Primeiro Ministro
Número:16/B/97
Processo:R. 4942/96
Data:1.09.1997
Área:A3

Assunto:SEGURANÇA SOCIAL – PENSÃO DE APOSENTAÇÃO – DOCENTE – DISTINÇÃO POR MÉRITO EXCEPCIONAL – CONTAGEM DE TEMPO DE SERVIÇO – REVISÃO DA PENSÃO.

Sequência:Sem Resposta.

1. O Sr. Professor B… dirigiu-me uma exposição onde invoca, essencialmente, o seguinte:

A. No dia 21 de Dezembro de 1957, tendo indicações de que era perseguido pela P.I.D.E., solicitou a exoneração do cargo público que ocupava a fim de evitar ser demitido por abandono do lugar.
B. Vendo-se obrigado a abandonar a Guiné-Bissau veio a fixar residência em Dacar, no Senegal.
C. Nesse país exerceu funções no liceu de Van Vollenhoven e na Faculdade de Letras de Dacar, nos períodos compreendidos, respectivamente, entre 1961 e 1971 e 1971 e 1983.

2. A exposição do interessado foi acompanhado de uma declaração da Embaixada de Portugal em Dacar, datada de 19 de Agosto de 1994, de acordo com a qual:

A. O Professor B… foi o primeiro professor nomeado para ministrar cursos da língua portuguesa no ensino secundário, em 1961.
B. Transitou para o Departamento de Português na Faculdade de Letras em 1971, data em que esse departamento foi criado, tendo nele exercido funções como professor e coordenador.
C. Em 1961 optaram pelo ensino do português oito alunos, em dois liceus de Dacar.
D. Em 1994 a língua portuguesa era ministrada a cerca de seis mil alunos, por sessenta professores em trinta e dois estabelecimentos de ensino secundário em todo o Senegal.
E. O Professor B… iniciou a sua carreira no ensino com os referidos oito alunos sendo que, à data da cessação de funções, ensinara cinquenta dos sessenta professores de português do ensino secundário e todos os professores do ensino superior, em número de quatro.

3.
A. O Professor B… prestou serviço na Administração Ultramarina, como aspirante do quadro técnico aduaneiro das alfândegas da Guiné nos períodos compreendidos entre 7 de Abril de 1941 e 10 de Agosto de 1943 e entre 15 de Maio de 1944 e 21 de Dezembro de 1957.
B. Em 20 de Agosto de 1980 solicitou a atribuição de uma pensão de aposentação ao abrigo do Decreto-Lei n.º. 462/78, de 28 de Novembro (na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º. 23/80, de 29 de Fevereiro), tendo sido apurados, em contagem final de tempo, dezanove anos e um mês de serviço, atento o disposto no art.º. 453º. do Estatuto do Funcionalismo Ultramarino.

4. Neste contexto, o exponente manifestou a pretensão de ver revista a pensão que lhe foi atribuída, por forma que o respectivo cálculo incluísse a contagem do tempo de ensino da língua portuguesa no Senegal – 23 anos – e também que, para o efeito, seja tida em conta a categoria de professor universitário, que detinha à data da cessação da sua actividade.

5. Está, porém, ciente de que não existe nenhuma lei que viabilize essa sua pretensão que, embora legalmente não tutelada, se funda em ordens de razões cujo merecimento tem sido reconhecido no ordenamento jurídico português.

6. De facto, nomeadamente após o 25 de Abril de 1974, diversos diplomas legais tiveram na sua origem razões de natureza política, ou materialmente análogas e razões ligadas ao mérito dos cidadãos nacionais no que respeita a valores essenciais da sociedade portuguesa.

7. Entre outros, passam a referir-se os seguintes:

A. Razões Políticas

8. O Decreto-Lei n.º. 173/74, de 26 de Abril, que, no essencial, veio possibilitar a reintegração de servidores do Estado que tivessem sido afastados do serviço por motivos políticos.

9. A Lei n.º. 20/97, de 19 de Junho, relativa à contagem do tempo de prisão e de clandestinidade por razões políticas para efeitos de pensão de velhice ou de invalidez.

A. Razões Materialmente Análogas

I.10. O Decreto-Lei n.º. 180/76, de 9 de Março e o Decreto-Lei n.º. 363/85, de 10 de Setembro, relacionados com a cooperação entre o Estado Português e os Países Africanos de língua oficial portuguesa.
II.11. A Lei n.º. 74/77, de 27 de Setembro, e o Decreto-Lei n.º. 519-E/79, de 28 de Dezembro, relativos ao ensino e divulgação da língua e cultura portuguesas no estrangeiro.

A. Razões de Mérito

12. O Decreto-Lei n.º. 171/77, de 30 de Abril e o Decreto-Lei n.º. 43/78, de 11 de Março, referentes à atribuição de pensões em função de méritos excepcionais na defesa da liberdade e da democracia.

13. Estes diplomas não são, porém, susceptíveis de viabilizar a pretensão do interessado atentos os seus âmbitos pessoais, materiais ou temporais e nalguns casos, as vias adoptadas para a efectivação dos direitos neles consagrados.

14. Importa, no entanto, reconhecer que os valores tutelados nesses diplomas se identificam com os valores subjacentes às ordens de razões invocadas pelo Professor B… .

15. Esse facto legitima, em termos de justiça, a sua pretensão.

16. De facto, para além dos acontecimentos de natureza política que condicionaram o desenvolvimento da carreira e da própria vida do Professor B…, está demonstrada, presentes os elementos disponíveis, a sua actuação em prol da língua e cultura portuguesas, em perfeita consonância com a previsão do art.º 78º, n.º 1, al. e) da Constituição da República Portuguesa.

17. Que constituem, indubitavelmente, valores essenciais da sociedade portuguesa, em relação aos quais, aliás, resultam especiais obrigações para o Estado, conforme decorre do art.º 9º alíneas e) e f) da Constituição da República Portuguesa. Na verdade, é a cultura que caracteriza e permite a identificação de um povo como tal.

18. Creio, pois, que o reconhecimento e recompensa de méritos excepcionais de cidadãos nacionais na área da divulgação da cultura e da língua portuguesas, em termos semelhantes ao que foi feito relativamente aos méritos excepcionais na defesa da democracia e da liberdade através do Decreto-Lei n.º. 171/77, de 30 de Abril, seria de inteira justiça.

19. Note-se, aliás, que a consolidação e desenvolvimento dos valores culturais referidos são também factores que contribuem de forma determinante para a garantia da democracia e da liberdade.

20. Acresce que o reconhecimento e recompensa dos méritos excepcionais dos cidadãos nacionais na área da divulgação da cultura da língua portuguesas, para além de se justificar face às razões aduzidas, é ainda mais desejável nos casos em que insuficiências de natureza económica constituem impedimentos ao desenvolvimento de uma vida condigna.

21. Em face do exposto,RECOMENDO:

A Vossa Excelência a adopção de uma medida legislativa tendente ao reconhecimento de méritos excepcionais de cidadãos nacionais na divulgação da cultura e da língua portuguesas.
Medida que poderá incluir um mecanismo análogo ao previsto no art.º. 5º, n.º. 2, do Despacho Normativo n.º. 9-H/80, de 9 de Janeiro, publicado na sequência do Decreto-Lei n.º 171/77, de 30 de Abril.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel