Presidente da Câmara Municipal de São Roque do Pico
Número:42/A/98
Processo:R-3437/97
Data:26.06.1998
Área: Açores

Assunto:URBANISMO E OBRAS – OBRAS PARTICULARES – OBRA ILEGAL – CONTRA-ORDENAÇÃO – LEGALIZAÇÃO.

Sequência: Acatada.

I-Exposição de Motivos

Foi recebida neste Órgão do Estado (Extensão da Região Autónoma dos Açores) uma reclamação relativa às obras efectuadas em prédio sito na Estrada …, São Roque do Pico, de que era proprietário o Senhor … .

2. Nos termos da queixa as obras de ampliação realizadas contrariavam as disposições urbanísticas em vigor. Em especial, era alegada a violação das disposições constantes dos art.s 1360º, 1362º, 1363º, 1372º e 1373º, do Código Civil.

3. Em ordem à cabal averiguação dos factos reclamados foi oficiada a Câmara Municipal de São Roque do Pico (cfr. of…) por forma a serem obtidas informações sobre:
– As características dos trabalhos realizados no prédio sito na Estrada…,São Roque do Pico;
– O necessário licenciamento;
– A parte, ou partes, da obra alegadamente em desacordo com o projecto aprovado pela Câmara Municipal de São Roque do Pico;
– As medidas tomadas em ordem à reposição da legalidade urbanística alegadamente ofendida.

4. Acrescidamente, foi pedida a realização de acção de fiscalização à obra mencionada, por forma a serem obtidas informações actualizadas sobre o estado dos trabalhos reclamados.

5. A coberto do ofício n.º …, a Câmara Municipal de São Roque do Pico prestou os seguintes esclarecimentos:
a) Os trabalhos reclamados consistiram na ampliação de área coberta da habitação do Senhor … (mais 30 m² sobre a garagem);
b) A obra foi licenciada (processo n.º …);
c) A obra não respeitou, pelo menos em parte, o projecto aprovado pela Câmara Municipal de São Roque do Pico.

6. O ofício mencionado referia, igualmente, que “(…) o reclamante particular denunciou inicialmente junto [da] edilidade o incumprimento por parte do beneficiário da licença de construção, do disposto no art. 1360º/1 do Código Civil, o que levou a Câmara Municipal a, imediatamente, procurar que a obra respeitasse todos os condicionalismos legais, tendo exigido ao titular da licença que providenciasse pela reposição da situação devida”.

7. Por fim, a comunicação da Câmara Municipal de São Roque do Pico mencionava ter sido promovida vistoria à obra que concluira pela conformidade dos trabalhos executados com o projecto aprovado.

8. Por ofício de …, este Órgão do Estado solicitou esclarecimentos adicionais à Câmara Municipal a que V.Exa. preside. Em especial foi perguntado se:

a)Face à verificação, constante da informação n.º 46/97 assinada pelo senhor Engenheiro Técnico da DOUPSU (a fls. do processo camarário) e da Informação da Fiscalização, de 25/06/97, do senhor Fiscal Municipal Adalberto Manuel Martins Xavier (igualmente a fls. do processo camarário) fora lavrado auto e instaurado o competente processo contra-ordenacional e quais as conclusões que aquele procedimento permitira apurar;
b)Em caso negativo, quais as razões que haviam justificado a não instauração do respectivo processo;
c)pedido de licenciamento fora publicitado (vide art. 8º, do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro);
d)A licença de construção fora publicitada (vide art. 9º, do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro);

9. Face aos elementos constantes do processo aberto na Provedoria de Justiça, e designadamente às informações prestadas pelas comunicações do queixoso de …, de … e de …, foi solicitado a V.Exa. que diligenciasse para que fosse efectuada vistoria camarária ao edifício em causa por forma a ser dada resposta aos seguintes quesitos:

I. A construção erigida (estrutura do balcão) ficou apoiada em pilar isolado erguido na metade da parede divisória que dá para prédio vizinho?
II. A parte nova (que vai para além da linha da antiga garagem) ocupa um espaço que abrange toda a parede divisória?
III. Foi, em consequência, violada a disposição constante do art. 1373º, do Código Civil?
IV. A nova construção não ocupa, em parte, o espaço aéreo correspondente à meação do vizinho na parede divisória?
V. A abertura existente no lado oeste da construção não tem, em qualquer das suas dimensões, mais de 15cm ?
VI. Não viola, em consequência, o disposto no art. 1360º, do Código Civil?
VII. Qual a distância da escada (exterior) de acesso ao balcão do prédio vizinho?
VIII. Não é violado o disposto no art. 1360º, do Código Civil, porquanto não é respeitada a distância mínima de 1,50cm ?
IX. A nova construção não criou, ao nível do solo, uma área coberta da qual a parede divisória comum aos dois prédios funciona como parapeito?
X. Não é violado, por este facto, a disciplina contida no art. 1360º, do Código Civil, porquanto é permitido o devassamento do prédio vizinho?

10. A resposta da Câmara Municipal de São Roque do Pico (ofício n.º …) foi prestada em 18/03/98 e dava conta que:
a) Não foi instaurado processo contra-ordenacional;
b) “(…) esta Câmara Municipal, em cumprimento dos princípios de igualdade e proporcionalidade genéricamente consagrados (e, de resto, em consonância com uma prática reiterada no Município desde sempre, e merecedora do acordo de todos os orgãos Municipais), tem pontuado a sua conduta no dominio das presentes matérias por uma orientação preventiva, pedagógica e não punitiva (…)”;
c) “(…) o pedido de licenciamento não foi publicitado, devido à Câmara Municipal, não ter entregue ao requerente o placar, visto que só em obras de alguma dimensão, e em zonas com medidas cautelares se tem entregue aquela publicitação, o que se passará a fazer em relação a todos os processos”;
d) “(…) foi entregue ao requerente o placar com a licença de construção”.

11. O mesmo ofício transcreve a informação do Chefe da D.O.U.S.U. n.º …, que é do seguinte teor:
“De acordo com o solicitado procedeu-se a uma vistoria, que apurou o seguinte:
A actual proprietária, afirmou perante mim, e o Fiscal Municipal …, que o muro, lhe pertencia na totalidade, pois por afirmações do antigo proprietário aquele muro tinha sido totalmente construído dentro da sua propriedade, e que por isso a extrema do terreno é o fim do muro.
Assim, as perguntas respeitantes ás alíneas a) b) c) e d), do ofício da Provedoria de Justiça, não teriam razão de ser, esclarecendo-se que independentemente do afirmado pela actual dona, a construção agora erigida, (à semelhança da garagem já existente), ocupa a totalidade da parede.
A abertura a oeste tem mais de 15 cm, (tem 0,65 m de altura, por toda a largura da varanda, (cerca de 3,0 m).

Quanto à alínea f) das perguntas da Provedoria de Justiça, pergunto se o ponto 2, do artigo 1360, do código civil não torna aquela abertura legal.
Se o ponto 2, não tiver validade neste caso, a abertura contraria o código civil no atrigo 1360º.
A escada, não está de acordo com o projecto apresentado e está, a 1,35 m ou 1,45 m, até ao fim da totalidade do muro e não a 1,5 m como indicava o projecto, principalmente devido à existência de um forno e respectiva chaminé.

Quanto à alínea h) informamos que é violado o art. 1360 do código civil.
Quanto às alíneas i) e j), o meu entender é semelhante a outras decisões que tenho tomado, em casos semelhantes, pois, não encontro no código civil, nenhum artigo que proiba concretamente aquele tipo de situações, mas não discuto o espírito da Lei do código civil, pois se Advogados e Juízes acharam que aquela situação não está de acordo com a disciplina do art. 1360, apesar de me parecer que aquela situação traduz uma extrema que existe, apenas tendo sido acrescentada a cobertura, podendo também ser encarada a situação como varanda a aplicar o ponto 2 do artigo 1360 do código civil.
Sobre estes assuntos, nada mais tenho a informar”.

12. De tudo quanto ficou exposto é já possível concluir que:
a) algumas das questões controvertidas (designadamente a da propriedade da parede divisória e a da interpretação do disposto no art. 1360º, n.º 2, do Código Civil) deveriam ter sido equacionadas – e resolvidas – no âmbito do processo de licenciamento da obra. Subsistindo interrogações, impunha-se que a Câmara Municipal procedesse à medição do prédio em causa (para saber se a parede divisória fora construída também no prédio vizinho) e esclarecesse as dúvidas interpretativas mediante parecer técnico (para poder avaliar da legalidade da abertura existente);
b) não foi instaurado o competente procedimento contra-ordenacional, em face da verificação da desconformidade dos trabalhos realizados com o projecto aprovado;
c) não foram desencadeados os mecanismos subsequentes, de legalização da obra ou demolição dos trabalhos ilegalmente efectuados.

13. Quanto ao referido em a), resulta com alguma evidência que o argumento de que a proprietária “afirmou (…) que o muro lhe pertencia” é, por si só, insuficiente (senão irrelevante); por outro lado, era imperioso que a Câmara Municipal de São Roque do Pico estivesse tecnicamente habilitada a responder às questões que os serviços de fiscalização formularam (sobre a aplicabilidade do disposto no art. 1360º, n.º 2, do Código Civil).

14. No que respeita às questões expostas nas alíneas b) e c), reafirmo, quase na íntegra, a argumentação exposta na minha Recomendação n.º 7/A/98 dirigida ao Presidente da Câmara Municipal de São Roque do Pico que como certamente V.Exa. recordará, era relativa a um caso de ausência de processamento de contra-ordenação.

15. Como então referi, o Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro (na redacção do Decreto-Lei n.º 250/94, de 15 de Outubro) impõe a obrigatoriedade de licenciamento camarário de todas as obras de construção civil, designadamente a construção de novos edifícios e a reconstrução, a ampliação, a alteração e a reparação de edificações [cfr. art. 1º, n.º 1, alínea a)].

16. Da mesma forma, o Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo Decreto n.º 38.382, de 7 de Agosto de 1951, dispõe que a execução de novas edificações “não pode ser levada a efeito sem prévia licença das câmaras municipais, às quais incumbe também a [sua] fiscalização” (cfr. art.s 1º e 2º).

17. Resulta do disposto no art. 51º, do Decreto-Lei n.º 445/91, a incumbência municipal de fiscalização do cumprimento das disposições do regime legal urbanístico.

18. Do disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 54º do diploma em apreço resulta que a execução de obras de construção civil em desacordo com os termos do projecto aprovado, constitui contra-ordenação, punível com coima graduada de 100.000$00 até ao máximo de 20.000.000$00, no caso de pessoa singular, ou até 50.000.000$00, no caso de pessoa colectiva (cfr. n.º 2 do preceito em causa), pelo que a verificação daquela situação não pode deixar de conduzir, nos termos do disposição citada, à instauração de processo contra-ordenacional.

19. Da conjugação das disposições dos art.s 51º e 54º, n.º 1, al. b), do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, resulta que o processamento de contra-ordenação assume, na situação em apreço, carácter vinculado, uma vez que a incumbência de fiscalização do cumprimento das disposições urbanísticas conferida à Câmara Municipal de São Roque do Pico vem acompanhada da competência para o processamento das contra-ordenações respectivas.

20. Tal como referi na Recomendação n.º 7/A/98, a decisão de instaurar o competente procedimento contra-ordenacional constitui, perante a verificação dos necessários pressupostos, poder vinculado da câmara municipal.

21. A omissão da Câmara Municipal de São Roque do Pico de instauração de procedimentos contra-ordenacionais em virtude da realização de obras sem o necessário licenciamento ou em desrespeito pelos termos do projecto aprovado assume, pelo seu carácter reiterado, contornos de negação de administração de justiça e de aplicação do direito. Devo, pois, lembrar a V.Exa., senhor Presidente da Câmara Municipal de São Roque do Pico, o disposto no art. 12º, da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, nos termos do qual “o titular do cargo político que no exercício das suas funções se negar a administrar a justiça ou a aplicar o direito que, nos termos da sua competência, lhe cabem e lhe forem requeridos será punido com prisão até dezoito meses e multa até 50 dias”.

22. Sendo a Câmara Municipal de São Roque do Pico competente para o processamento da respectiva contra-ordenação, e tendo comprovado a violação da disciplina legal urbanística, não pode deixar de instaurar aquele procedimento. Não obstante, nos termos do disposto no art. 167º, do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, pode ser requerida a legalização dos trabalhos realizados em desrespeito pelas pertinentes disposições urbanísticas. No entanto, a legalização destes trabalhos de construção civil apenas poderá ocorrer caso se “reconheça que são susceptíveis de vir a satisfazer os requisitos legais e regulamentares de urbanização, de estética, de segurança e de salubridade” (cfr. art. 167º, n.º 1, do Decreto n.º 38.382, de 7 de Agosto de 1951).

23. Tal como referi na Recomendação n.º 7/A/98, a legalização das obras realizadas sem licença é o único meio de evitar a demolição dos trabalhos ilicitamente erigidos (cfr. corpo do mencionado art. 167º) mas somente se se verificar a susceptibilidade dos trabalhos realizados virem a conformar-se com as disposições relativas a urbanização, estética, segurança e salubridade. Caso não possa ser evitada, nos termos do disposto no mencionado artigo, por não estarem reunidas as condições urbanísticas, de estética, de segurança ou de salubridade para a legalização, a consequência será, obrigatoriamente, a demolição dos trabalhos realizados sem a necessária licença camarária, ao abrigo do disposto no art. 165º, do Regulamento Geral das Edificações Urbanas.

II-Conclusões

24. Pelas razões que deixei expostas e no exercício do poder que me é conferido pelo disposto no art. 20º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril,RECOMENDO:

À Câmara Municipal de São Roque do Pico:
A. Que providencie o imediato esclarecimento das dúvidas suscitadas pelo senhor Chefe da D.O.U.S.U. na informação n.º 12/98, de 17/03/98, sobre o entendimento dos termos do art. 1360º, do Código Civil;
B. Que instaure procedimento contra-ordenacional, em virtude da realização de trabalhos de construção civil no prédio sito na Estrada …, em São Roque do Pico, em desconformidade com o projecto aprovado;
C. Que, caso tal seja requerido e se reconheça que as obras realizadas são susceptíveis de vir a satisfazer os requisitos legais e regulamentares de urbanização, estética, de segurança e de salubridade, seja promovida a legalização daqueles trabalhos;
D. Que, caso não estejam reunidas as condições urbanísticas, de estética, de segurança ou de salubridade indispensáveis à legalização, seja promovida a demolição dos trabalhos realizados em desconformidade com o projecto aprovado.

25. Uma vez que V.Exa. afirma existir a concordância de todos os órgãos municipais relativamente à não instauração de procedimentos contra-ordenacionais nos casos de falta de licenciamento municipal ou de execução de trabalhos desconformes ao projecto, solicito a V.Exa. que dê conhecimento do teor desta Recomendação aos respectivos titulares.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel