Reitor da Universidade de Évora
Número: 29/A/97
Processo: 1670/95
Data: 14.04.1997
Área: A4

Assunto: FUNÇÃO PÚBLICA – PENA DISCIPLINAR DE DEMISSÃO – EXECUÇÃO DE ACORDÃO ANULATÓRIO – REINTEGRAÇÃO DE FUNCIONÁRIO

Sequência: Não Acatada

I

1. O Doutor M…, docente da Universidade de Évora, solicitou, em tempo, a intervenção desta Provedoria de Justiça, por considerar ter sido objecto de pena expulsiva de demissão, aplicada pelo Senado da Universidade, que refutou como ilegal e injusta.

2. Posteriormente o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa veio a declarar nula a referida deliberação de … de 1993, da Secção Disciplinar do Senado da Universidade de Évora, por sentença de … de 1994, prolatada no Proc. n.º … /93, – 2ª Secção, com fundamento na incompetência absoluta da referida Secção Disciplinar do Senado.

3. Não se conformando, a Universidade de Évora recorreu da decisão para o Supremo Tribunal Administrativo o qual, por Acórdão proferido no Proc. n.º … , 1ª Secção, 2ª Subsecção, deliberou não tomar conhecimento do recurso.

4. Todavia, declarado nulo o acto e pese as insistências do Reclamante, este nunca veio a ser reintegrado nem lhe foram pagos quaisquer vencimentos, em execução do acórdão anulatório, tendo o respectivo processo disciplinar sido enviado a Sua Excelência o Ministro da Educação, supõe-se que para renovação do acto.

5. Diligenciou esta Provedoria de Justiça, no âmbito da instrução do processo, que a Universidade de Évora executasse a decisão judicial, mas esta sempre manteve o entendimento de que o envio do processo a Sua Excelência o Ministro da Educação configurava a referida execução.

II

6. Ora, no contencioso anulatório, a tutela dos direitos, liberdades e garantias é uma tutela indirecta, cabendo à Administração – no caso à Universidade – tomar as providências adequadas a que a declaração de nulidade produza os seus efeitos normais, com o fim de apagar inteiramente os vestígios da ilegalidade cometida, reconstituindo a situação que existiria, hoje, se o acto não tivesse sido praticado (neste sentido Parecer da PGR n.º 183/81, II Série do D.R. n.º 109, de 12.05.82).

7. Assim, como flui do supra-citado Parecer: ” Como quer que seja, o Estado, e com ele as restantes pessoas colectivas que compõem a Administração, deve dar o exemplo de submissão às leis e às sentenças, sem o que desacredita a justiça que é emanação da sua soberania e afirmação de um dos seus fins supremos”.

8. A obrigação de executar as sentenças configura-se como um verdadeiro dever, directamente fundado nos princípios estruturantes de um Estado de Direito (art.º 2º da Constituição da República Portuguesa).

9. Tal dever decorre, ainda, expressamente do art.º 208º da Lei Fundamental, disposição que expressamente estipula que as decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer entidades, impondo à lei que regule os termos da execução das decisões dos tribunais relativamente a qualquer autoridade e estatuindo ainda as sanções a aplicar ao responsável pela sua inexecução.

10. A execução das sentenças dos tribunais administrativos é regulada pelos art.º 5º e segs. do D.L. n.º 256-A/77, de 17 de Junho, diploma que consagra de forma inequívoca a obrigação de executar as sentenças, salvo invocação de causa legítima de inexecução que o tribunal apreciará.

11. Neste contexto importa referir que o contencioso anulatório, contrapondo-se ao contencioso de plena jurisdição, por natureza confere à Administração uma acrescida obrigação de repor a ordem jurídica, uma vez declarado nulo ou anulado o acto impugnado, como se ele jamais tivesse sido praticado.

12. Como é de doutrina e jurisprudência pacíficas, a sentença anulatória destroi “ex tunc”, retroactivamente, o acto ilegal praticado (Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, I vol., pág. 518 e II vol. págs. 1215 e segs; Freitas do Amaral, Direito Administrativo IV, pág. 229; Sérvulo Correia, Noções de Direito Administrativo, I, pág. 367 e Mário Esteves de Oliveira, Direito Administrativo, I, pág. 545; em sede jurisprudencial no Ac. do STA in Ac. Dout. n.º 327).

13. Acresce que a sentença anulatória tem eficácia “erga omnes” (neste sentido Marcello Caetano, Manual; Rui Machete, “O caso julgado nos recursos directos de anulação”, Freitas do Amaral em “A execução das sentenças nos tribunais administrativos e Ac. do STA” de 18.04.85 in Ac. Dout. do STA n.º 287), impondo-se para além das partes, do que decorre a obrigação de regularizar a nóvel situação por ela criada.

14. Ora, aqui chegados, importa sublinhar que a execução da sentença tem forçosamente de ter efeitos retroactivos, por forma a habilitar a integração da ordem jurídica violada.

15. Significa isto que a Administração está inibida de renovar o acto declarado nulo ou anulado? Não.

16. Todavia, tal possibilidade, há muito reconhecida, há-de fazer-se sempre de forma a que inexista irretroactividade do acto renovado, como é de jurisprudência pacífica (cfr. Dout. n.º 338, págs. 153 e segs.).

17. Já o Prof. Freitas do Amaral, em “A execução das sentenças nos tribunais administrativos”, refere a este propósito uma sentença do Supremo Tribunal Administrativo, de 1940, onde se determina que a possibilidade de renovação de uma punição disciplinar anulada por vício formal, não isenta a Administração de repor o vencimento que o Recorrente deixara de receber desde o momento da demissão até à prática do acto de renovação.

18. É de facto jurisprudência firmada a do princípio geral da irretroactividade do novo acto praticado em substituição de acto ilegal anulado, admitindo-se que tal princípio só cede quando a retroactividade beneficia o interessado que obteve a anulação – excepção que não é manifestamente aplicável ao caso vertente – atenta a necessidade de reconstituição da situação anterior à prática do acto anulado (Ac. Dout. do STA, n.º 282, págs. 708 e segs.).

19. Declarado nulo o acto que aplicou pena disciplinar de demissão, incumbe ao órgão que o praticou reconstituir a situação tal como se o acto não tivesse sido praticado.

20. O que antecede não obsta à possibilidade de a Administração pretender renovar o acto nos termos explicitados, sem prejuízo de nova impugnação.

21. Todavia, no caso vertente, verifica-se que a Universidade de Évora não reintegrou o Reclamante nem lhe processou o vencimento desde a data em que lhe foi aplicada a sanção, como se impunha.

Face ao exposto,

RECOMENDO

A V. Ex.ª que proceda à reintegração do Professor Doutor M… e ordene o processamento de vencimentos a que tem direito, desde a data em que foi praticado o acto declarado nulo.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL