Presidente do Conselho de Administração da LIPOR

Rec. nº 136/A/94
Proc.: R-3166/93
Data: 1994-08-23
Área: A1

Assunto: ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – ETAR (ESTAÇÃO DE TRATAMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS) – CONCURSO PÚBLICO DE CONCEPÇÃO, CONSTRUÇÃO E EXPLORAÇÃO DA ESTAÇÃO DE TRATAMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS – LIPOR II

Sequência: Não Acatada

1. Na sequência das minhas anteriores Recomendações dirigidas a V. Exª, com datas de, respectivamente, 17 de Dezembro de 1993 e 01 de Fevereiro de 1994, respeitantes ao assunto referido em epígrafe, e que têm vindo a ser, muito embora de forma excessivamente morosa e gradual e nem sempre pacífica, acatadas pelo Conselho de Administração da LIPOR – a que não terão sido alheios os doutos pareceres do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, homologados por Sua Excelência a Ministra do Ambiente e Recursos Naturais, que veiculam também o conteúdo essencial das minhas Recomendações -, entendo que a deliberação do Conselho de Administração da LIPOR de 01 de Agosto p.p. justifica a emissão de nova Recomendação, pelos fundamentos que passo a referir.

2. Conforme decorre da citada deliberação, o Conselho de Administração da LIPOR resolveu, finalmente, adaptar os documentos normativos do concurso – Programa e Caderno de Encargos – ao regime constante do Decreto-Lei nº 379/93, de 5 de Novembro, designadamente quanto a aspectos que se mostravam essenciais para o cabal respeito de normas imperativas deste diploma e que, até então, tinham sido de todo ignorados – especificação do objecto da concessão, regimes da reversão, do sequestro, do resgate e da rescisão, prestação de caução, proibição da admissibilidade de variantes, prévia enunciação dos critérios e micro-critérios de avaliação das propostas, proibição de transmissão da concessão e poderes do concedente e correlativos deveres do concessionário.

Há, no entanto, dois aspectos em que a reformulação ficou ainda aquém do legalmente exigido.

3. Em primeiro lugar, impõe-se que o Conselho de Administração da LIPOR dê a conhecer qual a composição da comissão de avaliação das propostas reformuladas. Trata-se, com efeito, de um elemento que, por imposição legal, deve constar do programa do concurso – cfr. artº 10º, nº 2, alínea b), do Decreto-Lei nº 379/93, de 5 de Novembro. Ora, a comissão inicialmente designada cessou funções com a elaboração do relatório que conduziu à adjudicação de 04 de Janeiro p.p., entretanto revogada, e a reformulação das propostas, aliada à fixação de novos critérios de avaliação, implica obrigatoriamente uma nova avaliação global das propostas. Torna-se, pois, necessário designar nova comissão de avaliação, e publicitar a sua composição, nos termos legais referidos. Sobre este aspecto, a deliberação do Conselho de Administração da LIPOR de 01 de Agosto p.p. é omissa, quando o não deveria ser.

4. Em segundo lugar, considero ser ainda ilegal a parte da deliberação acabada de referir no que respeita à omissão do montante da caução a prestar pelo adjudicatário. Este elemento deve obrigatoriamente constar do programa do concurso – cfr. artº 10º, nº 2, alínea h), do Decreto-Lei nº 379/93, de 5 de Novembro -, não podendo o Conselho de Administração da LIPOR fazer apenas uma referência genérica para o montante mínimo abstractamente fixado naquela norma – 30 % do valor da concessão -, sem indicar clara e concretamente qual o seu valor, remetendo a sua definição para o momento da assinatura do contrato, e de acordo com os esclarecimentos prováveis do Governo sobre a interpretação do que seja “o montante da caução”.

E não só deve o Conselho de Administração da LIPOR esclarecer qual o montante da caução, como o deve fazer antes de começar a correr o prazo para a reformulação das propostas. Tal decorre, não só da própria lei – o montante da caução deve constar do programa do concurso, que deve ser publicitado antes de começar o prazo de apresentação das propostas, pelo que, paralelamente, em caso de reformulação, o programa de concurso com todas as reformulações necessárias (incluindo a caução) deve ser tornado público antes de começar o prazo para reformulação das propostas -, mas também de exigências de boa-fé, transparência e seriedade da reformulação – sendo o montante da caução um dos elementos a ter em conta na (re)formulação das propostas, designadamente ao nível da avaliação dos respectivos custos financeiros, é claro que só se pode (re)formular uma proposta com um mínimo de seriedade se previamente se tiver conhecimento desse montante.

5. É de todo evidente que as alterações introduzidas nos documentos normativos do concurso, a acrescentar às inicialmente feitas através da deliberação de 22 de Abril p.p. (e mesmo sem contar com aquelas que ainda se mostram necessárias), vieram trazer profundas modificações nos aspectos técnico, jurídico, económico e financeiro do concurso, com evidentes implicações no conteúdo das propostas dos concorrentes, que terão, também elas, de ser objecto de adequada reformulação (e profunda reformulação, se tivermos em conta, desde logo, que os critérios de avaliação foram alterados, pelo que os concorrentes devem, evidentemente, poder adaptar as suas propostas aos novos critérios – a não ser assim, não faria sentido a exigência de publicidade dos critérios de avaliação, e da sua alteração).

6. Já na minha anterior Recomendação de 01 de Fevereiro de 1994 me pronunciava pela necessidade de conceder “aos concorrentes um prazo que permita a adaptação das suas propostas ao disposto (no Decreto-Lei nº 379/93, de 5 de Novembro) e nos documentos do concurso assim adaptados”.

Consta da última deliberação desse Conselho de Administração a necessidade de “proporcionar a todos os concorrentes o prazo de vinte dias úteis, a contar do dia em que se efectivar a notificação desta deliberação, para, querendo, reformularem as respectivas propostas se, e só na medida em que, os reajustamentos efectuados, agora e os já notificados em consequência da deliberação de 22 de Abril, (uns e outros, aqui enunciados em conjunto), o determinarem.”

Para o Provedor de Justiça, este prazo fixado pelo Conselho de Administração da LIPOR, atendendo à sua curtíssima duração, é ilegal e inadmissível, por violar o disposto no artº 10º, nº 2, alínea c), do Decreto-Lei nº 379/93, de 5 de Novembro, e os princípios da igualdade, da justiça e da boa-fé.

7. Se outras razões não existissem, bastava ser minimamente razoável para concluir que um prazo de 20 dias úteis é manifestamente insuficiente para permitir aos concorrentes a reformulação das suas propostas, atendendo à complexidade das matérias em causa e ao próprio âmbito das reformulações possíveis. A isto acresce o facto de o mês de Agosto ser o aproveitado por excelência para o gozo de férias, o que, no caso dos concorrentes, é agravado pela circunstância de muitas das empresas envolvidas nos consórcios e vários consultores serem de países do centro e norte da Europa, pelo que durante o mês de Agosto se encontram encerradas e no gozo de férias.

Anote-se, como termo de comparação, que o próprio Conselho de Administração da LIPOR necessitou de mais de três meses para proceder à adaptação (quase) completa dos documentos normativos do concurso – desde a deliberação de 22 de Abril p.p. até à deliberação de 01 de Agosto p.p..

8. Não posso, quanto a este aspecto, deixar de transcrever o referido nas conclusões 3ª e 4ª do douto Parecer da Procuradoria Geral da República de 24 de Junho p.p., homologado por despacho de Sua Excelência a Ministra do Ambiente e Recursos Naturais de 30 de Junho p.p.:

“3ª. Todavia, projectando-se os reajustamentos sobre questões materialmente significativas das propostas, ou da respectiva avaliação, deveria ter sido proporcionado prazo aos concorrentes para a respectiva reformulação, com vista à sua reapreciação, dirigida à escolha do virtual adjudicatário, praticando-se os demais actos e formalidades impostos pelo procedimento;”

“4ª. De outro modo, ocorre desrespeito pelos princípios da igualdade, da justiça e da boa-fé, introduzindo-se nos documentos normativos do concurso, adaptações conformadoras que, na prática, têm natureza meramente formal, não se extraindo consequências quanto ao posicionamento – jurídico, económico e técnico – dos concorrentes perante os reajustamentos realizados;”.

Nesta perspectiva, a notificação agora feita aos concorrentes para reformulação das suas propostas, pelo prazo manifestamente insuficiente que fixa para o efeito, revela-se claramente o mero cumprimento formal de uma obrigação legal, destituído de qualquer efeito prático e substancial, constituindo uma pura fraude à lei e violando os princípios da justiça e da boa-fé.

9. Atendendo à complexidade e ao alcance das reformulações que se podem tornar necessárias para adequar as propostas aos documentos do concurso agora alterados, e tendo em conta os princípios da imparcialidade, justiça e boa-fé, entendo que o prazo mínimo que deve ser dado aos concorrentes para o efeito não pode ser inferior ao mínimo fixado pelo artº 10º, nº 2, alínea c), do Decreto-Lei nº 379/93, de 5 de Novembro – 90 dias. Nos termos já referidos, tal prazo só poderá começar a correr depois de completada a reformulação dos documentos do concurso nos termos legalmente exigíveis, designadamente depois de publicitados o montante da caução e a composição da comissão de avaliação das propostas.

10. Não pode V. Exª esquecer, se os argumentos expostos não fossem desde já e por si só suficientes, que o regime de exploração e gestão dos sistemas municipais de tratamento de resíduos sólidos, tal como, aliás, toda a actividade administrativa, está sujeito aos princípios gerais da prossecução do interesse público e da eficiência – cfr. artº 2º, nº 1, alíneas a) e c), do Decreto-Lei nº 379/93, de 5 de Novembro -, que não poderão deixar de ser violados com a concessão de um prazo que constitui um obstáculo inelutável à correcta reformulação de propostas que visa permitir, pondo-se assim em causa a possibilidade de os concorrentes alterarem as suas propostas de forma a melhor se adequarem ao interesse público agora redefinido.

E não se invoque a necessidade de celeridade processual para justificar prazo tão curto. Por esta altura, já deveria ser claro para o Conselho de Administração da LIPOR que só o cumprimento escrupuloso e de boa-fé da lei poderá evitar novos atrasos no processo, como aqueles que até agora se verificaram por responsabilidade exclusiva da postura negativa, renitente e “contrariada” desse Conselho de Administração.

Termos em que, no uso do poder que me é conferido pelo artº 20º, nº 1, alínea a), da Lei.nº 9/91, de 9 de Abril,

RECOMENDO

a V. Exª que o Conselho de Administração da LIPOR:

1. Torne pública a composição da comissão de avaliação das propostas reformuladas, conforme exige o artº 10º, nº 2, alínea b), do Decreto-Lei nº 379/93, de 5 de Novembro;

2. Indique expressamente qual o montante da caução a prestar pelo adjudicatário, como previsto no artº 10º, nº 2, alínea h), do citado diploma;

3. Conceda aos concorrentes o prazo mínimo de 90 dias, a contar das alterações acima recomendadas, para a reformulação das suas propostas decorrente da adaptação dos documentos normativos do concurso ao regime introduzido pelo Decreto-Lei nº 379/93, de 5 de Novembro.

Sem prejuízo do disposto no artº 38º da Lei nº 9/91, de 9 de Abril, solicito a Vª Exª que, no prazo de 15 dias referido no artº 29º, nº 4, da citada Lei, me seja dado conhecimento da posição assumida pelo Conselho de Administração da LIPOR sobre o objecto da presente Recomendação.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel