Presidente da Comissão para Análise de Florestação do Instituto Florestal

Rec. nº 178/A/94
Proc.:R-956/94
Data:1994-12-22
Área: A 1

ASSUNTO: AMBIENTE

Sequência:

Tenho a honra de me dirigir a V.Exa. para conhecimento de Recomendação que entendo dever formular ao ao abrigo do artº. 20º, nº 1, alínea a), da Lei nº 9/91,com fundamento nos motivos que se expõem:

EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS

A) Análise do objecto

1. A “PORTUCEL-Empresa de Celulose e Papel de Portugal, E.P.” dirigiu ao Instituto Florestal, em 8.04.93, ao abrigo do Decreto-Lei nº 175/88, de 17 de Maio, um pedido de autorização relativo a projecto de acções de arborização com espécies florestais de rápido crescimento, exploradas em revoluções curtas, no prédio rústico denominado “Herdade da Alpendurada”, sito na freguesia de Vila Nova de Milfontes, concelho de Odemira.

2. O projecto abarca uma área de 136 ha. e prevê as seguintes acções:
– arborização com “eucalyptus globulus” numa área de 109,9 ha, implicando lavoura contínua, gradagem e balizagem;

– plantação de sobreiro em extensão de 10,2 ha., instalado em faixas de 20 m. ao longo dos aceiros e de 40m. com função de compartimentação;

– condução de uma área de pinheiro bravo, com cerca de 15 anos, envolvendo limpeza e desramação, numa área total de 2,7 ha.;

– instalação de plátanos em 3,2 ha., envolvendo lavoura contínua, gradagem e balizagem;

– abertura de caminhos com 4 m de largura numa extensão total de 5000 m;

– abertura de aceiros com 10 a 15 m de largura em extensão total de 7300 m.

3. O Engº C…, vogal do Conselho Directivo do Instituto Florestal, indeferiu o pedido formulado em 6.01.94, no exercício de competência delegada por deliberação de 22.07.93 do Conselho Directivo do Instituto Florestal, publicada no D.R., II série, nº 219, de 17.09.93, nos termos e com os fundamentos que passam a condensar-se:

A) adjacência ao biótopo da serra do Cercal, proximidade da Área de Paisagem Protegida do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina (APPSACV), “onde os habitats de espécies da flora e da fauna abrangidos pelos anexos I e II da Convenção de Berna estão seriamente comprometidos”;

B) aplicação do disposto no art. 14º, nº 3, do Decreto Regulamentar nº 26/93, de 27 de Agosto, que aprovou o PROTALI (Plano Regional de Ordenamento do Território do Litoral Alentejano);

C) impacte ambiental negativo generalizado, de acordo com o respectivo estudo (EIA);

D) inserção de parte da área do projecto na Reserva Agrícola Nacional (RAN), à qual acrescerá um conjunto de solos Ch, através do Plano Director Municipal de Odemira, de momento em reformulação, mas já aprovado pela Assembleia Municipal;

E) atravessamento da área por várias linhas de água e proximidade de poços, com aproveitamento agrícola;

F) aprovação em momento anterior de dois projectos de florestação para a mesma herdade, compreendendo, no total, 346 ha. de eucalipto;

G) emissão, em 16.04.93, de parecer negativo por parte do município de Odemira (art. 44 do Decreto-Lei nº 175/88, de 17 de Maio), no que se reporta à plantação de eucaliptos, fundando-se em estudo técnico sobre o ordenamento florestal daquele concelho, do qual sobressai:

* que o concelho de Odemira tem sofrido particular pressão no que concerne à ocupação com eucaliptos, “de implante crescente e expressão significativa”;

* que os efeitos da erosão se fazem sentir em cerca de 70% da área concelhia;

* que o eucalipto, atento o elevado consumo de água, contribui significativamente para diminuir a recarga de aquíferos e, progressivamente, para a redução do caudal das águas subterrâneas e do caudal de estiagem dos cursos de água da bacia;

* que as operações preliminares do plantio de eucalipto envolvem a remoção do coberto vegetal pré-existente e a mobilização profunda do terreno;

* que a riqueza e diversidade orníticas do eucalipto são consideravelmente inferiores às das demais formações vegetais;

* que prejudica os habitats de espécies endémicas, raras ou ameaçadas de extinção;

* que lesiona o abastecimento de água a pequenos aglomerados circundantes, quando o certo é serem escassos os recursos hídricos da região;

* que a expansão das arborizações de eucalipto ameaça adicionalmente a sobrevivência do Eupleurum acutifolium, presente na serra de S.Luís/Cercal;

* que os solos com capacidade de uso C,D e E têm no concelho de Odemira uma capacidade efectiva de utilização agrícola, pese embora se trate de solos arenosos;

H) teor do parecer emitido pela Comissão de Avaliação do Impacte Ambiental (CAIA), nos termos do Decreto-Lei nº 186/90, de 6 de Junho, e do Decreto Regulamentar nº 38/90, de 27 de Novembro, de cuja análise pelo IF se oferece destacar as seguintes considerações:

* “o projecto insere-se numa área que o Plano Director Municipal (em curso), na sua Proposta de Ordenamento Agro-Florestal, prevê de “Utilização Agrícola Intensiva a Moderadamente Intensiva” e de “Utilização Agrícola Moderadamente Intensiva a Extensiva”;

* a implementagão do projecto iria promover a continuidade de uma mancha já muito extensa de Eucalipto;

* o projecto integra manchas consideráveis de solos pertencentes à Reserva Agrícola Nacional;

* o projecto provocará impactes significativos ao nível da hidrologia, fauna e paisagem.”

4. Inconformada com o acto de recusa de autorização, veio a “PORTUCEL-Florestal, Empresa de Desenvolvimento Agro-Florestal, SA”, em …/94, recorrer para a Comissão de Análise Florestal (CAF), nos termos do art. 2º, nº 3, do Decreto-Lei nº 175/88, de 17 de Maio.

5. Alegou, em síntese, que:

A) ocorreu deferimento tácito, em momento anterior ao do acto recorrido;

B) o projecto não inclui área alguma que se integre em zona territorial de actividade limitada, porquanto a proximidade do aludido biótopo e da área de paisagem protegida significam que, na verdade, a localização do projecto permanece exterior;

C) a globalidade do projecto é exterior à RAN do concelho de Odemira, nos termos do mapa anexo à Portaria nº 1111/90, de 10 de Outubro;

D) que o PDM de Odemira não é, ainda, plenamente eficaz, por falta de ratificação do Governo;

E) que o projecto de arborização com eucaliptos, ao contrário do que sustentou o IF, contribuirá para a defesa do património natural da região, por impedir acções degradadoras (“construções clandestinas, vazadouros de lixeiras, etc.”);

F) que “a Política Agrícola Comum (…) tem por directrizes, designadamente desincentivar a expansão agrícola em Portugal, e sim estimular a utilização florestal de terrenos agrícolas”;

G) que as linhas de água têm “mera relevância topográfica”, além de o projecto prever medidas de protecção das mesmas, bem como dos poços;

H) que o EIA não admite qualquer efeito negativo generalizado, contestando-se, pontualmente, algumas conclusões da CAIA.

6. A Comissão para Análise de Florestação, em reunião de 28.02.94, deliberou, por maioria dos seus membros presentes, considerar procedente o recurso interposto pela PORTUCEL-Florestal, SA, da decisão do Instituto Florestal.

7. Decidiu a CAF conceder provimento ao recurso com base nos seguintes pressupostos e com a seguinte fundamentação:

1º) a área a que o projecto se reporta não faz parte da Reserva Agrícola Nacional, nem do Biótopo Corine da Serra do Cercal;

2º) o Plano Director Municipal aprovado pela Câmara Municipal de Odemira carece de ratificação, pelo que as suas normas não podem fundar decisões do Instituto Florestal;

3º) o projecto abrange solos das classes C e D, não sendo previsível a sua utilização como zona de agricultura intensiva;

4º) a área em causa não integra a Serra do Cercal e, logo, não é aplicável a disposição contida no art. 14º do Decreto Regulamentar nº 26/93, de 27 de Agosto, que proíbe actos ou actividades que deteriorem ou destruam os habitats das espécies da flora e da fauna abrangidos pelos anexos I e II da Convenção de Berna, aprovada pelo Decreto nº 95/81, de 23 de Julho, ou que degradem os habitats naturais ameaçados, designadamente na área da Serra do Cercal;

5º) os efeitos das acções projectadas não são, de acordo com o estudo de impacte ambiental apresentado, excessivamente gravosos;

6º) as medidas mitigadoras propostas reduzem substancialmente os impactes negativos;

7º) a área do projecto encontra-se sujeita a forte pressão de clandestinos, que a florestação minimizaria.

B) Apreciação da decisão da Comissão para Análise de Florestação.

B) – 1. Incumprimento do dever de fundamentação.

8. É meu entendimento que a decisão de 28.02.94 da Comissão para Análise de Florestação, que concedeu provimento ao recurso, não se encontra devidamente fundamentada.

8.1. O dever de fundamentação das deliberações sobre recursos interpostos de actos administrativos, ao qual faz também referência a disposição contida no art. 8º, nº 5, do Regulamento Interno da Comissão Para Análise da Florestação, encontra consagração no art. 124º, nº 1, alínea b), do Código do Procedimento Administrativo (CPA), aprovado pelo Decreto-Lei nº 442/91, de 15 de Novembro.

8.2. Por sua vez, das disposições contidas no art. 124º, nº 1, als. c) e e), do Código do Procedimento Administrativo, decorre o dever de fundamentação dos actos administrativos que decidam em contrário de parecer, e bem assim dos actos administrativos que impliquem revogação, modificação ou suspensão de acto administrativo.

8.3. O art. 6º do Decreto-Lei nº 186/90, de 6 de Julho, estabelece que a entidade competente para a aprovação do projecto deve ter em consideração o parecer da entidade competente para a instrução do processo de avaliação de impacte ambiental e, caso não o adopte, incorporar na decisão as razões de facto e de direito subjacentes.

8.4. O Instituto Florestal indeferiu o pedido de autorização referido em 1., concordando com a motivação oferecida pela Câmara Municipal de Odemira e pela Comissão de Avaliação (CA) (cfr. pontos 6 e 7).

A decisão do IF foi tomada com base em asserções constantes do estudo de ordenamento florestal e nas conclusões do parecer da CA.

8.5. A concessão de provimento ao recurso interposto da decisão do IF para a CAF implica a cessação dos efeitos do acto de indeferimento praticado pelo IF e, porque de recurso necessário se trata, configura-se como verdadeiro reexame, com efeito devolutivo, entendido como atribuição ao órgão ad quem da competência dispositiva que, sem o recurso, pertence apenas ao órgão a quo (FREITAS DO AMARAL, Conceito e Natureza do Recurso Hierárquico, vol. I, Coimbra, 1981, p. 264).

Nestes termos, a decisão da CAF que defere a autorização, em recurso, deveria mencionar os precisos fundamentos de facto e de direito que motivaram a discordância relativamente ao parecer emitido pela Comissão de Avaliação e ao parecer da Câmara Municipal de Odemira, condensados na fundamentação do acto recorrido ou admitidos per relationem.

Todavia, as declarações dos membros da CAF na reunião realizada no dia 28.02.94 com o fim de apreciar o recurso interposto pela PORTUCEL, reduzidas a acta, não permitem o conhecimento, por um destinatário normal, da razão do sentido da deliberação de provimento, porquanto a CAF não aduziu motivos dos quais resulte a improcedência das conclusões do parecer da Comissão de Avaliação e das considerações tecidas no estudo de ordenamento florestal do eucaliptal no concelhode Odemira, este último enquanto suporte do parecer desfavorável da Câmara Municipal de Odemira sobre as acções projectadas de arborização com eucaliptos.

Os fundamentos aduzidos são insuficientes, não esclarecendo concretamente a motivação do acto, pelo que a sua adopção equivale à falta de fudamentagão, nos termos previstos no art. 125º, nº 2, do Código do Procedimento Administrativo.

Observem-se alguns exemplos relativamente a motivos que não podem deixar de ser tidos como determinantes:

8.5.1. É controvertida a questão concernente à compreensão ou não da área do projecto na RAN, conquanto se admita a não produção de efeitos do PDM, bem como a inexistência de normas provisórias ou medidas preventivas sobre a matéria (vide supra 3-D] e 5-D]).

A CAF adopta a posição da recorrente. Limita, porém, os fundamentos de tal opção a um simples enunciado: “O primeiro interveniente foi o representante da CELPA e afirmou, baseado em documentos do estudo de impacte ambiental presentes na reunião, que a área em questão não faz parte da RAN nem do biótopo CORINE, não sendo, por isso, de aceitar as razões em que o IF se baseou para proceder ao indeferimento do projecto”.

Este fundamento não respeita os requisitos formais da fundamentação, apesar da extrema relevância do pressuposto material a que diz respeito. “Não existe referência relevante, sempre que se remete para o dossier, para os fundamentos constantes de qualquer documento apresentado pelo interessado (…) ou quando o agente diz que «se baseia nos fundamentos constantes do processo»”, como afirma OSVALDO GOMES, invocando jurisprudência firme do STA, revelada no Ac. de 20.12.68 (Fundamentação do Acto Administrativo, 2ª Ed., Coimbra, 1981, p. 116). Para que a fundamentação per relationem seja válida, exige, acrescidamente, o CPA que, então, o objecto da referência deverá constituir parte integrante do acto (art. 125º, nº 1) – o que não sucede.

8.5.2. Outro tanto se deve reconhecer quanto ao fundamento da inaplicabilidade do disposto no art. 14º, nº 3, do Decreto Regulamentar que aprovou o PROTALI, visto que a CAF se cinge a reconhecer que: “Além disso esta área não estava abrangida pelo disposto no Artº. catorze do PROTALI”. Trata-se de manifesta insuficiência, em desrespeito ao estatuído no art. 125º, nº 2, do CPA, porquanto a simples leitura do que vem contido na citada norma regulamentar não permite obter resultado conclusivo.

8.5.3. Do mesmo passo, há-de admitir-se que, ao relatar-se na acta que o representante do MPAT considerou que, “segundo o estudo de impacte ambiental presente, não há efeitos excessivamente gravosos”, fica por esclarecer se são ou não verificados efeitos gravosos, como sustentou o órgão recorrido, bem como sempre importaria indicar a linha que separa efeitos gravosos tout court e efeitos excessivamente gravosos. Ao não ser fundamentadamente rebatida a verificação de efeitos gravosos, para eventualmente se ajuizar sobre a sua relevância na tomada de decisão, peca-se por insuficiência e afecta-se a congruência dos motivos com a decisão.

Donde resulta, uma vez mais, a violação do dever de fundamentação dos actos que decidam sobre recurso.

8.6. Refiro, por fim, em nada ser precludido quanto se expôs pelo facto de se tratar de um acto praticado por órgão colegial, pois se é certo, por um lado, que a fundamentação dos actos orais que não conste de acta pode ser objecto de requerimento para redução a escrito (art. 126º, nº 1, do CPA), por outro, o não exercício dessa faculdade não permite sanar o vício resultante da falta de fundamentação devida (art. 126, nº 2).

B) – 2. Erro nos pressupostos de facto e erro manifesto de apreciação.

9. De acordo com a acta relativa à reunião de 28.02.94., os representantes do MPAT e do MIE presentes na reunião propuseram que “de futuro, os estudos de impacte ambiental, bem como toda a documentação relativa aos projectos submetidos à CAF, fossem postos à disposição dos membros da referida Comissão para melhor análise dos recursos”.

A acta apenas refere a consulta por membro da CAF, designadamente por representante da CELPA, no local da reunião, de documentos do estudo de impacte ambiental. Do teor da acta retira-se que, tanto o parecer da Câmara Municipal de Odemira, que se alicerçou no estudo elaborado pela “Consultagro”, como o parecer da Comissão de Avaliação, não foram devidamente ponderados pela CAF, dado não terem sido previamente analisados.

10. É a complexidade ou a natureza técnica da questão a decidir que conduz o legislador a exigir a emissão de parecer, de modo a propiciar a ponderação adequada dos vários aspectos ligados à questão e a sua resolução esclarecida. O parecer confere ao órgão decisor a possibilidade de melhor resolver, em conformidade com o interesse público e com o fim último que a lei prossegue.

11. A CAF não apreciou todos os elementos integrantes do processo, pelo que, ao decidir o recurso, não se encontrava suficientemente esclarecida. A omissão da pronúncia sobre elementos essenciais à formação da decisão, os quais nos termos da lei merecem consideração específica ( v. art. 2º do Decreto-Lei nº 139/89, de 28 de Abril, e art. 4º do Decreto-Lei nº 175/88, de 17 de Maio, no que concerne à emissão de parecer por parte da Câmara Municipal, e arts. 4º e 6º do Decreto-Lei nº 186/90, de 6 de Junho, quanto ao parecer da CA), conduz inexoravelmente a considerar a decisão proferida motivada por erro nos pressupostos de facto – verificando-se este erro “quando o autor do acto ignora os pressupostos de facto realmente existentes ou tem deles uma percepção que não corresponde à realidade” (SÉRVULO CORREIA, Noções Elementares de Direito Administrativo, p. 465).

12. O Supremo Tribunal Administrativo, em jurisprudência constante, da qual podem ter-se por paradigmáticos os acórdãos de 18.01.71, 20.01.72, 26.10.72 e 31.05.84., entende constituir vício de violação de lei o erro de facto acerca dos pressupostos que constituiram motivação do acto administrativo de natureza discricionária quanto ao seu conteúdo.

13. Segundo decidiu o Acórdão do Pleno do STA de 25.03.91 (rec. nº 23/94), “o erro nos pressupostos de facto tanto pode resultar de terem sido considerados para efeito de decisão, factos não provados ou desconformes com a realidade, como de terem sido omitidos, para o mesmo efeito, factos que para tanto deveriam ter sido ponderados”.

14. Ao omitir a apreciação dos pareceres referidos, a Comissão para Análise de Florestação considerou como válidas as conclusões do estudo de impacte ambiental apresentado pela “PORTUCEL Florestal – Empresa de Desenvolvimento Agro-Florestal, S.A.”, sem mais, invertendo mesmo o sentido de algumas conclusões do mesmo, de acordo com os mencionados pareceres e com o acto recorrido.

15. A decisão da Comissão para Análise de Florestação partiu, pois, de pressupostos erróneos, e, ao arredar da sua apreciação dois pareceres obrigatórios que fundaram o acto recorrido, não se vê como afastar a verificação de erro manifesto na apreciação.

16. As incidências da execução do projecto sobre o ambiente foram erroneamente apreciadas pela Comissão para Análise de Florestação, porquanto as conclusões do estudo de impacte ambiental não foram devidamente cotejadas com o parecer da Comissão de Avaliação e com o parecer da Câmara Municipal de Odemira.

17. Com efeito:

17.1. Nos termos do parecer da Comissão de Avaliação de Impacte Ambiental, a área das acções projectadas pela PORTUCEL é definida como de aptidão agrícola.

17.2. Os impactes ambientais do projecto são considerados como negativos, quer pelo autor do estudo de impacte ambiental apresentado pela PORTUCEL como elemento instrutório do pedido de autorização do projecto (em cumprimento do disposto no art. 3º, nº 1, do Decreto-Lei nº 186/90, de 6 de Junho), quer pela Comissão de Avaliação, que considera insuficientes, em face da negatividade dos efeitos, as medidas mitigadoras propostas.

17.3. Por outro lado, no capítulo que o documento que contém o parecer da Comissão de Avaliação dedica à análise específica do projecto, aduz-se que as espécies que integram as acções de florestação propostas, “para além de determinarem uma significativa alteração da qualidade e uso do solo, são ainda susceptíveis de deteriorar ou destruir os habitats das espécies da flora e da fauna abrangidas pelos anexos I e II da Convenção de Berna. Daí que, se considere que a florestação com espécies de rápido crescimento na área de implementação do projecto está abrangida pelo disposto no nº 3 do art. 14º do Dec. Reg. nº 26/93, de 27 de Agosto”.

Assim, ainda que a área do projecto não integre o biótopo CORINE da Serra do Cercal, é legítima a formulação de juízo negativo sobre as acções que lhe são inerentes, de efeitos idênticos àqueles cuja prevenção ditou a consagração da proibição contida no art. 14º do diploma citado, embora naturalmente entendidos com menor alcance.

17.4. Aduz igualmente a Comissão de Avaliação, no mencionado capítulo, que relativamente à flora e fauna considera-se que a área do desenvolvimento do projecto funciona como corredor ecológico, referindo a memória descritiva do Biótopo Corine quanto à sua vulnerabilidade que o principal agente de degradação desta área tem sido a florestação com eucalipto. (…) A Comissão de Avaliação considera que todo o processo de predição e avaliação de impactes se encontra comprometido, em virtude de não ter sido considerada a área envolvente do projecto, nem determinados os impactes cumulativos. Não foram ainda consultadas as fontes de informação mais adequadas, determinando por isso, importantes lacunas no que respeita à inventariação dos valores biológicos protegidos.”

De acordo com o parecer da Comissão de Avaliação, a eucaliptização atingiu a quase totalidade da serra do Cercal. Há situações particularmente sensíveis à influência das acções projectadas, nomeadamente zonas húmidas, locais de nidificação contíguos e habitats ripícolas sensíveis.

17.5. O estudo de impacte ambiental não se debruça sobre as incidências do projecto no que concerne a espécies da flora fiéis a um dos mais valiosos habitats portugueses, a “surraipa aflorante”.

17.6. O projecto implica a diminuição da área de écotono entre os ecossistemas litorais e os serranos.

17.7. Os impactes da florestação na paisagem são particularmente acentuados, sendo que a mancha arbórea impossibilita a visualização da Serra do Cercal a partir da EN 390.

18. Também não pode deixar de merecer atenção a não apreciação pela CAF de um pressuposto que se revela de importância indiscutível. Trata-se, com efeito, da circunstância de terem já sido aprovados dois projectos de florestação com eucalipto para o mesmo prédio, compreendendo um total de 346 ha (vide supra 3.F]).

O poder discricionário da CAF na apreciação do recurso envolve a eleição dos pressupostos determinantes da decisão, em ordem à melhor prossecução dos interesses públicos resultantes da lei que o confere.

Nestes termos, a omissão do tratamento deste concreto pressuposto pela CAF não pode deixar de se considerar pouco razoável, e inadequada às finalidades subjacentes ao Decreto-Lei nº 175/88, de 17 de Maio.

19. Em matéria de pressupostos e sua apreciação, dir-se-á, por fim, que o pressuposto segundo o qual a execução do projecto minimizará a forte pressão de clandestinos, possivelmente louvando-se na petição de recurso, é inadequado e pouco razoável na sua escolha, a partir dos interesses públicos em presença. A sua escolha mostra-se errónea, na estrita medida do interesse público cuja prossecução compete à CAF, visto que não lhe compete a defesa de valores urbanísticos, sobre os quais existem poderes confiados a outros órgãos da Administração Pública, mas tão só lhe caberá garantir o acompanhamento das acções florestais.

B) – 3. Incumprimento do dever de inclusão no acto dos condicionalismos enunciados no art. 6º do Decreto Regulamentar nº 38/90, de 27 de Novembro.

20. De acordo com o anexo III do Decreto-Lei nº 186/90, de 6 de Junho, o projecto em causa carece de estudo de impacte ambiental, como decorria já do Decreto-Lei nº 175/88, de 17 de Maio.

Ao conceder provimento ao recurso interposto pela PORTUCEL, o órgão ad quem veio a não adoptar o parecer da Comissão de Avaliação de 27.09.93.

Encontra-se, portanto, preenchida a previsão da norma contida no art. 6º, nº 1, do Decreto Regulamentar nº 38/90, de 27 de Novembro.

Contudo, da acta da reunião da CAF de 28.02.94 não se retiram quaisquer condicionalismos ou limitações, cuja inclusão no acto é exigida pelo mencionado preceito.

Daqui resulta, mais uma vez, invalidade do acto por violação de lei.

CONCLUSÕES

21. A deliberação da Comissão para Análise de Florestação de 28.02.94 padece concomitantemente de vício de forma, por violação de formalidade essencial (incumprimento do dever de fundamentação), e de vício de violação de lei (erro sobre os pressupostos de facto e erro manifesto de apreciação, e ainda falta das menções previstas no art. 64, n9 1, do Decreto Regulamentar n4 38/90), os quais determinam a anulabilidade do acto administrativo (art. 1354 do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei nº 442/91, de 15 de Novembro).

22. De acordo com o exposto, entende o Provedor de Justiça fazer uso dos poderes que lhe são conferidos pelo art. 20º, nº 1, alínea a), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril, e, como tal,

RECOMENDAR:

(1º)
A revogação pela Comissão para Análise de Florestação, nos termos do art. 141º do Código do Procedimento Administrativo, da deliberação de 28.02.94, que concedeu provimento ao recurso interposto pela “PORTUCEL Florestal-Empresa de Desenvolvimento Agro-Florestal, SA” da decisão do Instituto Florestal que indeferiu o pedido de autorização de projecto de arborização com espécies florestais de rápido crescimento apresentado em 08.04.93, ao que se deverá seguir novo reexame do acto recorrido.

(2º)
O integral cumprimento do dever enunciado no art. 6º, nº 1, do Decreto Regulamentar nº 38/90, de 27 de Novembro, caso, por hipótese, venha a ser sanado e renovado ou confirmado o acto de autorização, enunciando as obrigações de controlo sobre a execução do projecto.

23. Recordo a V.Exa que a presente Recomendação vincula o seu destinatário ao cumprimento dos deveres contidos no art. 38º, nºs 2 e 3, da Lei 9/91, de 9 de Abril, sem prejuízo da informação a este órgão do Estado sobre todas as medidas eventualmente tomadas quanto aos fins visados, nos termos do art. 29º, nº 1.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel