Exm.º Senhor
Presidente do Centro Nacional de Pensões
Número:49/A/96
Processo:R-1274/93
Data:2.05.1996
Área: A3

Assunto:SEGURANÇA SOCIAL – PENSÃO DE INVALIDEZ – REVOGAÇÃO ILEGAL.

Sequência: Não Acatada.

1. O Senhor… dirigiu-me uma reclamação, onde alega, essencialmente, que em 25.10.90 lhe foi atribuída uma pensão de invalidez do regime geral de segurança social, tendo-lhe sido comunicado pelo ofício desse Centro n.º 11094, de 11.5.95, que a pensão iria ser “excluída” a partir de Junho de 1995.

2. Fundamenta-se tal deliberação, segundo o mesmo ofício, na circunstância de o reclamante não reunir um requisito necessário para a atribuição da pensão, requisito que, em comunicação anterior, se esclareceu tratar-se do prazo de garantia. Na verdade, o aludido contribuinte apresentava apenas, no momento da atribuição da pensão, 48 meses com registo de remunerações, quando o Decreto Regulamentar n.º 60/82, de 15 de Setembro, então vigente, exigia para aquele efeito o prazo de garantia de 60 meses.

3. A pensão de invalidez do reclamante deixou, efectivamente, de ser paga a partir do mês de Junho de 1995.

4. A primeira conclusão a formular da apreciação jurídica da situação de facto descrita é a de que a revogação do acto de atribuição da pensão de invalidez está ferida de ilegalidade. Com efeito, o art.º 141.º do Código de Procedimento Administrativo apenas admite a revogação de actos administrativos com fundamento na sua invalidade durante o prazo do respectivo recurso contencioso ou até à resposta da entidade recorrida. Este prazo havia decorrido há muito quando foi comunicada ao pensionista a cessação do pagamento da pensão. E, para além do termo do aludido prazo, a revogação dos actos constitutivos de direitos só é permitida, nos termos do art.º 140.º do mesmo Código, mediante o consentimento do interessado.

5. Convirá acrescentar, por outro lado, que o art.º 15.º do Decreto-Lei n.º 133/88, de 20 de Abril, (diploma invocado no ofício que comunicou a cessação do pagamento da pensão) não era aplicável à situação “sub judice”, porquanto havia sido revogado pela entrada em vigor do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º442/91, de 15 de Novembro.

5.1.A doutrina dominante tem entendido, desde a entrada em vigor do Código de Procedimento Administrativo, que este revogou a legislação, de carácter geral ou especial, sobre o regime do acto administrativo. Defende-se, com efeito, que a interpretação do art.º 2.º, n.º 6 do Código de Procedimento Administrativo (na sua versão originária) implica proceder a uma classificação ou divisão das normas deste Código, distinguindo “quatro grandes sectores normativos” (MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA E OUTROS, Código de Procedimento Administrativo Comentado, vol. I, pag. 130): os princípios gerais do procedimento administrativo, as normas genéricas sobre organização administrativa, as regras de direito substantivo aplicáveis à actividade administrativa e as normas particularizadas sobre trâmites processuais.

Assim, as normas dos três primeiros grupos aplicar-se-iam a todos os procedimentos, ainda que especialmente regulados, enquanto as do último grupo apenas se aplicariam em caso de lacuna de regulamentação das normas particulares de tramitação procedimental e se daí não resultar diminuição de garantias dos particulares.

Quanto ao terceiro grupo de normas enunciado, conteria ele as normas da Parte IV do Código (onde se integra o regime dos actos administrativos) as quais se entende terem “validade geral e vocação universal, pelo que se aplicam a todos os regulamentos, actos e contratos administrativos da nossa Administração Pública e aos respectivos procedimentos decisórios ou executivos, ainda que especialmente regulados” (DIOGO FREITAS DO AMARAL E OUTROS, Código do Procedimento Administrativo Anotado, 2ª ed., pg. 29; Para além dos autores citados, cfr., ainda, JOSÉ LUÍS ARAÚJO e JOÃO ABREU DA COSTA, Código do Procedimento Administrativo Anotado).

5.2. Idêntica solução, agora no que toca especificamente à vigência do art.º 15.º do Decreto-Lei n.º 133/88, de 20 de Abril e do art.º 41.º, n.º 3 da Lei n.º 28/84, de 14 de Agosto, preconizou o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, no Parecer n.º 38/92, votado na sessão de 10.3.93 (não homologado). Aí se conclui, na verdade, que:

“Um Código é, por natureza, um acto legislativo completo, esgotante, que procura regular exaustivamente e de forma exclusiva as matérias que constituem o seu objecto, pelo que na sua aprovação vai sempre ínsita a ideia de revogação em bloco de toda a legislação que até aí vigorava sobre a matéria;
Para se concluir pela revogação global de uma lei, não é necessário demonstrar a incompatibilidade específica de cada um dos seus normativos com o preceituado da nova lei, bastando que esta constitua uma nova disciplina genérica e global da matéria, não sendo exigível uma correspondência ponto por ponto;
O Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro, inclui disposições em que se ressalva o disposto em lei especial, devendo entender-se, consequentemente, que, fora desses casos de ressalva, a disciplina do Código prevalece sobre as leis especiais anteriores”.

5.3.A posição supra descrita quanto ao âmbito de aplicação do Código foi, aliás, consagrada na recente alteração introduzida no preceito em causa pelo Decreto-Lei n.º 6/96, de 31 de Janeiro, num propósito de clarificação que se realça no respectivo preâmbulo.
6. Acresce a todo o exposto que a situação em análise merece atenção especial, em razão de critérios de humanidade, porquanto padecendo o reclamante de doença do foro psiquiátrico que inviabiliza a obtenção de emprego necessário ao preenchimento do prazo de garantia, não reúne os requisitos para a atribuição de pensão social, não obstante a débil situação económica em que se encontra.

Em face do exposto,RECOMENDO:

a V.ª Ex.ª a revogação, com fundamento em invalidade, do acto que revogou a atribuição de pensão de invalidez ao pensionista, retomando-se o pagamento e entregando-se ao interessado o valor das prestações não pagas desde Junho de 1995 até à data da regularização da questão.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel