Presidente da Câmara Municipal de Almada
Processo:R-2990/88
Número: 13/B/96
Data:17.10.1996
Área: A1

Assunto:URBANISMO E OBRAS – OBRAS PARTICULARES – LICENCIAMENTO – PLANEAMENTO – FUNDAMENTAÇÃO DOS ACTOS DE INDEFERIMENTO.

Sequência:Não acatada

I-Exposição de Motivos

1. Com data de 27 de Novembro de 1988, deu entrada na Provedoria de Justiça, uma reclamação subscrita pelo Sr… , relativa ao indeferimento pela Câmara Municipal de Almada, das pretensões oportunamente apresentadas, com vista ao aproveitamento urbanístico para fins habitacionais, de duas parcelas de terreno de que é proprietário, situadas na Quinta da Corvina, na Trafaria.

2. A inviabilidade daquelas pretensões havia sido sustentada pela Câmara Municipal com o fundamento de uma das parcelas se situar na zona de servidão do Forte de Alpena, enquanto a outra se encontrava abrangida pelo disposto no art.º 35.º do Regulamento do Plano Geral de Urbanização da Trafaria – Vila Nova – Costa da Caparica, que destinava a zona em causa a uso rural e não habitacional.

3. No âmbito das múltiplas diligências instrutórias do processo a que mencionada reclamação deu origem, foi a Provedoria de Justiça informada que o referido Plano Geral de Urbanização não havia sido aprovado pelo Secretário de Estado da Habitação e Turismo em 4.08.1983, ao contrário do que fora expressamente invocado pela Câmara Municipal de Almada, ao indeferir a pretensão do interessado e posteriormente a solicitação deste Órgão do Estado.

4. Inquirido o Município quanto à viabilidade de loteamento do terreno ou à possibilidade da sua utilização para construção urbana isolada (considerando, por um lado, a plena falta de eficácia jurídica daquele Plano Geral de Urbanização e, por outro, as normas legais e regulamentares que devessem ser tomadas em consideração na apreciação e resolução do assunto), esclareceu a Câmara que continuava a orientar a gestão urbanística da zona em causa pelo referido Plano e pelos usos ali previstos para os terrenos por ele abrangidos, dando como irrelevante que a Região Militar de Lisboa se tivesse pronunciado favoravelmente quanto à construção de edificações nas parcelas de terreno do reclamante, condicionando apenas as respectivas alturas.

5. No tocante aos fundamentos apresentados para indeferimento das pretensões do reclamante, cumpre referir que constitui entendimento pacífico que as restrições ao direito de construir e lotear são apenas aquelas que a lei prevê, e bem assim, que as decisões municipais de indeferimento ou deferimento condicionado de pedidos de licenciamento de obras particulares ou de operações de loteamento urbano têm de ser sempre fundamentadas, expondo claramente as razões de facto e de direito que justifiquem a recusa de licenciamento das obras ou as condições a observar na respectiva realização, sob pena de padecerem de vício de forma e de violação de lei (art.º 63.º, n.ºs 1, 2 e 3, do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, alterado pela Lei n.º 29/92, de 5 de Setembro e pelo Decreto-Lei n.º 250/94, de 15 de Outubro, art.ºs 13.º, n.ºs 1 e 2, 22.º, n.ºs 1 e 2, e 44.º, do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro, alterado pela Lei n.º 25/92, de 31 de Agosto, e art.ºs 124.º e 125.º, do Código do Procedimento Administrativo).

6. Ora, como se dispõe no art.º 18.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 69/90, de 2 de Março (na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 211/92, de 8 de Outubro) os Planos Municipais “entram em vigor na data da sua publicação no Diário da República”, adquirindo então plena eficácia jurídica.
Também as medidas preventivas e as normas provisórias relativas a planos municipais estão sujeitas a publicação no Diário da República, como decorre dos art.ºs 7.º, n.º 6, e 8.º, n.º 7, por expressa remissão para o art.º 18.º, n.º 5, acima referido.

7. Assim, na falta de plano municipal plenamente eficaz e na falta de medidas preventivas ou normas provisórias que permitam proibir ou condicionar, nos termos nelas previstos, a construção, reconstrução ou ampliação de edifícios, a criação de novos núcleos populacionais e outros actos ou actividades para o efeito definidos, a Câmara Municipal de Almada só podia indeferir ou deferir condicionalmente pedidos de licenciamento de obras particulares ou de operações de loteamento urbano para áreas abrangidas pelo Plano Geral de Urbanização da Trafaria, ou para áreas a abranger pelo Plano Director Municipal, se e na medida em que tais decisões de indeferimento ou de deferimento condicionado encontrassem fundamentado apoio legal em suporte jurídico plenamente eficaz e aplicável ao caso. Nesta eventualidade, as resoluções autárquicas teriam que mencionar claramente as razões de facto e de direito que lhe servissem de motivação, sob pena de vício de forma por insuficiência da respectiva fundamentação (art.º 1.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho, e art.º 125.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo).

8. No caso em análise, a Câmara Municipal de Almada inviabilizou as pretensões do reclamante com base nas previsões de um plano que não dispunha de eficácia jurídica, e bem assim, com base numa servidão militar que não prejudicava de modo absoluto a implantação de construções nas parcelas de terreno do interessado (embora impusesse condicionamentos quanto à altura das edificações).

9. Por outro lado, reconhecido que aquele Plano Geral de Urbanização não havia sido superiormente aprovado, o Município continuou a inviabilizar as pretensões do particular à luz de elementos fundamentais do Plano Director Municipal que também não dispunha ainda de adequada eficácia jurídica.

10. Quanto a operações de loteamento, a falta de imperatividade de disposições de plano regional de ordenamento do território ou de plano municipal, não representava no quadro do Decreto-Lei n.º 400/84, de 31 de Dezembro, um obstáculo necessário ao eventual indeferimento ou deferimento condicionado de estudos preliminares de urbanização ou de pedidos de licenciamento de loteamento, se as pretensões em causa fossem consideradas inconvenientes para o adequado desenvolvimento do local, da povoação ou do município, de acordo com os critérios ou acções previstos em instrumentos urbanísticos em fase de elaboração ou no programa de actividades da Câmara Municipal aprovado pela Assembleia Municipal (art.ºs 17.º, n.º 1, alínea c), 30.º, n.º 1, e 35.º, n.º 2, do citado diploma).
Ali caberia, naturalmente, o entendimento da Câmara Municipal de Almada no sentido de que “qualquer tipo de operação de loteamento levada a cabo naquela zona, desenquadrada de um instrumento de plano de nível adequado, porá em sério risco a possibilidade de um desenvolvimento harmonioso de uma área do concelho cujas características físicas e localização lhe conferem potencial muito significativo”.
Mas em tal hipótese, a correspondente resolução autárquica de indeferimento da pretensão do Sr… tinha de ser adequadamente fundamentada em termos de facto e de direito (art.ºs 17.º, n.º 2, 30.º, n.º 2, e 35.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 400/84).

11. A mesma argumentação procede em face do que actualmente dispõe o art.º 44.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro, onde se contempla o indeferimento de pedidos de licenciamento de operações de loteamento, não só nas situações previstas no art.º 13.º, n.º 2, daquele diploma, mas ainda quando as pretensões forem justificadamente inconvenientes para o correcto ordenamento do território, designadamente por serem inadequados o uso, a integração e os índices urbanísticos propostos. À Câmara Municipal de Almada impor-se-ia fazer o adequado enquadramento de facto e de direito do indeferimento da pretensão do interessado no âmbito daquele preceito normativo, cuja parte final é visivelmente exemplificativa, ao resolver sobre a mesma pretensão.

12. No que tange ao licenciamento municipal de qualquer edificação isolada que o Sr… pretenda construir nalguma das parcelas de terreno que lhe pertencem, a respectiva recusa ou deferimento condicionado poderiam ser alicerçados nas regras do art.º 63.º, n.º 1, alíneas c) e d), do actual Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro.
Contemplam tais preceitos as hipóteses de indeferimento de pedidos de licenciamento de obras por “desrespeito por servidões administrativas e restrições por utilidade pública” ou por se tratar de “trabalhos susceptíveis de manifestamente afectarem a estética das povoações ou a beleza das paisagens, designadamente, desconformidade com as cérceas dominantes, volumetria das edificações e outras prescrições expressamente previstas em regulamento”. Em todo o caso, necessário se tornará que sejam claramente indicadas as razões de direito e de facto que legitimem o indeferimento da pretensão do interessado.

II-Conclusões

Em face do exposto e no exercício da atribuição constitucional que me é conferida no sentido da prevenção e reparação de injustiças (art.º 23.º, n.º 1, da CRP), entendo dever fazer uso do poder que me é atribuído pelo art.º 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, e, como tal,RECOMENDO:

Que de futuro, as competências da Câmara Municipal de Almada em matéria de apreciação e resolução de pretensões relacionadas com o licenciamento de edificações e outras obras particulares e com o licenciamento de operações de loteamento urbano sejam exercidas com integral observância e respeito dos preceitos jurídicos que contemplam os casos e termos em que se torna legítimo aos municípios indeferir tais pretensões, em especial, quanto às normas referentes à eficácia jurídica dos instrumentos de planeamento territorial.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel