Presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo

Rec. nº 146/A/94
Proc. R-1617/91
Data: 1994-09-21
Área: A1

ASSUNTO: URBANISMO E OBRAS – OBRAS PARTICULARES – LICENÇA DE CONSTRUÇÃO PARA EDIFICAÇÃO DE MUROS DE VEDAÇÃO – CONDICIONAMENTOS – CEDÊNCIA DE TERRENO – AQUISIÇÃO POR VIA DO DIREITO PRIVADO OU PROCESSO DE EXPROPRIAÇÃO

Sequência: Acatada

I
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS

1. O despacho de 18.1.1990 do Sr. Presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo condicionou o licenciamento da construção dos muros de vedação de prédio pertencente a H…, sito no lugar da …, em Carreço, nos termos seguintes, indicados pela Junta de Freguesia no seu ofício de 11.1.1990:

– O muro poente seria afastado 4m do eixo da via existente.

– O muro nascente/sul seria afastado 3m do eixo do caminho de servidão.

– O muro nascente/norte terminaria junto ao alinhamento da construção.

2. Clarificando o exposto naquele seu ofício, a Junta de Freguesia de Carreço veio dizer, em ulterior ofício de 21.9.1992 (muito posterior, por consequência, à data do invocado despacho do Sr. Presidente da Câmara Municipal):

– Que o muro poente seria afastado 4 m do eixo da via existente.

– Que o muro nascente/sul seria afastado 3m do eixo do caminho público.

– Que o muro nascente/norte terminaria junto ao alinhamento da construção, para que a curva de concordância entre a E.N. e o caminho público ficasse “dentro das normas previstas na Lei”.

3. Como esclareceu o Sr. Presidente da Câmara Municipal no seu oficio de 6.9.1993, a definição do alinhamento dos mencionados muros teve por base “ora os alinhamentos pré-existentes dos muros adjacentes, ora a necessidade de alargamento do caminho público”; no caso do caminho público situado a poente do prédio, o recuo do muro confinante para 4m em relação ao eixo do mesmo caminho teve em vista o Regulamento Geral das Estradas e Caminhos Municipais (aprovado pela Lei nº 2110, de 19.8.1961).

Ora, aquele caminho público era na altura um caminho vicinal, segundo consta da planta topográfica anexa ao processo.

E o caminho situado a nascente/sul (sudeste) do referido prédio era “de mera servidão de passagem e, como tal, particular”, no dizer do Sr. Chefe da Divisão Administrativa da C.M., pelo que não podia dar origem à imposição de “qualquer tipo de afastamento”.

Sobre o assunto afirmou o Sr. Presidente da Câmara Municipal, no seu oficio de 6.9.1993, que “Pelo lado nascente/sul existe uma área pública que faz a articulação da Estrada Municipal 1165 com o caminho público que se prolonga para sul, resultando algo indefinida a transição com o caminho designado de servidão”.

4. Valerá a pena dizer que o referido despacho de 18.1.1990 do Sr. Presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo padeceu de erro, ao impor o afastamento do muro nascente/sul do prédio para 3m do eixo do caminho de servidão confinante, se não era a esse caminho que se pretendia aludir.

Por outro lado, o disposto no corpo do artº 60º do Regulamento Geral das Estradas e Caminhos Municipais (em matéria de alinhamento das vedações a implantar à margem das vias municipais) só seria aplicável ao muro poente do prédio em causa se a via confinante fosse municipal, e não vicinal.

Outro tanto se diria relativamente ao alinhamento do muro nascente/ sul daquele prédio, o qual confinava com terreno cuja natureza pública ou privada (de servidão) nem sequer estava claramente estabelecida.

Não se exclui, assim, que o aludido despacho de 18.1.1990 do Sr. Presidente da Câmara municipal haja padecido, nalguns aspectos, de vício de ilegalidade, gerador de anulabilidade (V. artº 89º, nº 1, do Dec-Lei nº 100/84, de 24 de Março), embora não conste que ele tenha sido objecto de atempada impugnação contenciosa.

5. Para além do que fica dito, dever-se-à sublinhar, ainda, que a Constituição da República consagra no artº 62º o direito de propriedade privada, estabelecendo que a “A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização”.

Tal não prejudica, obviamente, o exercício da competência dos Municípios em matéria de definição do alinhamento das construções a edificar em terrenos confinantes com arruamentos ou outros lugares públicos, de harmonia com os preceitos normativos e os condicionamentos legais e regulamentares aplicáveis ao assunto (cfr., v.g., o disposto no artº 7º do Regulamento Geral de Edificações Urbanas).

Mas o exercício daquela competência não pode servir de esteio à apropriação coactiva de terrenos dos requerentes das licenças de obras, para sua incorporação no leito dos arruamentos ou outros lugares públicos adjacentes, a título gratuito, contra a vontade dos interessados, e independentemente de expropriação por utilidade pública.

6. Assim, o licenciamento da construção dos muros do prédio em causa não podia ser condicionado à cedência gratuita de quaisquer parcelas de terreno do mesmo prédio que porventura interessassem ao alargamento do caminho vicinal situado a poente, ou do espaço público (se fosse esse o caso) localizado na parte nascente/sul dos respectivos limites.

O mesmo é dizer que o Município de Viana do Castelo não podia fazer incorporar no citado caminho ou naquele outro espaço-público, por sua exclusiva determinação, qualquer parcela de terreno do mencionado prédio particular que interessasse à concretização do visado alargamento.

Com efeito, tal não era permitido pelo Regulamento Geral de Edificações Urbanas, nem pelo Dec-Lei nº 166/70, de 15 de Abril, então em vigor (cfr., igualmente, os artºs 63º e 68º do actual Dec-Lei nº 445/91, de 20 de Novembro), nem tão pouco pelo Dec-Lei nº 100/84, de 29 de Março (entretanto alterado pela Lei nº 18/91, de 12 de Junho), ao contemplarem a competência dos Municípios em matéria de licenciamento de obras (v., a propósito, o Acórdão do S.T.A. de 21.4.1967, in “Acórdãos Doutrinais” nºs 68/69, págs 1264 e segs., e cfr., igualmente, aquilo que estatuía claramente a parte final do artº 51º, nº 20, do Código Administrativo, entretanto revogado pela Lei nº 79/77, de 25 de Outubro, no tocante à cedência ou aquisição, por venda, compra ou troca, de terrenos necessários ao alinhamento das construções sujeitas a licenciamento das Câmaras Municipais).

7. De harmonia com o exposto, a reclamante não podia ser privada da propriedade e posse de quaisquer parcelas de terreno do seu prédio que porventura interessassem ao alargamento de caminhos e outros espaços públicos com ele confinantes, como consequência automática dos alinhamentos definidos para a implantação dos muros de vedação do mesmo prédio.

Ainda que, por virtude de tais alinhamentos ou de outros condicionamentos normativos eventualmente aplicáveis ao assunto (v.g. os decorrentes do disposto no corpo do artº 60º do Regulamento Geral das Estradas e Caminhos Municipais, em matéria de alinhamento de vedações à margem das vias municipais, no caso da efectiva aplicação daquele preceito à situação em foco), a requerente não pudesse aproveitar determinadas parcelas de terreno do seu prédio para construção dos respectivos muros de vedação, poderia certamente balizá-las e dar-lhes destino que não colidisse com as pertinentes normas legais e regulamentares (v.g. ajardinamento).

8. De onde se conclui que, se o Município de Viana do Castelo carecia (ou carece) de quaisquer tractos de terreno do prédio da reclamante para incorporação no leito ou nas bermas do caminho público com ele confinante a poente, ou para alargamento/beneficiação do espaço público que porventura com ele confine pelo lado nascente/sul, terá de o adquirir à sua proprietária, por negociação (através de cedência voluntária, permuta ou compra e venda), ou, se tanto for necessário, mediante processo de expropriação por utilidade pública, ao abrigo das normas do Código de Expropriações.

Ora, as “cedências” de terreno da impetrante para o domínio público, a que alude o ofício de 6.9.1993 do Sr. Presidente da Câmara Municipal, foram impostas à interessada a pretexto de licença para construção dos muros de vedação do seu prédio, não havendo resultado de qualquer negociação nem de expropriação por utilidade pública, nem tendo sido paga qualquer compensação.

II
CONCLUSÕES

Em seguimento de quanto precede, e considerando o disposto no art. 20º, nº 1, al. a), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril, entendo por bem

RECOMENDAR

à Câmara Municipal de Viana do Castelo:

a) Que sejam revistos, se necessário, os condicionamentos anteriormente estabelecidos para o licenciamento dos muros de vedação poente, nascente/sul e nascente/norte do prédio da reclamante, de modo a que os alinhamentos para eles estabelecidos não ultrapassem os condicionamentos legais e regulamentares efectivamente aplicáveis à situação descrita;

b) Que, a reconhecer-se a necessidade de incorporação de quaisquer parcelas de terreno daquele prédio no caminho público ou noutro espaço público com ele confinante, se diligencie no sentido da respectiva aquisição à proprietária interessada, pela via do direito privado, se possível, ou através de processo de expropriação por utilidade pública, se necessário;

c) Que, de futuro, as competências legais do Município em matéria de licenciamento de obras particulares e de definição de alinhamentos não sejam utilizadas para impor a transferência forçada de quaisquer parcelas de terreno particular para o domínio público autárquico, independentemente de acordo com os respectivos proprietários ou de processo de expropriação por utilidade pública (sem prejuízo, como é óbvio, do regime jurídico dos loteamentos urbanos – Dec-Lei nº 448/91, de 29 de Novembro, alterado, por ratificação, pela Lei nº 25/92, de 31 de Agosto).

Recordo a V.Exª o dever previsto no art. 38º, nº 2, do Estatuto do Provedor de Justiça, aprovado pela Lei nº 9/91, de 9 de Abril, para cujo cumprimento me permito chamar a atenção.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel