Director do Hospital Distrital de Águeda

Rec.nº 135/A/94
Proc.: R.172/94
Data: 1994-08-18
Área: A4

ASSUNTO: FUNÇÃO PÚBLICA – PROVIMENTO DE LUGAR – CONCURSO INTERNO – CANDIDATURAS EXTEMPORÂNEAS – CONCURSO DESERTO – ANULAÇÃO DA LISTA DE CLASSIFICAÇÃO FINAL – NULIDADE DAS NOMEAÇÕES

Sequência:

1. Face à documentação reunida nesta Provedoria relativamente ao concurso interno geral de acesso aberto por esse Hospital em 9.10.93 para provimento de 1 lugar de técnico de análises clinicas e saúde pública principal, passo a expor o meu entendimento sobre o assunto.

2. Conforme V. Exª informou, o lugar a concurso veio a ser provido em 19.01.94, por uma técnica proveniente do Hospital Distrital de Aveiro (HDA).

Esta técnica (M. …) foi a primeira classificada na lista de classificação final divulgada em 7.01.94 e a sua nomeação no lugar vago foi determinada por despacho desse Conselho de Administração que invocou a urgente conveniência de serviço do provimento permitindo assim a produção imediata de efeitos (em 19.01.94).

Também na mesma data, e igualmente por urgente conveniência de serviço, e a pedido da interessada, com o indispensável acordo desse mesmo Conselho de Administração, foi autorizada a solicitada transferência daquela técnica para o Hospital Distrital de Aveiro.

Ou seja, no mesmo dia, sempre por urgente conveniência de serviço, a mesma técnica foi provida em dois lugares de quadros diferentes e ambos aceitou com referência à mesma data.

3. Uma análise atenta dos factos descritos e das datas mencionadas, confrontada quer com o insucesso de idêntico concurso aberto pelo Hospital de Aveiro, quer com a celeridade que foi imprimida ao concurso aberto por V. Exª, obrigou esta Provedoria a aprofundar a investigação inerente à queixa que lhe deu origem tendo reunido um acervo de documentos e informações surpreendentes.

4. Analisemos, muito resumidamente, alguns aspectos do concurso de provimento aberto em 9.10.93 e rectificado em 18.11.93.

4.1. O aviso de abertura publicitou que o período de abertura seria de 15 dias a contar da sua publicação.

Por força do artº 32º do Decreto-Lei nº 235/90, de 17 de Julho, este prazo é contínuo, pelo que terminou a 25 de Outubro.

4.2. Todavia os requerimentos de candidatura têm todos registo de entrada no Hospital posterior àquela data, sendo que um deles (o de M. …) foi inequivocamente subscrito em data posterior. São, portanto, extemporâneos.

Não o entendeu assim o júri que na acta nº 1 (reunião de 23.11.93) admitiu as 3 candidaturas, em vez de declarar o concurso deserto.

4.3. O artº 18º do Decreto-Lei nº 235/90 fixa o prazo de validade dos concursos em 2 anos (nº 1), podendo no entanto o concurso esgotar-se quando se destinar a preencher exclusivamente as vagas existentes na data em que for aberto (nº 2).

O ponto 2 do aviso de abertura publicado em 9 de Outubro respeita o nº 2 deste artigo.

Mas, já depois de expirado o prazo de admissão de candidaturas, foi alterada esta regra através de uma designada “rectificação” publicada em 18.11.93.

E o nº 2 do aviso anterior passou a ter a seguinte redacção: “O concurso é válido pelo período de um ano”.

4.4. Rectificação é a correcção de manifestos erros de cálculo ou de erros materiais na expressão de vontade administrativa (Código de Procedimento Administrativo (CPA), artº 148º, nº 1).

No caso descrito, não se fez uma rectificação de um erro, mas sim a alteração ilegal de uma regra vinculativa.

Sobre esta matéria leia-se o Acórdão do S.T.A. de 16.04.91, no Recurso nº 27786.

4.5. Segundo o introito da Acta nº 2, ela descreve a reunião de 21.12.93.

No entanto ali se relatam factos e acontecimentos que não tiveram lugar nessa data, mas os precederam. É o caso da realização das provas de conhecimentos, nas suas três versões: realização de um exame (meio auxiliar de diagnóstico e terapêutica); elaboração de relatório sobre o exame realizado; discussão pública do exame e do relatório.

Todas estas provas não puderam ter lugar no dia da reunião do Júri.

Também se faz menção na acta nº 2 à realização do que terá sido a audiência prévia dos candidatos regulada no C.P.A. (artº 100º a 103º) e com prazos e formalidades impossíveis de concretizar e respeitar num só dia.

Do artº 7º, nº 2 do Decreto-Lei nº 235/90 e do artº 27º, nº 1 do CPA decorre que de cada reunião se elabora uma acta.

Tal não foi respeitado pelo Júri, pois ele esteve reunido em diferentes datas para presidir e acompanhar a realização das provas de conhecimentos em data(s) não mencionada(s) no processo e não fez corresponder a elaboração de uma acta a cada uma dessas reuniões. O mesmo é aplicável à audiência prévia.

4.6. A mesma acta nº 2 contém os critérios de classificação dos candidados, elaborados já depois de conhecidas as candidaturas, podendo admitir-se que este conhecimento tenha conduzido à violação do princípio da imparcialidade (C.P.A., artº 6º).

A título de exemplo de critérios que violam esse princípio cito, na formação profissional complementar, a previsão da atribuição de 10 pontos a quem não satisfaça a exigência do nº 6 do artº 23º do Decreto-Lei nº 235/90, ou o suprimento da classificação de serviço.

4.7. Dois critérios aprovados pelo Júri são ininteligíveis para o intérprete: “a valoração deste parâmetro situa-se 10 e 20 pontos de acordo com a avaliação recíproca de cada candidato” (a propósito de formação profissional complementar); e “será atribuído uma pontuação entre 10 e 20 de acordo com o mérito relativo dos candidatos, numa relação de reciprocidade” (a propósito de actividades relevantes).

4.8. As classificações individuais (parcelares e globais) dos concorrentes admitidos não têm qualquer fundamentação e não é possível reconstituir o itinerário cognoscitivo e valorativo que conduziu o Júri até àquelas classificações.

No que respeita à concorrente M. … (que não fez prova da classificação de serviço relativa aos anos de 1991 e 1992) nada consta quanto ao seu suprimento, nem ao fundamento das classificações que o Júri lhe terá atribuído (v. Dec.Reg. 44-B/83, de 1 de Junho, artº 20º, nº 3).

Repare-se que este suprimento deveria ter sido feito antes da elaboração de lista de candidatos visto constituir um dos requisitos especiais de admissão a concurso (v. Decreto-Lei nº 235/90, artº 19º, nº 1 e Decreto-Lei nº 123/89, de 14 de Abril, artº 2º, nº 4).

No entanto o júri sã faz referência ao suprimento das classificações de serviço inexistentes já depois de ter elaborado a lista de candidatos e apenas na perspectiva da sua ponderação para efeitos de classificação final (acta nº 2).

5. Da análise sumariamente efectuada no ponto anterior extraem-se suficientes certezas acerca da invalidade da lista de classificação final homologada em que vieram a repercutir-se todas as irregularidades que inquinam os actos e formalidades integrantes do procedimento que a preparou.

Com efeito:

5.1. Verifica-se a existência de vício de forma (falta de fundamentação das classificações, reunião numa só acta do relato de acontecimentos que tiveram lugar em datas distintas e com solução de continuidade entre si);

5.2. Verifica-se a existência de diversos vícios de violação de lei:

5.2.1. a alteração do prazo de validade do concurso;

5.2.2. a admissão de candidaturas extemporâneas;

5.2.3. a aprovação de critérios de classificação após serem conhecidas as candidaturas, com possibilidade de estas influenciarem aqueles;

5.2.4. a ininteligibilidade de regras de auto-vinculação adoptadas pelo Júri.

5.2. os vícios de forma e de violação de lei geram a anulabilidade do acto final praticado.

6. A invalidade do acto é fundamento da sua revogação desde que decidida dentro do prazo de um ano contado da sua prática (C.P.A., artº 141º) sendo competentes para a revogação as entidades referidas no artº 142º do mesmo Código.

O acto de homologação da lista classificativa foi divulgado por aviso publicado no D.R. II Série de 7.01.94, pelo que pode ser revogado, com eficácia rectroactiva (C.P.A., artº 145º, nº 2), desde que a tal revogação seja dada idêntica forma de publicidade até 6.01.95.

7. Os actos consequentes dos actos anulados ou revogados são nulos (C.P.A., artº 133º, nº 2 i)).

A nulidade pode ser declarada a todo o tempo (C.P.A., artº 134º).

8. Por tudo quanto atrás expus,

RECOMENDO

a V. Exª que, em sessão, promova a anulação fundamentada da lista de classificação final do concurso aqui analisado e determine a urgente divulgação do despacho anulatório pela mesma forma que foi adoptada para a lista anulada.

A anulação deve produzir efeitos rectroactivos (abrangendo todo o procedimento posterior à publicação do primeiro aviso – 9.10.93 – , inclusive a “rectificação” divulgada em 18.11.93) e ser seguida da concessão de um novo período de abertura para admissão de candidaturas.

9. Recordo que nos termos do artº 38º, nº 2, do Estatuto aprovado pela Lei nº 9/91, de 9 de Abril, devem os destinatários das recomendações do Provedor de Justiça transmitir-lhe nos 60 dias imediatos a posição que sobre as mesmas assumem.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel