Presidente da Assembleia da República

Rec. n.º 3/B/99
Proc.: R-240/96
Data: 1999-01-27
Área: A 1

ASSUNTO: DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS -ELEIÇÕES – AÇORES – HORA LEGAL – DIVULGAÇÃO DE RESULTADOS – ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO.

Sequência: Sem resposta

I- Exposição de Motivos

1. Na sequência da transmissão à Provedoria de Justiça pelo Gabinete de Sua Excelência o Ministro da República para os Açores de uma exposição tendo por objecto os inconvenientes da disparidade entre a hora de encerramento das urnas eleitorais na Região Autónoma dos Açores e no restante território nacional, nos actos eleitorais de âmbito nacional, determinei a abertura de processo destinado a apreciar as soluções resultantes da Lei quanto a esse aspecto.

2. Na exposição em causa referia-se não ser possível evitar que as projecções e resultados eleitorais do Continente sejam recebidos nos Açores enquanto ainda decorre aí acto eleitoral, facto que pode influenciar o sentido do voto daqueles que ainda não o exerceram.

3. Nos termos do artigo 80.º, n.º 1, da Lei Eleitoral para o Presidente da República, e do artigo 89.º, n.º 2, da Lei Eleitoral para a Assembleia da República, a admissão de eleitores nas assembleias de voto far-se-á até às 19 horas, apenas podendo votar depois desta hora os eleitores presentes. A mesma solução é consagrada pela Lei Orgânica do Regime do Referendo, no seu artigo 121.º, n.ºs 1 e 2. Não sendo realizada pelos diplomas referidos qualquer distinção, deve entender-se que a hora limite para a admissão de eleitores na assembleia corresponde sempre às 19 horas, quer se trate de assembleias de voto em Portugal continental, na Região Autónoma da Madeira, ou na Região Autónoma dos Açores.

4. A hora legal em Portugal continental e na Região Autónoma da Madeira coincide com o tempo universal coordenado, com excepção do período entre o último domingo de Março e o último domingo de Outubro, em que coincide com o tempo universal coordenado aumentado de sessenta minutos (artigo 1.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 17/96, de 8 de Março, e artigo 1.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto Legislativo Regional n.º 6/96/M, de 25 de Junho, respectivamente).

5. Na Região Autónoma dos Açores a hora legal coincide com o tempo universal coordenado diminuído de sessenta minutos no período entre o último domingo de Outubro e o último domingo de Março seguinte, e com o tempo universal coordenado durante o resto do ano (artigo 1.º do Decreto Legislativo Regional n.º 16/96/A, de 1 de Agosto), pelo que nos Açores a hora legal apresenta sempre um atraso de sessenta minutos relativamente à hora legal de Portugal continental e da Madeira.

6. Desta forma, o encerramento das urnas eleitorais na Região Autónoma dos Açores, em eleições de âmbito nacional, ocorre sempre uma hora depois do fecho das urnas no resto do País, pelo que as operações de apuramento se iniciarão aí – e poderão concluir-se – antes de terminar a votação nos Açores.

7. No que respeita à difusão de previsões ou simulações de voto que se baseiem em sondagens ou inquéritos, os artigos 8.º e 1.º, n.º 2, da Lei n.º 31/91, de 20 de Julho, estabelecem claramente que a sua divulgação no dia do acto eleitoral ou referendário só se poderá fazer depois do encerramento das urnas, o que deve ser entendido, a meu ver, como o encerramento de todas as urnas, em todo o território nacional. Assim, a difusão das referidas projecções, baseadas, ainda que só parcialmente, em sondagens ou inquéritos, é ilícita, cabendo a sua fiscalização à Comissão Nacional de Eleições, nos termos do artigo 9.º, n.º 2, da Lei n.º 31/91.

8. Contudo, a Lei n.º 31/91 não pune a publicação ou difusão de sondagens ou inquéritos, ou o seu comentário ou análise, no dia das eleições ou do referendo, até ao encerramento das urnas. O artigo 14.º, n.º 1, alínea c), desse diploma legal apenas prevê a punição com coima da publicação ou difusão nos sete dias que antecedem o dias das eleições ou da votação para referendo, e nenhuma outra norma da Lei n.º 31/91 estabelece sanção para os actos ilícitos em causa, o que nos termos do princípio da legalidade ínsito no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, impede a sua punição.

9. Este facto resulta tanto mais estranho quanto se verifica que o bem jurídico protegido pela proibição de publicação e difusão de sondagens ou inquéritos num dado período anterior à votação – a livre formação da vontade eleitoral ou referendária dos cidadãos – se mostra tanto mais atingido quanto mais próximo do dia da realização das eleições ou da votação para referendo forem publicadas as sondagens ou os inquéritos.

10. Já no que respeita à divulgação de resultados eleitorais do Continente ou da Madeira antes do encerramento das urnas nos Açores, bem como das projecções realizadas apenas com base nesses resultados, o enquadramento jurídico é diverso.

11. Com efeito, são as próprias leis eleitorais que estabelecem dever o apuramento dos votos ser imediatamente publicado por edital afixado à porta principal do edifício da assembleia de voto, em que se discriminarão o número de votos atribuídos a cada candidatura ou lista e o número de votos em branco e o de votos nulos (artigo 92.º, n.º 5, da Lei Eleitoral para o Presidente da República, e artigo 102.º, n.º 7, da Lei Eleitoral para a Assembleia da República).

12. Desta forma, os resultados apurados no Continente ou na Madeira antes do encerramento das urnas nos Açores poderão ser aí conhecidos, com a consequente possibilidade de influenciar a votação que ainda decorre, já que pode propiciar que cidadãos recenseados nos Açores e que ainda não exerceram o seu direito de voto o façam ou, mais importante, o deixem de fazer, exclusivamente em função de resultados parciais do acto eleitoral em curso já divulgados.

13. Esta consequência do actual regime jurídico dos actos eleitorais de âmbito nacional não pode deixar de ser considerada prejudicial, tendo em vista a necessidade de garantir que o exercício do direito de voto decorra livre de pressões de qualquer tipo, permitindo ao eleitor que a fase final de formação do sua vontade eleitoral ou referendária se realize ao abrigo de influências externas e se apresente como fruto de reflexão individual sobre as várias opções políticas que lhe são propostas.

14. Para alcançar este desiderato, o regime jurídico dos actos eleitorais de âmbito nacional prevê várias regras limitativas, desde a imposição do termo da campanha eleitoral ou referendária nas 24 horas da antevéspera do dia designado para as eleições ou para a votação para o referendo, até à proibição de propaganda dentro das assembleias de voto e fora delas até à distância de 500 m, passando pela proibição da publicação ou divulgação de sondagens ou inquéritos relativos aos actos em causa nos sete dias que os antecedem.

15. E é com vista a prevenir situação análoga que se prevê, no artigo 136.º da Lei Orgânica do Regime do Referendo, que os resultados do apuramento parcial só podem ser difundidos ou publicados após o encerramento de todas as assembleias de voto.

16. Não se mostra, pois, compatível com o princípio da liberdade da formação da vontade dos cidadãos em actos eleitorais a possibilidade de divulgação de resultados parciais relativos a Portugal continental ou à Madeira quando as urnas eleitorais dos Açores ainda não encerraram.

17. Ao Provedor de Justiça cabe, nos termos do artigo 20.º, n.º 1, alínea b), do seu Estatuto, assinalar as deficiências de legislação que verificar, emitindo recomendações para a sua interpretação ou alteração, ou sugestões para a elaboração de nova legislação.

18. É nessa medida que venho colocar à consideração da Assembleia da República a necessidade de alterar o regime jurídico dos actos eleitorais de âmbito nacional, de forma a salvaguardar o princípio de liberdade da formação da vontade eleitoral dos cidadãos acima referido, o que poderá passar ou pela diferenciação das horas de encerramento das urnas eleitorais nos Açores e no resto do País, ou pela proibição de divulgação de resultados eleitorais parciais enquanto não se mostrar concluída a votação em todo o País.

II- Conclusões

De acordo com o exposto, RECOMENDO à Assembleia da República:

a) A alteração do regime jurídico dos actos eleitorais de âmbito nacional, de forma a evitar que sejam divulgados resultados parciais apurados em Portugal continental ou na Região Autónoma da Madeira antes de se encontrar concluída a votação na Região Autónoma dos Açores;
b) Tal alteração poderá consistir na diferenciação das horas de encerramento das urnas eleitorais na Região Autónoma dos Açores e no resto do País, ou na proibição de divulgação de resultados eleitorais parciais enquanto não terminar a votação em todo o País;
c) A alteração do artigo 14.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 31/91, de 20 de Julho, de forma a incluir no tipo contra-ordenacional em causa a publicação ou difusão de sondagens no próprio dia das eleições ou da votação para referendo até ao momento do encerramento da votação.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL