Presidente da Câmara Municipal de Lagos
Número:50/A/98
Processo:R-1054/98
Data:27.07.1998
Área: A1

Assunto:URBANISMO E OBRAS – ACAMPAMENTO – REMOÇÃO LICENÇA DO GOVERNADOR CIVIL – PARECER PRÉVIO DA CÂMARA MUNICIPAL – INCOMPETÊNCIA.

Sequência:Acatada

I-Exposição de Motivos

A-Dos Factos

1. Apresentada queixa ao provedor de justiça contestando a deliberação da Câmara Municipal de Lagos de 4 de Fevereiro p.p., que ordenou a demolição de construções clandestinas e a remoção de um acampamento não autorizado instalado nas imediações do Estádio Municipal de Lagos, foram solicitados esclarecimentos à Câmara Municipal de Lagos, tendo sido recebido em resposta o ofício n.º …..

2. Através do referido ofício, a Câmara Municipal de Lagos informou a Provedoria de Justiça que as obras de construção em causa tinham sido realizadas sem o licenciamento municipal e sem autorização do proprietário do terreno, que já confirmara à autarquia a sua oposição à subsistência das barracas e à permanência das caravanas no terreno. Informou ainda a Câmara Municipal que as obras em causa eram insusceptíveis de satisfazer os requisitos legais e regulamentares de urbanização, de estética, de segurança e de salubridade, sendo, como tal, ilegalizáveis.

3. Relativamente à remoção do acampamento não autorizado, a Câmara Municipal comunicou que a actuação dessa competência se fundara no artigo 59.º do Decreto Regulamentar n.º 38/80, de 19 de Agosto, e no artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 316/95, de 28 de Novembro.

B-Da Demolição das Obras Ilegais

4. Ao presidente da câmara municipal compete, nos termos do artigo 58.º, n.º 1, do regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, e do artigo 53.º, n.º 2, alínea l), do Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março, ordenar a demolição de obra não licenciada e, quando seja o caso, determinar que se reponha o terreno nas condições anteriores à infracção.

5. Este poder tem de ser articulado com o poder contido no artigo 167.º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, que permite à câmara municipal a aprovação de obras que se encontravam executadas, embora sem licença, ou ao arrepio da licença outorgada.

6. Assim, o presidente da câmara municipal só deverá ordenar a demolição desde que a obra não possa por outro meio satisfazer aos requisitos legais e regulamentares de urbanização, estética, segurança e salubridade das edificações, ou desde que o interessado nada promova com vista à legalização da obra.

7. No caso vertente, o proprietário do terreno já fez saber que não pretende pedir a legalização das barracas em causa, pelo que, mesmo que estas satisfizessem aos requisitos legais e regulamentares de urbanização, estética, segurança e salubridade das edificações – questão a que a Câmara Municipal de Lagos responde negativamente, sem contudo especificar -, não podem deixar de ser demolidas, já que o único sujeito com legitimidade para requerer a sua legalização não o pretende fazer.

8. E não se pode sequer considerar a possibilidade de aquisição do terreno onde estão implantadas as construções pelos autores das mesmas, através de acessão industrial imobiliária, nos termos do artigo 1340.º, n.º 1, do Código Civil, já que, para que esta se pudesse efectivar, para além de ser necessário que o valor acrescentado ao prédio pelas obras fosse superior ao valor que aquele tinha antes, os autores das obras teriam de estar de boa fé, o que não aconteceu, visto que não podiam desconhecer que o terreno onde implantaram as construções não lhes pertencia (artigo 1340.º, n. º 4, do Código Civil).

9. De qualquer forma, o procedimento de demolição terá de respeitar os direitos do proprietário, em especial o direito de audição prévia conferido pelo artigo 58.º, n.º 3, do regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 445/91, e os trâmites fixados pelo Decreto-Lei n.º 92/95, de 9 de Maio.

10. Relativamente à audição do interessado, ela terá de anteceder a ordem de demolição, conforme impõe o referido artigo 58.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 445/91, o que não foi respeitado pela deliberação da Câmara Municipal de Lagos em causa. Ela é, nessa medida, inválida.

11. E não se pode pretender, como parece fazer a Câmara Municipal de Lagos, nos esclarecimentos enviados à Provedoria de Justiça, que a comunicação remetida posteriormente pelo proprietário sanaria o vício em causa. A audiência dos interessados tem de ter lugar antes de ser tomada a decisão final, a fim de poderem ser tomados em consideração pelo decisor a posição manifestada pelos interessados. Quer o artigo 58.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 445/91, quer o artigo 100.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo são perfeitamente claros quanto a este aspecto.

12. Por outro lado, o procedimento de demolição terá de se conformar com as regras contidas no Decreto-Lei n.º 92/95, de 9 de Maio: não sendo cumprida a ordem de demolição, a mesma só poderá ser efectuada pela Câmara Municipal após ter tomado posse administrativa do terreno, nos termos dos artigos 6.º e 7.º do referido diploma legal.

C-Da Remoção do Acampamento não Autorizado

13. O artigo 59.º, n.º 1, do Decreto Regulamentar n.º 38/80, de 19 de Agosto, invocado pela Câmara Municipal para sustentar a sua actuação, proibia a prática do campismo fora dos parques de campismo nos centros urbanos, nas zonas de protecção a nascentes e condutas de água potável ou a menos de 1 km dos próprios parques e das praias ou outros lugares habitualmente frequentados pelo público, a menos que fosse obtida autorização da Direcção-Geral do Turismo (artigo 60.º, n.º 1). A realização de acampamentos com carácter eventual sem a autorização da Direcção-Geral do Turismo, além de sujeita a multa, impunha às autoridades administrativas ou policiais que promovessem o imediato abandono do local (artigo 60.º, n.º 6).

14. Por sua vez, o artigo 15.º, n.º 1, do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 316/95, de 28 de Novembro, também referido pela Câmara Municipal de Lagos, vem estabelecer que a realização de acampamentos ocasionais fora dos locais adequados à prática do campismo e do caravanismo fica sujeita à obtenção de licença gratuita emitida pelo governador civil, devendo ser requerida pelo responsável do acampamento e dependendo a sua concessão de autorização expressa do proprietário do prédio, e dos pareceres favoráveis do delegado de saúde, da câmara municipal e do comandante das forças policiais.

15. Deve considerar-se que o artigo 15.º, n.º 1, do regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 316/95 revogou os artigos 59.º e 60.º do Decreto Regulamentar n.º 38/80, nos termos do artigo 7.º, n.º 2, do Código Civil, já que a solução que o primeiro contempla não se mostra compatível com a contida no diploma anterior: a realização de acampamentos ocasionais fora dos parques de campismo passou a estar sempre sujeita a licenciamento, o qual compete agora ao governador civil.

16. A intervenção das câmaras municipais limita-se agora à emissão de parecer prévio ao licenciamento pelo governador civil [artigo 15.º, n,º 2, alínea b), do Decreto-Lei n.º 316/95], não lhes sendo conferida pela lei qualquer competência no domínio das medidas de polícia destinadas ao desmantelamento de acampamentos ocasionais ilegais, afrontando o exercício desses poderes pelas câmaras municipais, sem suporte legal, o princípio da tipicidade legal das medidas de polícia, previsto pelo artigo 272.º, n.º 2, da Constituição.

17. Não se encontrando nas atribuições do município o licenciamento, a vigilância ou a remoção dos acampamentos ocasionais, a deliberação da Câmara Municipal de Lagos, contida no Aviso n.º 46/98, que ordenou a remoção do acampamento em causa, é nula, nos termos do artigo 133.º, n.º 2, alínea b), do Código do Procedimento Administrativo. E sendo nula, não pode produzir quaisquer efeitos jurídicos, conforme estabelece o artigo 134.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo.

II-Conclusões

De acordo com o exposto, no uso dos poderes que me são conferidos pelo artigo 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril,RECOMENDO:
à Câmara Municipal de Lagos que:

A) Revogue a deliberação camarária de 4 de Fevereiro p. p., na parte em que ordena a demolição das construções clandestinas sitas no terreno junto ao Estádio Municipal de Lagos, por não ter sido precedida da audição prévia do interessado, como obriga o artigo 58.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro;
B) Declare a nulidade da deliberação camarária de 4 de Fevereiro p. p., na parte em que ordena a remoção do acampamento ilegal, por falta de atribuições do Município nesta matéria.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel