que, a manter-se em união de facto, essa situação viria a relevar para o reconhecimento do respectivo direito nos termos e condições determinadas pelo Decreto-Regulamentar nº 1/94, de 18 de Janeiro.

5. Todo o exposto conduz, enfim, a que a solução a dar ao presente caso seja encontrada não tanto com base na mera interpretação literal da lei, mas de acordo com a “ratio” da norma, cuja aplicação está em causa.

Com efeito, da leitura do nº 1 do artº 9º do Decreto-Lei nº 322/90, de 18 de Outubro, resulta claramente que o seu espírito é o de afastar os casos em que o casamento se possa ter verificado com o objectivo do acesso às prestações por parte de quem tenha conhecimento da possível morte, a curto prazo, do outro cônjuge.

Só assim se compreende a exclusão do referido período mínimo de um ano nos casos em que a morte seja imprevisível (acidente) ou a doença causadora da morte não pudesse ser conhecida na altura do casamento.

O legislador não pôde prever todas as situações, mas o condicionalismo que antecedeu o casamento da reclamante com … é susceptível de integrar-se no espírito do artº 9º, nº 1, do Decreto-Lei nº 322/90, interpretado nos termos do artº 9º do Código Civil, de modo a excluir, neste caso, a exigência geral do período de um ano.

Nestes termos, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 do artº 20º da Lei 9/91, de 9 de Abril, formulo a Vossa Excelência a seguinte

RECOMENDAÇÃO

Que sejam transmitidas ao Centro Nacional de Pensões instruções no sentido de proceder à reapreciação do processo dos benefícios por morte requeridos por …, em conformidade com o entendimento atrás exposto.

O Provedor de Justiça

José Menéres Pimentel