Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Defesa Nacional

Rec. nº 62/A/93
Proc.:R-1408/91
Data:18-05-1993
Área: A 3

Assunto: SEFGURANÇA SOCIAL – ACIDENTE EM SERVIÇO – SERVIÇO MILITAR – INDEMNIZAÇÃO.

Sequência: Não Acatada

Em Setembro/88, aquando da prestação do serviço militar obrigatório, o Senhor …. , ao qual se reporta o ofício desse Gabinete de 91.10.16, foi atingido por um projéctil, que lhe provocou, por forma instantânea, a cegueira do olho esquerdo.

Submetido a junta médica da Caixa Geral de Aposentações, veio a ser-lhe reconhecida uma desvalorização, na sua capacidade geral de ganho, de 30%.

Esta incapacidade conferiu-lhe o direito a uma pensão de invalidez, ao abrigo dos art°s 127º, 38º e 54° do Estatuto da Aposentação – DL nº 498/72, de 9/12 – na redacção dada pelo DL nº 191-A/79, de 25/6.

Inconformado, porém, com o diminuto valor dessa pensão (20.000$00 em Maio/91), pretende o mesmo que lhe seja paga uma justa indemnização, que o repare integralmente dos danos sofridos, uma vez que tal pensão não traduz, no seu entendimento, a “plena reparação” prevista no arte 37° da
Lei nº 30/87, de 7/7, relativamente aos efeitos dos acidentes resultantes do serviço militar efectivo.

Impõe-se, assim, determinar se existe cobertura legal para o ressarcimento dos danos morais provenientes de um acidente em serviço militar obrigatório que ocorreu em Setembro/88.

A lei do serviço militar em vigor naquela data era ainda a Lei nº 2135, de 11.07.68, que não continha, na verdade, nenhuma disposição equivalente ao art.º 37º da actual lei nº 30/87, em que é instituído o direito à plena reparação dos efeitos dos acidentes.

Por seu turno, essa lei não é, efectivamente, aplicável ao caso vertente, ainda que anterior à ocorrência do respectivo acidente, dado que, por força do seu art.º 43º, nº 1, só entrou em vigor com o correspondente diploma regulamentar, aprovado pelo Dec-Lei n2 463/88, de 15/12.

Há, no entanto, que saber se, a nível dos princípios gerais de Direito, haverá justificação para o pretendido ressarcimento de danos morais.

Esta questão enquadra-se numa problemática mais vasta, qual seja a da responsabilidade por risco no caso de actividades excepcionalmente perigosas, a que Gomes Canotilho faz referência em “0 problema da responsabilidade do Estado por actos ilícitos”, a pgs. 247.

Tendo a cegueira do interessado sido provocada por um projéctil que o atingiu durante os exercícios de fogo na carreira de tiro, considero que o caso pode, sem dificuldade, ser tratado à luz dessa figura jurídica.

De qualquer modo, trata-se de matéria de responsabilidade civil objectiva por actos de gestão pública num princípio de que recai sobre o Estado e se funda equidade e justiça.
Os termos dessa responsabilidade do Dec-Lei n° 48051, de 21 de Novembro de 1967.

Aliás, é o próprio Código Administrativo que prescreve, no seu art.º 3º, que os órgãos da Administração Pública devem actuar não só em obediência à lei mas também ao direito.

Acrescenta-se, ainda, no art.º 4º do mesmo Código, que compete aos órgãos administrativos prosseguir o interesse público no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, especificando o art.º 6º, que, no exercício da sua actividade, a Administração Pública
deve tratar de forma justa todos os que com ela entram em relação.

Cumpre, no entanto, averiguar se nessa responsabilidade objectiva do Estado se inclui o dever de ressarcir os danos morais, já que todo o direito legislado está orientado no sentido da reparação exclusiva dos danos materiais, conforme se apreende da natureza das pensões que, por exemplo, têm origem nos acidentes em serviço a que se reporta o Estatuto da Aposentação.

Para o efeito, entendo de interesse aludir a algumas reflexões de Gomes Canotilho, na obra citada.
Interroga-se este autor sobre se “Os danos morais, mesmo dando como ausente a sua reparabilidade, poderão só por si preencher os requisitos da especialidade e gravidade do prejuízo, exigidos para a aceitação de um dever indemnizatório do Estado?”.

Acrescenta que “0 Conseil d’État,que repetidamente negou o direito à reparação dos danos morais com fundamento na insusceptibilidade de apreciação pecuniária destes danos, acabou por aceitar a indemnização de perturbações graves às condições de existência e, no “arrêt Letisserand”
de 1961, admitiu, finalmente, o princípio da indemnização da dor moral”.

Salienta, por fim, o mesmo autor “que, quando se fala em dor moral, esta é, muitas vezes, restritivamente interpretada (parte afectiva do património moral), facto que justificará a parcimónia dos juizes na fixação do montante da indemnização. Mas se a ela se acrescentar, como fazem os tribunais ordinários franceses, as perturbações às condições
de existência, já o dano moral pode revestir o requisito da gravidade exigido na responsabilidade por actos lícitos”.

Ainda sobre esta temática, afigura-se-me de salientar a Resolução n° 9/91 do Conselho de Ministros, publicada no D.R. II Série,
de 91.02.18,que,ao atribuir a um agente da Polícia Judiciária indemnização, a alicerça em razões de interesse público, de ordem moral, de justiça e equidade que impõem ao Estado o dever de ressarcir aqueles
que sofreram prejuízos patrimoniais e morais em consequência directa dos serviços prestados à sociedade.

Parece-me, assim, que há razão para defender que a indemnização por actos lícitos do Estado, que provocaram, dado o seu carácter excepcionalmente perigoso, perturbações nas condições de existência dos cidadãos, deve incluir o ressarcimento dos respectivos danos morais.
Aliás, no campo do direito civil, a jurisprudência tem reconhecido como merecedores de tutela jurídica os danos morais resultantes de deformações sofridas (cfr. Comentário ao arte 496° do C.C. anotado de Pires de Lima e Antunes Varela).

Neste contexto, permito-me formular a seguinte RECOMENDAÇÃO:

Que, tendo em atenção os argumentos atrás expendidos, o interessado venha a ser ressarcido dos respectivos danos morais, em termos a acordar.

0 PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSE MENERES PIMENTEL