Presidente da Assembleia da República

Rec. nº 109/A/1993
Processo: IP 115/80-A-2
Data: 4-8-1993
Área: A4

Assunto: FUNÇÃO PÚBLICA – ORDEM RELIGIOSA – CONTAGEM TEMPO DE SERVIÇO – IGUALDADE – DIREITO Á SEGURANÇA SOCIAL

Exposição de motivos

1. Desde há anos, enfermeiras religiosas e ex-religiosas solicitam intervenção ao Provedor de Justiça no sentido de ser contado para efeitos de carreira e aposentação o tempo de serviço prestado nos estabelecimentos públicos.

2. Ouvidos vários departamentos da Administração Pública e analisado o problema concluiu-se, não obstante a justiça do pedido, ser duvidoso existir, em rigor, nos termos das leis vigentes, atendendo ao teor dos contratos celebrados com as instituições religiosas, uma relação de emprego entre a Administração e as enfermeiras religiosas que, integradas nas suas congregações, prestavam serviço em instituições hospitalares e assistenciais.

3. Verificou-se, porém, que na maioria dos casos seria possível reconstituir o tempo de serviço e a categoria funcional, assim como a remuneração que, a título de gratificação, era entregue àquelas instituições, uma vez que tais prestações pecuniárias eram determinadas em função de cada religiosa e das remunerações correspondentes dos funcionários públicos.

4. Pareceu justo a alguns dos meus antecessores no cargo que fossem tomadas medidas adequadas, porventura de ordem legislativa, que viessem a permitir que o tempo de serviço prestado pelas enfermeiras e outras profissionais religiosas em instituições públicas pudesse ser tido em conta, quer para efeitos de antiguidade na carreira quer de aposentação, especialmente quando hajam continuado a exercer actividade profissional.

5. O Ministério da Saúde chegou a elaborar um projecto de diploma que não teve até hoje consagração, continuando o problema em aberto (Anexo I no processo da presente Recomendação).

6. Em Abril do ano transacto, mantendo integralmente a posição tomada pelos meus antecessores, recomendei ao Senhor Ministro da Saúde, ao abrigo do disposto nos artigos 20º e 38º da Lei nº 9/91, de 9 de Abril, a elaboração de diploma legislativo com o objectivo referido (Anexo II ao processo da presente Recomendação).

7. Não obstante ter reconhecido, até repetidas vezes, a injustiça da situação, o Ministério da Saúde não aceitou a recomendação, invocando motivos de ordem financeira e por se afigurar que o Decreto-Lei nº 380/89, de 27 de Outubro, permitiria resolver a situação (Anexo III ao processo da presente Recomendação).

8. O Senhor Ministro da Saúde respondeu à recomendação feita considerando-a impossível de satisfazer face ao “contexto de rigor financeiro em que a Administração tem de mover-se”.

Afirma, ainda, afigurar-se “que o regime do Decreto-Lei nº 380/89, de 27 de Outubro, permitirá resolver de uma forma equitativa e realista os problemas levantados”.

O Decreto-Lei referido veio permitir o pagamento retroactivo de contribuições relativas a períodos de actividade profissional por conta de outrém em que os interessados não apresentam carreira contributiva no âmbito do sistema de segurança social, conforme dispõe o seu artigo 1º.

Ainda que, inicialmente, o seu âmbito pessoal parecesse abranger exclusivamente os beneficiários activos do regime geral da segurança social o Decreto-Regulamentar nº 37/90, de 27 de Novembro, veio especificar, no artigo 2º, considerarem-se beneficiários activos os requerentes que sejam subscritores da Caixa Geral de Aposentações, não pensionistas.

Não parece, que o problema a que a recomendação procurava responder tivesse ficado resolvido e, muito menos “de uma forma equitativa e realista”

Há que considerar que este regime é muito oneroso para os eventuais interessados que têm de pagar (só à sua conta) as contribuições correspondentes aos períodos em causa, a uma taxa de 18% (artigo 16º), relativamente ao valor da remuneração mínima mensal garantida ao sector da actividade em causa e que decorri à data do requerimento.

Na hipótese de haver algumas interessadas em recorrer àquela faculdade, supõe-se que poderia levantar alguma dificuldade o facto de o requerimento inicial dever indicar as respectivas entidades empregadoras (artigo 9º), quando, como se viu nos vários pareceres constantes no processo, para alguns, é discutível que houvesse um contrato de trabalho entre as (então) religiosas e a instituição onde “mandatadas” pela ordem religiosa exerciam a sua actividade profissional.

Não parece também que se possa dizer tratar-se de esquemas que não se coadunam com os objectivos do Serviço Nacional de Saúde uma vez que a garantia do exercício do direito à protecção da saúde, não se opõe, antes pressupõe, o respeito dos direitos dos trabalhadores que contribuem para a efectivação dessa mesma garantia.

Conclusão

Considerando que os enfermeiros ou outros profissionais religiosos ou ex-religiosos que exerceram ou exercem actividade profissional em serviços públicos em condições idênticas às dos restantes funcionários, ainda que ao abrigo de acordos entre as instituições religiosas e o Estado, têm direito ao acesso nas suas carreiras e à segurança social,

solicito

a Vossa Excelência, com base no disposto nos artigos 20º nº 1, alíneas a) e b), e 38º da Lei nº 9/91, de 9 de Abril, se digne mandar elaborar legislação que permita pôr termo a esta situação de injustiça, relevando para todos os efeitos, designadamente aposentação e carreira, o tempo de serviço prestado em hospitais ou outras instituições públicas por religiosos ou ex-religiosos, formalmente vinculados às respectivas congregações e não directamente ao Estado.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel