Secretário de Estado da Cultura

Rec. nº 108/A/1993
Processo: R-2313/91
Data: 4-8-1993
Área: A1

ASSUNTO: CULTURA E COMUNICAÇÃO SOCIAL – CINEMA – ASSISTÊNCIA FINANCEIRA – DIREITO À INFORMAÇÃO

1. A ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE REALIZADORES DE FILMES apresentou-me exposição em que contesta determinados aspectos relacionados com os despachos normativos, nº, 53/91 (D.R.- 1ª série de 4.3.91) e nº 231/91 (D.R. – 1ª série de 17.10.91).

2. A esta matéria referem-se os ofícios do Gabinete de Vossa Excelência nº …, de 5.2.92 e nº … de 11.3.92.

3. Posteriormente, a mesma ASSOCIAÇÃO solicitou-me entrevista pessoal em que suscitou mais alguns aspectos relacionados com o regime geral da assistência financeira á produção cinematográfica, nas suas três vertentes (selectiva, directa e excepcional).

4. Analisados todos os aspectos que foram levados à minha consideração, conclui o seguinte:

4.1. Quanto aos anúncios para apresentação de candidaturas ao 1º concurso do ano de 1991, em diversos jornais, antes da publicação em Diário da República do DN 53/91

Seria admissível essa publicitação se o DN 53/91 já tivesse sido publicado em Diário da República.
A publicitação antes da publicação não o é, pois o meio legalmente idóneo para o Governo dar a conhecer aos cidadãos os regulamentos que edita é a 1º série, parte B, do Diário da República, não constituindo a publicidade inserta em jornais sucedâneo dessa publicação (artº 122º, nº 1, alínea h) e nº 2, da Constituição e artº 3º, alínea d) da Lei nº 1/91, de 2 de Janeiro, com a nova redacção dada pela Lei nº 6/83, de 29 de Julho).

4.2. Quanto à retroactividade prevista no nº 3 do DN 53/91 e no nº 2 do DN 231/91

A doutrina dominante (Freitas do Amaral, Direito Administrativo, vol. III, 1989, p. 48; Mário Esteves de Oliveira, Direito Administrativo, vol. I., p. 142; Afonso Rodrigues Queiró, Teoria dos Regulamentos, RDES, ano XXVII – Janeiro-Dezembro – 1/2/3/4, nº 18) entende que os regulamentos, enquanto instrumentos normativos de grau inferior, não podem dispor retroactivamente, salvo quando executam leis com eficácia retroactiva, quando assumem a forma de regulamentos delegados com eficácia retroactiva autorizada por lei ou quando fixam sanções mais favoráveis.

Ora, a retroactividade prevista naqueles regulamentos não foi autorizada pelo artº 3º do D.L. nº 22/84, de 14 de Janeiro.

4.3. Quanto ao tipo de retroactividade previsto no nº 3, alínea c), do DN 53/91

Este artigo consagra um direito (a possibilidade de candidatura ao 1º concurso de 1991) que já se encontrava extinto no momento em que os particulares dele tomaram conhecimento através dos meios legalmente idóneos. Trata-se de um tipo de retroactividade que viola a “protecção da confiança dos cidadãos”, ínsita no princípio do Estado de Direito Democrático previsto no artº 2º da Constituição e que nem sequer tem a apoiá-la razões de interesse público relevante ou circunstâncias excepcionais de crise económico-financeira, que justifiquem esse comportamento. (cfr. Ac. do T.C. nº 11/83 – D.R. – 1ª série de 20.10.83).

4.4. Quanto à intervenção do Conselho Consultivo do IPC (mediante a emissão de parecer) na apreciação dos projectos de assistência financeira à produção

Esta intervenção é exigida pelo artº 13º, alínea b), do D.L. nº 391/82, de 17 de Setembro, que não distingue entre “projectos genéricos” e “projectos específicos”. Esta intervenção estava prevista no artº 14º, nº 2, do regulamento aprovado pelo DN 14/87.
No “bloco de legalidade” que os regulamentos devem respeitar incluem-se as leis em geral, pelo que os DN 53/91 e DN 231/91 deverão ser reformulados de modo a que a intervenção daquele Conselho Consultivo ocorra, relativamente aos vários tipos de assistência financeira à produção, na fase processual considerada mais adequada.

4.5. Quanto à previsão, no DN 53/91, dos critérios por que se norteará o júri na selecção dos vários projectos

Os artºs 15º, nº 1, e 22º do DN 53/91 não contemplam os critérios por que se norteará o júri, já que o primeiro preceito se reporta à fase liminar, em que não há intervenção do júri e o segundo não respeita ao júri, mas ao produto. Nenhum preceito deste regulamento fixa critérios, tal como ocorria nos artºs 10º e 15º do DN 14/87.
Não é essencial tal previsão, desde que as deliberações do júri sejam fundamentadas (artº 268º, nºs 3 e 4, da Constituição), entendendo-se como fundamentação suficiente aquela que permite reconstruir “o itinerário cognoscitivo e valorativo” percorrido pela entidade decidente (cfr., entre outros, Acs. do S.T.A. de 21.5.87 (B.M.J. 367/380), de 4.3.89 (B.M.J. 365/426) e de 11.12.86 (B.M.J. 362/428).

4.6. Quanto à assistência financeira atribuída por despacho de 23.5.91 ao realizador José Fonseca e Costa

De acordo com as propostas que fundamentaram a emissão deste despacho (cfr. § 3º da acta da reunião da Direcção do IPC de 8.5.91) a assistência financeira a este realizador parece revestir a natureza de “assistência financeira excepcional”. Confrontando o regime aplicável a este tipo de assistência nos termos do DN 14/87, com o que veio a ser definido pelo DN 231/91, verifica-se que o primeiro regulamento também teria propiciado fundamento legal para tal atribuição. A ser correcta esta conclusão, parece inútil a previsão da retroactividade do DN 231/91.

4.7. Quanto à publicitação atempada dos montantes a atribuir a cada tipo de assistência financeira e participação do Conselho Consultivo do IPC na distribuição precentual das receitas

O artº 4º do DN 53/91 e o artº 4º do DN 231/91 exigem a publicitação, até 31 de Dezembro de cada ano, dos montantes a atribuir no ano seguinte a cada tipo de assistência financeira.

Estas normas visam garantir uma certa previsibilidade dos realizadores quanto à política governamental em matéria de concessão de subsídios. Para além da previsibilidade, como instrumento conformador da actuação dos particulares, deverá ser garantido um critério equitativo de distribuição pelos vários tipos de assistência. Nos termos do artigo 13º, alínea a), do D.L. nº 391/92, de 17 de Setembro o Conselho Consultivo do IPC deverá emitir parecer prévio sobre a distribuição percentual para os vários tipos de assistência financeira.

4.8. Quanto ao pagamento atempado dos financiamentos concedidos

O regime de pagamentos deverá constar dos acordos de assistência financeira celebrados com os realizadores, cujos projectos tenham sido seleccionados (artºs 11º e 20º do DN 53/91 para a assistência selectiva à produção, artº 9º do DN 231/91 para a assistência financeira directa, aplicável ex-vi do artº 16º do mesmo diploma para a assistência financeira excepcional).

Sem pôr em causa situações de carência financeira excepcional do IPC, a afectação dos montantes financeiros às suas várias actividades deverá estabelecer-se por forma a que sejam cumpridos os prazos de pagamento pré-estabelecidos com os realizadores.

5. Em face do anteriormente exposto, ao abrigo da competência que me é conferida pelo artº 20º, nº 1, alíneas a) e b), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril, formulo a Vossa Excelência a seguinte

RECOMENDAÇÃO

5.1. Que promova a reformulação do regime dos DN 53/91 e DN 231/91 no sentido de propiciar a intervenção do Conselho Consultivo do IPC, na fase processual considerada mais adequada, quanto à emissão de parecer sobre os vários projectos de assistência financeira à produção cinematográfica, como é exigido pelo artº 13º, alínea b), do D.L. nº 391/82, de 17 de Setembro;

5.2. Que promova a divulgação atempada dos montantes a atribuir anualmente a cada tipo de assistência financeira, com audição prévia do Conselho Consultivo do IPC prevista no artº 13º, alínea a), do D.L. nº 391/82 de modo a garantir previsibilidade e equidade na distribuição dos vários tipos de assistência e pagamento atempado dos mesmos.

6. Solicito a Vossa Excelência que me mantenha informado sobre a sequência dada a esta Recomendação.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel