Exm.º Senhor
Presidente do Conselho de Administração do Hospital de S. José
Processo:R-83/96
Número: 59/A/96
Data:17.06.1996
Área:A4

Assunto:FUNÇÃO PÚBLICA – CARREIRA – MÉDICO – SERVIÇO DE URGÊNCIA – PERÍODO DE FÉRIAS – REMUNERAÇÃO DEVIDA – NÃO PAGAMENTO – ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA

Sequência:Acatada

I-Os Factos

1. Em queixa que me dirigiu, a médica Dr.ª… alegou, em síntese, o seguinte:

1.1. Na sequência de contacto informal por parte da Direcção do Serviço de Urgência do Hospital de S. José, foi autorizada a prestar a sua colaboração profissional ao mencionado serviço hospitalar, durante os meses de Julho, Agosto e Setembro de 1995, tendo-lhe sido comunicado pelo Exm.º Director do Serviço de Urgência que deveria iniciar a sua actividade médica a partir de 7 de Julho de 1995, determinação que veio a ser cumprida.

1.2. Tendo, entretanto, conhecimento que o Conselho de Administração do Hospital de S. José só aprovava a sua colaboração ao mencionado Serviço de Urgência, nos meses de Julho e Agosto de 1995, solicitou, em 28 de Agosto de 1995, em carta que dirigiu ao Director do Serviço de Urgência, e por sugestão deste, autorização para prolongar a sua colaboração para o mês de Setembro seguinte, dada a reconhecida falta de médicos, exposição que obteve despacho de concordância do Chefe da equipa 8 do Serviço de Urgência (vid. cópia em anexo).

1.3. Embora não obtivesse resposta ao pedido formulado, a queixosa prestou, na realidade, a sua colaboração profissional ao mencionado Serviço de Urgência durante o mês de Setembro de 1995.

1.4. E, em finais de Outubro de 1995, foi informada, que se encontrava a pagamento a remuneração correspondente ao serviço prestado durante o mês de Agosto, o qual com alguma demora veio a ser efectivado, ficando por liquidar e pagar o serviço efectivamente prestado em Setembro de 1995, nas circunstâncias alegadas.

2. Solicitada informação pertinente à queixa apresentada ao Exm.º Administrador-Delegado desse Conselho de Administração, veio a prestá-la na forma constante dos ofícios n.ºs …, nas quais se expressa essencialmente o seguinte entendimento:

2.1. A médica em causa só foi autorizada a prestar os seus serviços clínicos no serviço de urgência, no mês de Agosto de 1995, serviços que lhe foram efectivamente pagos.

2.2. Não se responsabiliza o Conselho de Administração do Hospital de S. José pelo pagamento de outros serviços que a mesma médica tenha eventualmente prestado, “ainda que com a concordância de quem não tinha qualquer competência para autorizar, quer a respectiva aquisição, quer a assunção das inerentes despesas”.

2.3. Deste modo, o reclamado pagamento referente ao mês de Setembro de 1995, não pode ser efectivado por se reportar a despesa não autorizada, e por essa razão ilegal. (citado ofício n.º …., pontos 3 e 4).

II-Apreciação Jurídica

3. O precedente registo factual, e os elementos informativos recolhidos no processo instaurado neste Órgão de Estado, fundamentam, em primeiro lugar, a conclusão de que embora esse Exm.º Conselho de Administração tenha autorizado, por forma limitativa, a integração da médica queixosa na Equipa 8, do Serviço de Urgência do Hospital de S. José, apenas durante o mês de Agosto de 1995, certo é que não podia nem devia desconhecer, como órgão responsável pela gestão coordenação e controlo do funcionamento do Hospital em causa, (artigos 2.º, n.º 1, e artigo 4.º do Decreto Regulamentar n.º 3/88 de 22 de Janeiro), que a aludida médica prestou efectivamente colaboração ao Serviço de Urgência durante o mês de Setembro de 1995, certamente com o conhecimento e autorização tácita das chefias médicas responsáveis pelo Serviço de Urgência e pela Equipa 8 que o integrava.

4. Aliás, tal entendimento é implicitamente admitido por esse Exm.º Conselho de Administração, ao asseverar no ponto 3 do citado ofício n.º …, “… que não se responsabiliza o Hospital de S. José pelo pagamento de outros (Serviços) que eventualmente ela tenha prestado, ainda que com a concordância de quem não tinha qualquer competência para autorizar”, juízo assertório ulteriormente corroborado no ofício n.º …, em cujo ponto 3, é admitida a “eventual conivência de algumas chefias médicas” para a situação posta em crise.

5. Mas se é assim, como se afigura resultar dos dados disponíveis do processo instaurado, deverá esse Exm.º Conselho de Administração, no uso das competências que lhe são especialmente cometidas no artigo 4.º do Decreto-Regulamentar n.º 3/88 de 22 de Janeiro, de modo particular as respeitantes à matéria disciplinar (alínea h), da mesma disposição legal), proceder à averiguação e definição das responsabilidades que porventura caibam às chefias médicas envolvidas no caso, que consentiram ou autorizaram, ao menos por forma tácita, a prestação dos serviços médicos pela queixosa durante o mês de Setembro de 1995, com desrespeito pelo despacho autorizador desse Exm.º Conselho de 7.07.1995 limitado, temporalmente, ao mês de Agosto de 1995.

6. Em conexão com este procedimento, mostra-se também adequado, na circunstância, que sejam emitidas directivas internas de actuação, com as devidas instruções procedimentais, através de Circular ou Ordem de Serviço, sublinhando, de modo claro, as responsabilidades de natureza civil e disciplinar que podem caber, nos termos da lei geral, e do disposto no artigo 43.º (n.º 2) do Decreto-Lei n.º 127/89 de 7 de Dezembro, aos funcionários e agentes prevaricadores.

7. Mas a apreciação da questão objecto da queixa, não se esgota por aqui.
Com efeito, pese embora a irregularidade da situação laboral descrita, certo é que a médica queixosa não recebeu qualquer remuneração correspondente à sua actividade médica prestada no serviço de urgência do Hospital de S. José durante o mês de Setembro de 1995, impondo os princípios da boa fé e do enriquecimento sem causa que deva ser remunerada em conformidade, como “agente de facto”.

8. Na verdade, verificou-se um enriquecimento sem causa que foi obtido à custa do empobrecimento da queixosa, na medida em que prestou a sua actividade médica, sem qualquer contrapartida.

9. O enriquecimento sem causa traduz um princípio geral de direito muito relevante, que encontra acolhimento no artigo 473.º do Código Civil, que os autores mais representativos associam histórica e positivamente, ao princípio mais abrangente da equidade, constituindo, a bem dizer, um dos postulados básicos da justiça, não deixando dúvidas quanto ao dever de restituir sempre que haja um enriquecimento à custa alheia, e inexista causa justificativa (cfr. entre todos os A.A., Prof. Vaz Serra “Enriquecimento Sem Causa”, B.M.J. n.ºs 81 e 82; pág. 91-92 e segs., Prof. Galvão Teles “Direito das obrigações”, pág. 17, “Dr.ª Teresa P. Trigo de Negreiros”, “Enriquecimento Sem Causa” Revista da Ordem dos Advogados de Dezembro-1995, págs. 757 e segs.).

10. Atento o disposto no citado artigo 43.º do n.º 2 do Decreto-Lei n.º 427/89 de 7 de Dezembro, a imputação da responsabilidade pela remuneração devida à queixosa pelo serviço prestado no mês de Setembro de 1995, dependerá, como é bem de ver, das averiguações e da prova instrutória que esse Exm.º Conselho de Administração entenda adequado fazer, em sede disciplinar.

11. Em face do precedentemente exposto,RECOMENDO a V.ª Ex.ª o seguinte:

A. Que à luz das considerações expostas, seja emitida por esse Conselho de Administração Circular ou Ordem de Serviço, conforme for considerado mais adequado, contendo instruções procedimentais e regras de funcionamento do serviço de urgência, por modo a evitar a repetição de situações como a descrita na presente recomendação, dando conta das sanções previstas na lei geral e no n.º 2 do artigo 43.º do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, para os prevaricadores.

B. Que seja atribuída e paga à médica queixosa Dr… a remuneração correspondente ao serviço efectivamente prestado no mês de Setembro de 1995 no serviço de urgência do Hospital de S. José, por forma a impedir um enriquecimento por parte do Estado, sem causa justificativa.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel