Director-Geral dos Impostos
Número: 10/A/97
Processo: 1964/96
Data: 20.02.1997
Área: A2

Assunto: CONTRIBUIÇÕES E IMPOSTOS – IMPOSTO COMPLEMENTAR – IMPUGNAÇÃO JUDICIAL – EXECUÇÃO FISCAL

Sequência: Não Acatada

Foi solicitada a minha intervenção a propósito de uma questão que julgo poder ser solucionada de forma expedita pela administração fiscal, evitando ao Reclamante os prejuízos materiais decorrentes da situação em que actualmente se encontra e para a qual me permito solicitar a melhor atenção de V. Exª.

Estão em causa dois processos de impugnação de Imposto Complementar, Secção A, referentes aos anos de 1975 e 1982, aos quais foram atribuídos, na Repartição de Finanças do 8º Bairro Fiscal de Lisboa, os números…

Após o envio dos processos à Divisão de Justiça Tributária da Direcção Distrital de Finanças de Lisboa, para cumprimento do disposto no artigo 130º do Código de Processo Tributário, foram os mesmos remetidos ao Tribunal Tributário de 1ª instância, onde se encontram pendentes de decisão (Impugnação n.º … /96, no 1º Juízo, 1ª Secção e Impugnação n.º … /96, no 3º Juízo, 2ª Secção).

Alega o interessado , e em suma, nunca ter tido conhecimento da liquidação dos impostos que agora lhe são exigidos e para cuja cobrança chegaram mesmo a ser instaurados processos executivos, actualmente suspensos em virtude da pendência das impugnações supra mencionadas e da prestação de garantia pelo executado.

Para melhor elucidação, junto se anexam cópias das petições apresentadas pelo interessado em sede de impugnação judicial – documentos n.ºs 1 e 2.

Solicitados esclarecimentos à Secretaria de Execuções Fiscais e à Repartição de Finanças intervenientes no processo, constatou este órgão do Estado que nenhuma destas entidades tem em seu poder quaisquer elementos referentes às liquidações que terão estado na base das dívidas exequendas.

Com efeito, os processos executivos pendentes na Secretaria de Execuções Fiscais tiveram por base certidões de relaxe emitidas pela ex-Repartição Central do Imposto Complementar e pelo ex-11º Bairro, actualmente 8º Bairro Fiscal de Lisboa, das quais constavam todos os elementos essenciais à produção de efeitos das certidões de relaxe como títulos executivos (cfr. artigos 155º e 156º do Código de Processo das Contribuições e Impostos, vigente à data).

Assim sendo, e atendendo ao disposto no artigo 154º do citado Código, que equipara os conhecimentos e outros títulos de cobrança das contribuições e impostos a decisão com trânsito em julgado, os processos de execução fiscal em causa prosseguiram sem que aos mesmos houvesse necessidade de juntar quaisquer documentos referentes às liquidações que lhes deram origem.

Por outro lado, a Repartição de Finanças do actual 8º Bairro Fiscal de Lisboa já confirmou por diversas vezes não dispor de elementos referentes às liquidações impugnadas: fê-lo ao emitir, em … de 1995, a pedido do interessado, certidões atestando “não ser possível detectar a existência de qualquer processo de transgressão contra o Sr… (…) em cédula de Imposto Complementar Secção A” e atestando ainda não ser possível “localizar as liquidações bem como as cópias das notificações das referidas liquidações referentes ao Imposto Complementar – Secção A, dos anos de 1975 e 1982” (v. documentos n.ºs 3 e 4, que se juntam).

Resulta também das informações prestadas pelo 8º Bairro Fiscal de Lisboa em cumprimento do disposto na alínea c), do n.º 2, do artigo 129º do Código de Processo Tributário, que a respectiva Repartição não tem conhecimento da forma pela qual foi apurada a situação tributável do contribuinte, nem, tão pouco, da data das liquidações ou das respectivas notificações.

Em suma, daquelas informações nada consta, à excepção do que já resultava das certidões de relaxe e das impugnações do contribuinte. Nem de outra forma poderia ser, uma vez que estes são todos os elementos de que a Repartição de Finanças dispõe para apreciação da questão.

Ora, se para efeitos de execução fiscal, a não existência de elementos acerca da liquidação para além dos que constam do respectivo título não é impeditiva do prosseguimento do processo, atendendo à já referida equiparação dos títulos de cobrança a decisão com trânsito em julgado, já a inexistência, na Repartição de Finanças, de quaisquer registos referentes às liquidações e ao apuramento da situação tributária do contribuinte nos anos em causa, suscita fundadas dúvidas sobre a existência e quantificação do facto tributário.

Tais dúvidas, por força do disposto no artigo 121º, n.º 1, do Código de Processo Tributário, são motivo determinante da anulação dos actos impugnados, argumento que acresce aos já invocados pelo contribuinte nas petições que deram origem aos processos de impugnação a que me venho reportando.
Durante a vigência do revogado Código de Processo das Contribuições e Impostos, dada a inexistência de preceito análogo ao supra citado, a doutrina e a jurisprudência maioritárias entendiam que o ónus da prova da inexistência dos pressupostos do acto tributário cabia ao impugnante.

Com a entrada em vigor do novo Código de Processo Tributário, esta regra foi substancialmente alterada: por força da norma constante do citado artigo 121º, n.º 1, deixou de ser exigida ao impugnante a prova da inexistência dos factos geradores do imposto, bastando, para alcançar a anulação do acto tributário, que se constate haver fundada dúvida sobre a existência daqueles factos.

No caso em apreço, a falta de quaisquer registos e outros elementos do processo individual do contribuinte é confirmada pela Repartição de Finanças do 8º Bairro Fiscal de Lisboa, sendo tal facto justificado pela mudança de instalações da Repartição de Finanças (cfr. certidão emitida em … de 1995, a qual constitui o documento n.º 4, anexo à presente Recomendação).

Daquele processo individual do contribuinte constariam, certamente, elementos a partir dos quais seria possível identificar os factos geradores da obrigação de imposto que serviram de base às liquidações impugnadas. O seu desaparecimento, mais do que impedir a confirmação da correcção das liquidações e a regularidade das respectivas notificações ao contribuinte, põe em dúvida a existência – e, consequentemente, a quantificação – do facto tributário.

Apesar da pendência da questão em juízo, creio ser plenamente justificável uma intervenção da administração fiscal no sentido de evitar o arrastamento da questão por mais tempo, tanto mais que, por factos que lhe não são imputáveis, o contribuinte suporta actualmente os incómodos e prejuízos materiais decorrentes não só da impugnação judicial mas também da suspensão das execuções fiscais, obtida na sequência da prestação de garantia bancária.

A anulação oficiosa das liquidações em causa pela administração fiscal antecipará, pois, a única solução possível face a um caso em que as dúvidas sobre a existência e quantificação do facto tributário são manifestas e inultrapassáveis.

Encontrando-se pendente execução fiscal, o artigo 94º, alínea b), do Código de Processo Tributário, constitui base suficiente para a iniciação do processo de revisão oficiosa das liquidações em causa, na sequência do qual será possível proceder à respectiva anulação.
Realce-se que, muito embora a citada disposição legal estabeleça um prazo máximo de cinco anos para a revisão oficiosa da liquidação quando aquela for a favor do contribuinte, tal prazo não é de aplicar nos casos mencionados na parte final da mesma disposição, isto é, nos casos em que a revisão oficiosa ocorre no decurso da execução fiscal. Neste sentido aponta, inequivocamente, a letra do preceito, assim como a anotação 2.3 ao citado artigo 94º in Código de Processo Tributário anotado e comentado por F. Pinto Fernandes e J. Cardoso dos Santos, Rei dos Livros, 1991, págs, 268 e 269.

A anulação das dívidas exequendas terá como consequência a extinção das execuções fiscais, por força do disposto no artigo 349º do Código de Processo Tributário e, caso continuem pendentes à data, a extinção dos processos de impugnação judicial por inutilidade superveniente da lide, assim se repondo a justiça e legalidade da situação tributária do contribuinte.

Pelo exposto, que, como se disse, acresce ao já alegado pelo interessado em sede de impugnação judicial,

RECOMENDO

1. Que seja ordenada a anulação oficiosa das liquidações de Imposto Complementar, Secção A, dos anos de 1975 e 1982, às quais se reportam os processos de impugnação judicial e execução fiscal supra identificados;

2. Que, na sequência da anulação das dívidas exequendas, seja declarada a extinção dos mencionados processos de execução fiscal.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL