Director de Serviços de Identificação Civil

Rec. nº 152/A/94
Proc: R-1798/94
Data: 1994-04-10
Área: A5

Assunto: Registos e Notariado

Sequência: Acatada

Na sequência de queixa apresentada na Provedoria de Justiça acerca do caso particular de uma cidadã que apresentou, perante os Serviços que V. Exa dirige, reclamação acerca de lapso ocorrido na emissão do seu Bilhete de Identidade, tendo a mesma sido considerada extemporânea, entendi formular a presente Recomendação, por considerar que as normas que regem a contagem dos prazos de reclamação sobre Bilhetes de Identidade já passados, ofendem as garantias de defesa daqueles que, por imposição legal, se dirigem a esses Serviços.

No caso em apreço, que descreverei sumariamente a fim de melhor provar a V. Exa a iniquidade da situação, a Reclamante – a Srª D. … – requereu junto da Conservatória do Registo Civil de Portimão, em meados de Novembro de 1993, a renovação do seu Bilhete de Identidade e, simultaneamente, a alteração do local de residência constante do mesmo.

Aquele Serviço de Recepção procedeu, à data, ao envio do pedido aos Serviços de Identificação, indicando à Reclamante, como prazo provável de entrega, 3 meses contados da data do requerimento.

Porém, o documento em questão viria a ser emitido em 26/11/93, segundo informação do referido Serviço de Recepção, junto do qual a interessada não reclamou o Bilhete de Identidade senão perto da data inicialmente prevista.

Em Março do corrente ano, após o levantamento do documento junto da Conservatória de Portimão, constatou a Reclamante que a requerida alteração de morada não havia sido efectuada, pelo que dirigiu a competente reclamação à Direcção de Serviços de Identificação Civil, tendo posteriormente tomado conhecimento do teor do v/ documento com a referência … e data de 06/05/94, dando-lhe conta da extemporaneidade da reclamação, pelo que deveria organizar novo processo, o que significa, evidentemente, suportar os respectivos custos.

Sendo certo que o prazo para reclamar, em tais casos, é de 90 dias, perguntar-se-á como é possível – salvo em casos de manifesta negligência – reclamar extemporaneamente.

É que tal prazo é contado, como V. Exa bem sabe, nos termos das instruções divulgadas aos Serviços através da Circular nº 6/88, de 16/03/88 e constantes do impresso mod. 18 destinado à elaboração de reclamações, não a partir da data em que o requerente recebe o documento e verifica a sua exactidão mas, antes, da data de emissão do mesmo documento.

Ora, se no caso dos Bilhetes de Identidade requeridos directamente junto dos Serviços emissores é relativamente fácil prever o prazo para a sua emissão, quando o requerimento é apresentado junto de um Serviço de Recepção, o seu posterior envio aos Serviços Centrais e reenvio ao Serviço de Recepção para entrega ao requerente, tornam o processo não só mais moroso como de duração imprevisível, por factores que V. Exª certamente conhecerá melhor que ninguém.

Deste modo, sempre que se verifique – como no presente caso – uma relativa divergência entre a data prevista para a emissão do Bilhete de Identidade e a data em que tal emissão efectivamente ocorre, a contagem do prazo para reclamação apresentar-se-á necessariamente falseada, uma vez que se iniciou muito tempo antes de o interessado poder, sequer, exercer o direito de reclamação cuja caducidade ocorre por força do decurso daquele prazo.

Tratando-se de um prazo de caducidade, tem aqui aplicação o disposto no artigo 329º do Código Civil que me permito transcrever:

«O prazo de caducidade, se a lei não fixar outra data, começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido.»

Não pode o interessado, evidentemente, exercer o seu direito de reclamação antes de ter conhecimento do conteúdo do acto reclamado, ou, neste caso concreto, antes de lhe ser entregue o Bilhete de Identidade requerido, pelo que antes desta data não poderá, nunca, iniciar-se a contagem do prazo de reclamação.

Atente-se, uma vez mais, para comprovar o que acima ficou dito, no caso da Reclamante: requerido o Bilhete de Identidade em meados de Novembro de 1993 e de acordo com o prazo provável de entrega que lhe foi comunicado (três meses), nunca se apresentaria a interessada a reclamar o seu Bilhete antes de meados de Fevereiro de 1994, fazendo-o, talvez, prudentemente, uns dias mais tarde, uma vez que aquele prazo era o prazo provável. Tendo o documento sido emitido em 26/11/93, o prazo para reclamação – teoricamente de 90 dias – terminaria em 26 de Fevereiro de 1994, isto é, em data muito próxima – eventualmente até anterior – à data do levantamento do Bilhete de Identidade.

Concordará V. Exa que a situação descrita não pode manter-se, sob pena de violação da lei e de os cidadãos se encontrarem sujeitos a perdas de tempo desnecessárias e à realização de despesas que não lhes cumpre suportar.

Acredito, no entanto, que à data da elaboração da norma de contagem do prazo em questão, não tenha sido prevista a possibilidade de a sua aplicação prática gerar a situação que venho de descrever. Constatando-se, porém, que assim acontece,

RECOMENDO

1. Que seja alterada a norma interna que estipula a forma de contagem do prazo para reclamação de Bilhete de Identidade já emitido, no sentido de aquela passar a referir, expressamente, que a contagem do referido prazo só tem início na data do levantamento do Bilhete de Identidade cuja emissão ou renovação se requereu, de acordo com o disposto no artigo 329º do Código Civil.

2. Que, quanto ao caso particular da Reclamante, seja revogada a decisão constante do v/ ofício com a referência …, datado de 06/05/94, que recaiu sobre a reclamação apresentada pela interessada poucos dias após o levantamento do seu Bilhete de Identidade junto da Conservatória do Registo Civil de Portimão, por a contagem do prazo de reclamação não ter obedecido ao comando do supra citado artigo 329º do Código Civil.

3. Que a decisão assim revogada seja substituída por outra que aceite a reclamação em causa e ordene a restituição do montante que, entretanto, a interessada já dispendeu na elaboração de novo processo de obtenção de Bilhete de Identidade, só necessário por manifesto lapso dos Serviços que, não obstante requerimento nesse sentido, não actualizaram a morada constante do Bilhete de Identidade anterior.

Das diligências levadas a efeito na sequência desta minha Recomendação deverá V. Exª dar-me conhecimento imediato.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel