Secretária de Estado do Planeamento e Desenvolvimento Regional e
Secretário de Estado Adjunto e do Comércio Externo

Rec. nº 120/A/1993
Processo: R-18/93
Data: 20-8-1993
Área: A2

ASSUNTO: EMPRESA – CANDIDATURA – SISTEMA DE INCENTIVOS À MODERNIZAÇÃO DO COMÉRCIO

Sequência: Não Acatada

Tendo sido aberto nesta Provedoria de Justiça um processo com base na reclamação da Sociedade …,Ldª e que tem a referência R-18/93, após análise da mesma, foram retirados os seguintes aspectos:

I – A referida empresa não viu a sua candidatura ao SIMC (Sistema de Incentivos à Modernização do Comércio) ser aprovada pois, na pendência da decisão final, já ultrapassado o prazo legalmente previsto nos nºs 4 e 5 do art. 9º do Decreto-lei nº 75-A/91, de 15 de Fevereiro, entrou em vigor o Despacho Normativo nº 108/92, publicado no D.R. nº 149, Iª Série B, de 1 de Julho de 1992, que alterava o valor do indicador de relevância global, fixado pelo Despacho Normativo nº 50/92, de 13 de Abril.

II – A alteração do valor de 50 para 60 pontos como nível mínimo de indicador de relevância global fez com que a candidatura apresentada em 22 de Fevereiro de 1992 junto do Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa deixasse de se poder considerar elegível desde 1 de Julho de 1992, isto porque o nível que atingira era de 51,38 pontos.

III – A instituição bancária cumpriu o prazo legal do nº 3 do art.9º do Decreto-lei nº 75-A/91 (60 dias entre a entrada e a apresentação à Direcção-Geral do Comércio Interno) ao enviar a candidatura à D.G.C.I. em 21 de Abril de 1992.

IV – A homologação de Vossas Excelências só ocorreu em 9 de Setembro de 1992, quando a lei prevê que o prazo máximo entre a apresentação da candidatura e a decisão ministerial seja de noventa dias.

V – Assim, face ao exposto, podemos verificar que é na fase de instrução e decisão que os prazos legais não foram cumpridos, porquanto uma candidatura apresentada a 22 de Fevereiro deveria ser decidida até 22 de Maio, o que não sucedeu.

Note-se ainda que a D.G.C.I. e a D.G.D.R. têm um prazo máximo de 15 dias para apreciarem e submeterem a decisão as candidaturas elegíveis e não-elegíveis (nº 4 do art. 9º do D.L. nº 75-A/91, de 15 de Fevereiro).

VI – Do atraso desta decisão decorreu um prejuízo inegável para a empresa, pois na vigência do Decreto-lei nº 75-A/91 e da Portaria nº 133-A/91, de 15 de Fevereiro e até já na vigência do Despacho Normativo nº 50/92, de 13 de Abril (ou seja, já posterior à apresentação da candidatura mas ainda dentro do prazo consagrado no art. 9º, nº 5 do D.L. nº 75-A/91), a candidatura era elegível e foi a ausência de cumprimento, por parte da Administração, do prazo legalmente estabelecido que fez com que, com a entrada em vigor do Despacho Normativo nº 108/92, de 1 de Julho, a candidatura se tornasse não elegível.

Não elegível por não atingir o nível de relevãncia global doravante exigido – 60 pontos e já não 50.

VII – Não parece ser possível retirar da situação descrita outra conclusão que não aquela que afirme que da ausência de actuação no sentido de decidir a candidatura no prazo legal derivaram prejuízos à empresa candidata e que, sendo unicamente imputável à Administração esse mesmo não cumprimento, as lesões sofridas devem por ela ser reparadas, através da revisão do processo e concessão do subsídio nos termos previstos ou através de uma indemnização correspondente às perdas sofridas.

O grau de previsibilidade da empresa candidata quanto à actuação da Administração mostra-se muito alto – veja-se todo o conjunto de aquisições que fez – e é espelho de uma posição de confiança, cuja protecção é actualmente vista como um princípio enformador do Estado de Direito democrático.

VIII – A existência de um conjunto de actos preparatórios fundamentadores da decisão final- que inicialmente se tratava de um acto discricionário e que com a entrada em vigor do Despacho Normativo nº 50/92 se tornou num acto vinculado pela fixação de critérios a adoptar na hierarquização e selecção das candidaturas – criou na candidata uma expectativa cuja frustração radica unicamente num atraso da Administração, violador de um interesse legítimo da empresa, pois que pelo facto de ter atingido 51,38 pontos de indicador de relevância global se lhe conferia uma posição de vantagem de natureza material cujo conteúdo se reconduzia precisamente a estes poderes instrumentais de conformação do exercício da actividade administrativa. (1)

IX – Questionável é também o facto de a Administração se prevalecer da entrada em vigor do Despacho Normativo nº 108/92 para fundamentar o indeferimento em Setembro de 1992 e em que parece ressaltar uma clara violação do princípio da tutela da confiança, elemento concretizador da boa-fé.(2)

Concretizando este elemento da boa-fé surge-nos uma figura de um comportamento inadmissível – o “venire contra factum proprium” – em que a Administração deixa entender ir tomar certa atitude e, depois, toma uma atitude diametralmente oposta.

Ou ainda uma situação de “tu quoque” em que a Administração pratica um facto ilícito e depois o alega contra a empresa, fazendo dele fundamento da sua decisão de indeferimento.

X – Nestes termos, Sua Excelência o Provedor de Justiça solicita a Vossa Excelência, Senhora Secretária de Estado do Planeamento e do Desenvolvimento Regional, que me informe se já exarou despacho no recurso interposto pela Sociedade …,Ldª.

Caso a resposta seja negativa, faz a seguinte

RECOMENDAÇÃO

Seja dado despacho de deferimento ao recurso em questão, por todas as razões acima expostas.

Caso já se tenha pronunciado em sentido contrário ao recomendado, faz a seguinte

RECOMENDAÇÃO

a Vossas Excelências, Senhora Secretária de Estado do Planeamento e Desenvolvimento Regional e Senhor Secretário de Estado Adjunto e do Comércio Externo,

Revoguem esse mesmo acto de indeferimento e profiram despacho no sentido da candidatura ser reapreciada no âmbito do quadro legal existente à data em que a candidatura deveria ter sido ponderada e decidida.

Solicita ainda a atenção de Vossas Excelências para o cumprimento do prazo previsto no art. 38º, nº 2, da Lei nº 9/91, de 9 de Abril.

O Provedor-Adjunto de Justiça, que assina por delegação,

(Carlos Alberto Vaz Serra Lima)

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(1) Cfr. Dr. Luís M. Sousa Fábrica – “A Acção para o reconhecimento de Direitos e interesses legalmente protegidos” – in B.M.J. nº 365 (1987).

(2) Cfr.Prof. António Menezes Cordeiro- “Teoria Geral do Direito Civil”- Sumários/A.A.F.D.L. 1986/87.