Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais

Rec. n.º 22/B/99
R-4761/97
R-1660/99
Data: 17.06.1999
Área :Açores

ASSUNTO: FISCALIDADE – CONTRIBUIÇÃO PREDIAL AUTÁRQUICA – ISENÇÃO – IMÓVEIS CLASSIFICADOS – PATRIMÓNIO MUNDIAL

Sequência:Acatada

I-Introdução

O presente processo é relativo à isenção de contribuição autárquica aplicável aos imóveis sitos em zonas urbanas classificadas.
Com efeito, tem sido entendimento da Administração Tributária que a isenção conferida pelo disposto no artigo 12.º, n.º 1, do Código da Contribuição Autárquica não abrange os prédios urbanos incluídos em conjuntos sobre os quais não recaiu um acto individual de classificação como monumentos nacionais ou imóveis de interesse público (ou, ainda, como imóveis de valor municipal). Esta posição tem implicações relevantes na situação tributária dos imóveis sitos na zona central de Angra do Heroísmo, inscrita pela UNESCO na lista do património mundial e classificada pela Assembleia Legislativa Regional dos Açores como monumento regional. Sendo certo, igualmente, que a presente controvérsia não se reporta em exclusivo à zona central desta cidade da ilha Terceira – porquanto existem outros conjuntos classificados em Portugal -, tratar-se-á a presente questão com referência a Angra do Heroísmo uma vez que análise agora suscitada resulta de queixa relativa ao indeferimento, pela Repartição de Finanças do Concelho de Angra do Heroísmo, de pedidos de concessão do benefício da isenção do pagamento da contribuição autárquica.

O processo aberto na Extensão da Provedoria de Justiça da Região Autónoma dos Açores vem instruído com documentação que dá conta de inúmeras diligências asseguradas, ao longo dos últimos anos, perante diversas entidades. Importa ter presente estes contributos.
Em 26/07/94, o senhor Chefe da Repartição de Finanças de Angra do Heroísmo dirigiu ofício a Sua Excelência o Ministro da República para a Região Autónoma dos Açores, solicitando esclarecimentos sobre “qual a entidade competente para atribuir aos prédios objecto dos pedidos de isenção, a classificação de: Monumentos Nacionais, Imóveis de interesse público e Imóveis de valor concelhio (…)” . A coberto do ofício nº 585, de 28/10/94, o Gabinete do Ministro da República prestou as seguintes informações:
“(…) a competência para classificar um bem imóvel como Monumento Nacional cabe ao IPPAAR, sob a tutela da Secretaria de Estado da Cultura, relativamente à classificação como imóvel de interesse público ou de valor concelhio é competente o Governo Regional por meio de resolução, sob proposta do Secretário Regional da Educação e Cultura, nos termos do artigo 4º do Decreto Regional nº 13/79/A, de 16 de Agosto, por força do Decreto-Lei nº 408/78, de 19 de Dezembro.

Em relação aos prédios integrados na zona central da cidade de Angra do Heroísmo, a sua localização não é requisito suficiente para os reconhecer como objecto de isenção autárquica, por um lado, porque a classificação incide sobre o conjunto homogéneo de edifícios que constituem a zona central da cidade de Angra considerada como um só monumento, e não sobre cada prédio individualmente classificado, por outro lado, a inscrição pela UNESCO da zona central de Angra do Heroísmo na lista do património mundial, como conjunto de valor universal, bem como a sua classificação como monumento regional (cfr. DLR nº 15/84/A, de 13.04.84), por força do princípio da legalidade não relevam para efeitos de isenção de contribuição autárquica”.
Nesta data, o senhor Chefe da Repartição de Finanças de Angra do Heroísmo havia já remetido o ofício nº …, ao senhor Director de Serviços da Contribuição Autárquica epigrafado “Isenção de Contribuição Autárquica, nos termos do nº 1 do artigo 12º, do CA” e no qual – não obstante ser de “parecer que todos os prédios implantados dentro da Zona Classificada como Património Mundial da Cidade de Angra do Heroísmo ou Zona abrangida pelo Decreto Legislativo Regional nº 15/84/A, de 13 de Abril, estarão abrangidos pela isenção do já mencionado nº 1 do artº 12º (…)” – solicitava informação sobre o entendimento da Direcção de Serviços da Contribuição Autárquica. A resposta apenas foi recebida na Repartição de Finanças de Angra do Heroísmo em 07/06/95 (note-se que mais de dez meses após o pedido), através do ofício nº …, que informava que “por despacho de 95/05/23, do Exmº Senhor Subdirector-Geral foi sancionado o entendimento constante na informação nº … (…)” .
Importa dar especial atenção a esta informação, bem como aos despachos que nela foram proferidos.

Destaco, como ponto prévio, que a absoluta falta de fundamentação da informação nº… ao mesmo tempo que permite a sua transcrição na íntegra aconselha que se chame a atenção para o deficientíssimo tratamento que a questão mereceu na Direcção de Serviços da Contribuição Autárquica. Esperar-se-ia que as expectativas dos contribuintes, por um lado, e a dúvida colocada pelo senhor Chefe de Repartição de Finanças de Angra do Heroísmo, por outro, justificassem uma maior profundidade na análise dos problemas que a presente matéria suscita. Com efeito, na informação em causa era simplesmente afirmado que:
“Acerca do assunto em epígrafe, vem o Chefe da Repartição de Finanças de Angra do Heroísmo, solicitar esclarecimento sobre o tratamento a dar aos prédios situados naquela zona, nomeadamente no capítulo das isenções a que se refere o nº 1 do artº 12º do Código da Contribuição Autárquica.
Diz tal articulado, que estão isentos de contribuição autárquica os prédios que hajam sido classificados como monumentos nacionais ou imóveis de interesse público e, bem assim, os classificados como imóveis de valor municipal, nos termos da legislação aplicável.
Tratam-se assim de prédios que beneficiam de uma isenção objectiva expressa e reconhecida pelo Chefe da Repartição de Finanças da área da situação do(s) prédio(s), mediante requerimento com prova documental suficiente para o reconhecimento.

Ora a prova documental, não é mais do que a publicação em órgão competente (Diário da República) onde se enuncia quais os monumentos ou imóveis de interesse público ou ainda de valor municipal, abrangidos por tal classificação.
No caso em apreço, o Decreto Legislativo Regional nº 15/84/A, de 13 de Abril, no Capítulo I, artº 1º, classifica a zona central da cidade de Angra do Heroísmo como monumento regional e apresenta as suas delimitações. Deste modo, afigura-se que os imóveis incluídos em tais delimitações, devem ficar abrangidos pela isenção de contribuição autárquica, a que se refere o nº 1 do artº 12º do CCA”.
Esta informação mereceu, em 19/05/95, despacho de “Nada a opor” por parte do senhor Subdirector Tributário. Seguidamente (em 23/05/95), foi proferido o seguinte despacho pelo senhor Director de Serviços:
“O nº 1 do artº 12º, do Código da Contribuição Autárquica, isenta da mesma “os prédios que hajam sido classificados como monumentos nacionais …”. Logo, a isenção dirige-se aos prédios concretos, e não a zonas assim classificadas, como é o caso em presença.
Assim, tendo em conta o estatuído no artº 9º da Lei nº 13/85, de 6 de Julho, e tendo presente o Decreto Legislativo Regional nº 15/84/A, de 13.4.84, afigura-se-nos que competirá ao proprietário fazer prova da efectiva classificação do seu prédio a obter junto da entidade promotora e detentora do processo de classificação, por forma a que a Repartição de Finanças fique habilitada a reconhecer (…), oficiosamente, a isenção pretendida”.
Finalmente, o senhor Subdirector-Geral proferiu, também em 23/05/95, despacho de concordância.
Refira-se, ainda, que, em 17/09/98 e mediante o ofício nº …, este Órgão do Estado solicitou ao Gabinete de Vossa Excelência esclarecimentos sobre:
a)Qual o entendimento perfilhado pelo Ministério das Finanças relativamente à extensão da isenção da contribuição autárquica aos imóveis integrados em zonas classificadas (embora não individualmente classificados);
b)Se o Ministério das Finanças ponderava – no caso de ser considerado que a isenção da contribuição autárquica apenas abrangia os imóveis individualmente classificados – a possibilidade de alterar o normativo vigente, no sentido de passar a abranger os imóveis integrados em zonas classificadas.

Em resposta, foi recebido o ofício nº … que era do seguinte teor:
“-A isenção prevista no nº 1 do artigo 12º do Código da Contribuição Autárquica abrange exclusivamente os prédios individualmente classificados e não prédios incluídos em conjuntos;
-Relativamente aos prédios não classificados individualmente, integrados em zonas classificadas (v.g. zonas centrais, bairros, baixas, zonas circundantes, zonas de protecção geral e especial e outras), ainda não existe uma decisão firmada. Informa-se, porém que já foi aprovada em reunião de Conselho de Ministros a Lei do Património Cultural que será complementada por outra Lei que congregará os benefícios fiscais nesta sede”.
Estando, pois, delimitado o objecto da análise examinar-se-ão, de seguida, os principais problemas que o estudo coloca. A primeira matéria consiste na busca da resposta para a pergunta qual a extensão do benefício fiscal contemplado no artigo 12º, nº 1, do Código da Contribuição Autárquica? Porém, esta abordagem não esgota o estudo a empreender. E isto porquanto ainda que se conclua que os prédios integrados em conjuntos não beneficiam da isenção prevista naquela norma, colocar-se-á sempre uma segunda questão para a qual importa encontrar resposta: devem, ou não, os prédios urbanos integrados em zonas classificadas beneficiar de isenção do pagamento de contribuição autárquica ainda que não hajam sido individualmente classificados como monumentos nacionais, imóveis de interesse público ou imóveis de valor municipal?

II-Exposição de Motivos

A-A Isenção de Contribuição Autárquica

O Código da Contribuição Autárquica foi aprovado pelo Decreto-Lei nº 442-C/88, de 30 de Novembro. Era do seguinte teor a disposição contida no artigo 12º na parte relativa aos imóveis classificados:

Capítulo II-Isenções
Artigo 12º-Isenções

1.Estão isentos de contribuição autárquica:
a)Os prédios que hajam sido classificados como monumentos nacionais ou imóveis de interesse público, nos termos da legislação aplicável;
(…)
(…)
3. As isenções a que se refere este artigo iniciam-se:
a)No caso previsto na alínea a) do n.º 1, no ano, inclusive, em que os prédios sejam classificados como monumentos nacionais ou imóveis de interesse público;
(…)
4. As isenções a que se refere este artigo serão reconhecidas pelo chefe da repartição de finanças da área da situação do prédio, precedendo requerimento devidamente documentado.
5. O requerimento a que se refere o número anterior deverá ser apresentado pelos sujeitos passivos no prazo de 90 dias contados da verificação do facto determinante da isenção.
(…)
A redacção do artigo 12º do CCA aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-C/88, de 30 de Novembro, foi alterada pelo Decreto-Lei nº 140/92, de 17 de Julho (cf. artigo 1º), tendo passado a dispor assim:

Artigo 12º-Isenção
1. Estão isentos de contribuição autárquica os prédios que hajam sido classificados como monumentos nacionais ou imóveis de interesse público e, bem assim, os classificados como imóveis de valor municipal, nos termos da legislação aplicável.
2. As isenções previstas no número anterior iniciam-se no ano, inclusive, em que os prédios sejam classificados como monumentos nacionais, imóveis de interesse público ou classificados como imóveis de valor municipal.
(…)
4. As isenções a que se refere o n.º 1 deste artigo serão reconhecidas pelo chefe da repartição de finanças da área da situação do prédio, precedendo requerimento devidamente documentado.
5. O requerimento a que se refere o número anterior deverá ser apresentado pelos sujeitos passivos no prazo de 90 dias contados do facto determinante da isenção.
Seguidamente à publicação do Decreto-Lei nº 140/92, de 17 de Julho, ocorreu a aprovação de diversos diplomas que produziram alterações na redacção do artigo 12º, do CCA, a saber:
– A Lei nº 75/93, de 20 de Dezembro, que, no entanto, não alterou a redacção dos números 1, 2, 4 e 5;
– A Lei nº 39-B/94, de 27 de Dezembro, que, igualmente, não alterou o disposto nos números 1, 2, 4 e 5; e
– A Lei nº 87-B/98, de 31 de Dezembro, que, não obstante ter introduzido um novo número 2, deixou inalterada a redacção dos anteriores números 1, 2, 4 e 5. A única alteração digna de nota foi a passagem dos números 2, 4 e 5 para 3, 5 e 6, respectivamente.
Em conclusão, posteriormente à publicação do Decreto-Lei nº 140/92, de 17 de Julho, as modificações produzidas no artigo 12º, do CCA, não redundaram em alterações com relevância para a economia deste estudo.
Como já referi, a primeira questão que importa abordar é a de saber se o legislador ao afirmar que “estão isentos de contribuição autárquica os prédios que hajam sido classificados como monumentos nacionais ou imóveis de interesse público e, bem assim, os classificados como imóveis de valor municipal, nos termos da legislação aplicável” excluiu a possibilidade dos prédios incluídos em conjuntos virem a beneficiar daquela isenção.
Independentemente da conclusão que vier a ser alcançada, devo desde já afirmar a minha discordância relativamente ao entendimento perfilhado pelo senhor Director de Serviços no despacho de 23/05/95 acima mencionado. Relembrem-se os dois argumentos nele aduzidos em desfavor da tese da aplicação da isenção à totalidade dos imóveis que integram a zona classificada de Angra do Heroísmo:
-O artigo 12º, nº 1, do CCA, apenas isenta prédios concretos, e não zonas;
-Cabe ao proprietário fazer a prova da classificação do seu prédio.
Estas afirmações, segundo creio, não são de molde a fundamentar a conclusão a que a Administração Tributária chegou nesta matéria. Veja-se porquê:
-Primeiramente, porquanto a contribuição autárquica é um imposto municipal que incide sobre o valor tributável dos prédios situados na área de cada município. Logo, nos termos do CCA, apenas os prédios estão sujeitos ao pagamento deste imposto – razão pela qual somente os prédios podem ser isentados do seu pagamento. Não seria de esperar, portanto, que o texto legal falasse em prédio, em termos de tributação, e em zona ou conjunto, em termos de isenção;
-Acrescidamente, porque afirmar que cabe ao proprietário fazer a prova da classificação do seu imóvel nada adianta no esclarecimento da dúvida suscitada. A questão consiste exactamente em saber se essa prova (a fazer nos termos do disposto no artigo 12º, nºs 5 e 6 , do CCA) fica realizada com a apresentação do instrumento que classifica a zona central de Angra do Heroísmo como monumento regional – ou se, pelo contrário, é exigível a entrega do documento que classificou individualmente o prédio objecto do pedido.

Devo começar por chamar a atenção para a circunstância da isenção de contribuição autárquica não se confundir com a não incidência do imposto. Com efeito, “a isenção é um benefício concedido pela Lei ao contribuinte, enquanto a não incidência do imposto retira o prédio do âmbito da tributação” . Outro facto que importa destacar é que o chefe da Repartição de Finanças apenas reconhece as isenções, conforme dispõe o artigo 12º, nº 5, do CCA, uma vez que é a Lei que as concede. É, pois, no texto legal que se devem buscar os parâmetros, e os limites, do benefício fiscal objecto do presente estudo.
O artigo 12º, nº 1, do CCA, refere que estão isentos de contribuição autárquica os prédios que hajam sido classificados, nos termos da legislação aplicável, como:
-Monumentos nacionais ou imóveis de interesse público; e
-Imóveis de valor municipal.

A legislação aplicável referida é a Lei do Património Cultural Português, aprovada pela Lei nº 13/85, de 6 de Julho . A protecção dos bens materiais imóveis que integram o património cultural português assenta na sua classificação (artigo 7º, nº 1). Esta compreende as categorias monumento, conjunto e sítio (nº 2, 1ª parte), sendo que os bens imóveis são classificados, acrescidamente, como de valor local, de valor regional, de valor nacional e de valor internacional (nº 2, in fine).
A designação monumentos refere-se a obras de arquitectura, enquanto a expressão conjuntos diz respeito a agrupamentos arquitectónicos, e a classificação de sítios identifica obras do homem ou obras conjuntas do homem e da natureza [artigo 8º, nº 1, alíneas a), b) e c)].
Por forma a estimular a defesa do património cultural nacional, e a sua adequada salvaguarda, o Governo deve promover, nos termos do disposto no artigo 46º, nº 1, “o estabelecimento de regimes fiscais apropriados”. O nº 2 desta disposição refere expressamente que:

Artigo 46º
(…)
2. O regime fiscal especial dos bens classificados do património cultural compreenderá desde logo:
a) A isenção do imposto da sisa e da contribuição predial, exceptuando-se apenas os imóveis arrendados, pela parte correspondente a esse arrendamento;
(…)
A referência à contribuição predial deve ser entendida, na sequência da aprovação do Decreto-Lei nº 442-C/88, de 30 de Novembro, como feita à contribuição autárquica uma vez que esta “é um imposto que veio substituir a contribuição predial” .
A conjugação do disposto no artigo 46º, nº 2, da Lei do Património Cultural Português, e no artigo 12º, nº 1, do CCA, revelam – segundo creio -, a necessidade da isenção relativa ao imposto da sisa e da contribuição autárquica dever ser reportada à preocupação de defesa do património e sua adequada salvaguarda. Os benefícios fiscais previstos nada mais são, portanto, do que a consagração de parte dos “regimes fiscais apropriados” a este fim que o Governo deveria promover nos termos do já mencionado disposto no artigo 46º, nº 1, da Lei nº 13/85, de 6 de Julho.
A razão de ser desta discriminação positiva não parece ser de difícil enunciação. Como explica o acórdão nº 403/89 do Tribunal Constitucional, atrás citado, “na economia da Lei nº 13/85, o património cultural, constituído por bens materiais, móveis e imóveis, e por bens imateriais, é objecto de especiais medidas de salvaguarda e valorização; esta especial atenção das autoridades públicas incide, quanto aos bens materiais, sobre aqueles que tenham sido objecto de classificação. Sobre os proprietários dos bens classificados impendem obrigações qualificadas, todos elas de alguma forma derrogatórias do regime comum do direito de propriedade, em contrapartida do que a Lei prevê a adopção pelos poderes públicos de medidas diferenciadas de conservação e valorização” . São as limitações (ou derrogações, como lhe chama o acórdão) ao direito de propriedade que fundamentam a consagração dos benefícios fiscais relativos à sisa e à contribuição autárquica.

Sendo esta a ratio do preceito importa compreender o que distingue a classificação de conjunto das classificações de monumento nacional, de imóvel de interesse público e de imóvel de valor municipal para apurar se constituem categorias a que devem corresponder diferentes regimes jurídicos aplicáveis, designadamente em termos tributários, ou se, pelo contrário, inexistem razões para um distinto tratamento fiscal.
Como deixei exposto, a classificação consagrada pela Lei nº 13/85, de 6 de Julho, distingue entre monumentos, conjuntos e sítios (artigo 7º, nº 2, 1ª parte, e artigo 8º, nº 1), acrescentando a possibilidade de serem classificados de interesse internacional, nacional, regional ou municipal (artigo 7º, nº 2) .
Então, conjugando as disposições contidas nos artigos 7º, nº 2 e 8º, da Lei nº 13/85, de 6 de Julho, temos que, esquematicamente, os bens imóveis podem ser classificados em:
-Monumentos de interesse internacional (1), nacional (2), regional (3) ou municipal (4);
-Conjuntos de interesse internacional (5), nacional (6), regional (7) ou municipal (8);
-Sítios de interesse internacional (9), nacional (10), regional (11) ou municipal (12).

O universo dos bens materiais imóveis que, pelo seu valor histórico, artístico, científico, social e técnico, integram o património arquitectónico de Portugal compreende todos os bens materiais imóveis de natureza arquitectónica de interesse cultural, classificados segundo as leis em vigor, e conforme a acepção da Convenção de Granada de 1985, integrada na ordem jurídica portuguesa através do Decreto do Presidente da República n.º 5/91, de 23 de Janeiro. Com efeito, a Convenção para a Salvaguarda do Património Arquitectónico da Europa dispõe, no seu artigo 1º,

Definição do Património Arquitectónico
Artigo 1º

Para os fins da presente Convenção, a expressão “património arquitectónico” é considerada como integrando os seguintes bens imóveis:
1)Os monumentos: todas as construções particularmente notáveis pelo seu interesse histórico, arqueológico, artístico, científico, social ou técnico, incluindo as instalações ou os elementos decorativos que fazem parte integrante de tais construções;
2)Os conjuntos arquitectónicos: agrupamentos homogéneos de construções urbanas ou rurais, notáveis pelo seu interesse histórico, arqueológico, artístico, científico, social ou técnico, e suficientemente coerentes para serem objecto de uma delimitação topográfica;
3)Os sítios: obras combinadas do homem e da natureza, parcialmente construídas e constituindo espaços suficientemente característicos e homogéneos para serem objecto de uma delimitação topográfica, notáveis pelo seu interesse histórico, arqueológico, artístico, científico, social ou técnico.
Relativamente às medidas previstas para assegurar a protecção e a valorização do património arquitectónico atente-se no disposto nos artigos 3º e 6º:

Processos Legais de Protecção
Artigo 3.º

As Partes comprometem-se:
1)A implementar um regime legal de protecção do património arquitectónico;
2)A assegurar, no âmbito desse regime e de acordo com modalidades próprias de cada Estado ou região, a protecção dos monumentos, conjuntos arquitectónicos e sítios.

Medidas Complementares
Artigo 6.º

As Partes comprometem-se a:
1)Prever, em função das competências nacionais, regionais e locais, e dentro dos limites dos orçamentos disponíveis, um apoio financeiro dos poderes públicos às obras de manutenção e restauro do património cultural situado no respectivo território;
2) Recorrer, se necessário, a medidas fiscais susceptíveis de facilitar a conservação desse património;
(…)
A protecção do património arquitectónico implica a adaptação dos regimes legais nacionais e pode compreender, como medida complementar, medidas especiais de natureza fiscal. Estes instrumentos, como é bom de ver, visam a salvaguarda de todo o património arquitectónico – monumentos, conjuntos e sítios. Reduzir os benefícios fiscais à categoria monumentos não encontra justificação no quadro normativo vigente em matéria de património cultural nem, certamente, na própria natureza das coisas. Note-se, pois, que um prédio integrado num conjunto não deixa, pelo facto de não ter sido individualmente referido, de estar classificado. O que é relevado, no que diz respeito aos conjuntos, é a homogeneidade e a coerência do agrupamento. Mas a necessidade de salvaguardar o conjunto não é, certamente, menor do que a urgência em preservar a individualidade; nem, tão pouco, a importância cultural do grupo de edifícios fica prejudicada pela não classificação individual de cada imóvel.

B-A Zona Classificada de Angra do Heroísmo

Em face do acórdão nº 403/89 do Tribunal Constitucional – e da declaração de inconstitucionalidade de diversas normas da Lei nº 13/85, de 6 de Julho, no que respeita à sua aplicação aos Açores – poder-se-ia pensar que o Decreto-Lei nº 408/78, de 19 de Dezembro, manteria a sua vigência na Região Autónoma dos Açores, uma vez que “a declaração de inconstitucionalidade (…) produz efeitos retroactivamente, ex tunc (…)” e o efeito prático é, quase sempre, “o carácter declarativo de nulidade da norma inconstitucional” e, portanto, a repristinação do diploma que as normas declaradas inconstitucionais haviam revogado. No caso em apreço, porém, há grande dificuldade em aceitar a vigência simultânea de parte da Lei nº 13/85, de 6 de Julho, e do diploma que esta veio revogar .
Os termos do agrupamento em categorias – internacional, nacional, regional e municipal – dos bens imóveis classificados foram remetidos para posterior regulamentação, como resulta da leitura do nº 2 do artigo 7º.
O Decreto Regional nº 13/79/A, de 16 de Agosto, definiu o património cultural da Região Autónoma dos Açores e estabeleceu as normas relativas à sua protecção. Por outro lado, atribuiu à Secretaria Regional de Educação e Cultura competência para promover a classificação de bens do património cultural da Região como bens de interesse público e como bens concelhios. Transcreve-se a parte relevante do artigo 5º deste diploma:

Artigo 5º
1.Poderão ser classificados como de interesse público os bens móveis e imóveis, individualmente ou em conjunto:
2.Aos imóveis classificados como de interesse público poderá ser atribuído o título de monumento regional, quando se revestir de interesse artístico ou histórico especialmente relevante para a Região.
(…)
No que diz respeito à zona central de Angra do Heroísmo, a classificação como monumento regional ocorreu mediante a aprovação do Decreto Legislativo Regional nº 15/84/A, de 13 de Abril. Este diploma define, igualmente, um conjunto de medidas de protecção e valorização urbanística, e cria o Gabinete da Zona Classificada de Angra do Heroísmo (cuja regulamentação foi concretizada pelo Decreto Regulamentar Regional nº 26/87/A, de 26 de Agosto).
Importa, para finalizar, lembrar que, nos termos do disposto no seu artigo 60º, a Lei nº 13/85 salvaguardou as classificações existentes à data da sua entrada em vigor ao assegurar expressamente que “mantém-se em vigor todos os efeitos decorrentes de anteriores classificações de bens culturais imóveis (…)”.

C-O regime fiscal aplicável
Do que fica exposto, não pode deixar de se concluir que, ao classificar a zona central de Angra do Heroísmo como monumento regional, o artigo 5º do Decreto Regional nº 13/79/A, de 16 de Agosto, procedeu à classificação, em conjunto, dos imóveis que o integram como imóveis de interesse público. Com efeito, o texto legal é claro ao referir-se à classificação dos imóveis em conjunto – e não à classificação de um conjunto de imóveis.
O legislador consagrou, pois, a solução mais justa, e também a mais lógica.
A não ser assim, a protecção dos conjuntos apareceria como um instrumento enfraquecido relativamente à defesa de um só imóvel classificado; ou, por outras palavras: o ordenamento jurídico teria consagrado a tese de que era mais importante beneficiar (fiscalmente) a preservação de um só imóvel classificado, do que um amplo conjunto homogéneo de construções notáveis pelo seu interesse histórico, arqueológico, artístico, científico, social ou técnico, e suficientemente coerentes para serem objecto de uma delimitação topográfica.

Em face desta conclusão, nada mais resta senão retirar que, para efeitos fiscais – e, designadamente, nos termos do disposto no artigo 12º, do CCA – todos os imóveis situados na Zona Classificada de Angra do Heroísmo, estão isentos do pagamento de contribuição autárquica porquanto são imóveis de interesse público classificados ao abrigo do regime jurídico do património cultural português.
Acrescente-se, porém, que se se houvesse concluído que os prédios integrados em conjuntos não beneficiavam da mencionada isenção, ter-se-ia que afirmar que os prédios urbanos integrados em zonas classificadas deveriam beneficiar de isenção do pagamento de contribuição autárquica e, em consequência, recomendar-se-ia a consagração legislativa desta solução. Mas, como foi explicado, esta isenção já existe e, como tal, deve ser reconhecida.
No que concerne à questão do imposto de sisa, chamo a atenção para a necessidade de ser consagrada, em sede fiscal, a isenção prevista no artigo 46º, nº 2, alínea a), da Lei nº 13/85, de 6 de Julho. A razão de ser é, grosso modo, a mesma apresentada a propósito da contribuição autárquica.

Por fim, e em face dos interesses em presença – em especial a necessidade de protecção dos imóveis que integram o património arquitectónico “notáveis pelo seu interesse histórico, arqueológico, artístico, científico, social ou técnico, e suficientemente coerentes para serem objecto de uma delimitação topográfica” (cf. artigo 1º da Convenção para a Salvaguarda do Património Arquitectónico da Europa) -, julgo fazer todo o sentido defender a utilidade de serem previstas isenções condicionadas ao cumprimento, por parte dos respectivos proprietários, de obrigações relacionadas com a conservação e valorização dos imóveis classificados. Deste modo, ao benefício fiscal corresponderá uma efectiva contrapartida em favor do património cultural classificado.

III-Conclusões
Pelas razões que deixei expostas e no exercício do poder que me é conferido pelo disposto no artigo 20º, nº 1, alínea b), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril,RECOMENDO
A. Que seja sancionado o entendimento constante da presente Recomendação nos termos do qual a isenção prevista no artigo 12º, nº 1, do CCA, é aplicável aos imóveis integrados em conjuntos classificados;
B. Que seja assegurada a divulgação deste entendimento junto das repartições de finanças das áreas de situação dos prédios integrados em conjuntos classificados e, em especial, junto da Repartição de Finanças do Concelho de Angra do Heroísmo;
C. Que seja desencadeado o mecanismo legislativo tendente à consagração da isenção do pagamento de imposto de sisa que tributa as transmissões de imóveis integrados em conjuntos classificados;
D. Que seja ponderada a alteração do regime fiscal aplicável aos imóveis classificados, por forma a serem criados benefícios fiscais condicionados ao cumprimento, por parte dos proprietários dos bens classificados, de obrigações relacionadas com a conservação e valorização dos respectivos imóveis.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel