Presidente do Conselho de Administração da Águas do Sado, SA
Número: 49/A/99
Processo: 434/97
Data: 28.05.1999
Área: A2

Assunto: CONSUMIDORES – ÀGUA – FORNECIMENTO – SANEAMENTO – RESÍDUOS SÓLIDOS – RECOLHA – DIREITO A QUITAÇÃO PARCIAL – MUNÍCIPES

Sequência: Não Acatada

1. Foi solicitada a minha intervenção com referência à prática seguida pelos Serviços Municipalizados da Câmara Municipal de Setúbal de recusarem o pagamento parcial da factura (única) relativa à prestação dos serviços de fornecimento de água, saneamento e recolha de resíduos sólidos.

2. Os munícipes que apresentaram queixa junto deste órgão do Estado viram recusados os seus pedidos de quitação parcial quanto pretenderam efectuar o pagamento dos montantes que lhes eram exigidos a título de consumo de água, deixando por pagar – por motivos que não interessa referir por serem irrelevantes para o estudo da presente questão – os valores referentes ao saneamento e à tarifa de resíduos sólidos.

3. Uma vez interpelados, responderam aqueles Serviços Municipalizados que “(…) tratando-se da exploração em conjunto de dois sistemas funcionalmente complementares e ambos dirigidos ao mesmo universo de utentes, seria uma medida economicamente desprovida de racionalidade admitir facturações separadas”, acrescentando ainda que “a componente jusante do sistema integral de saneamento completa-se com a recolha, transporte e tratamento dos chamados lixos urbanos”.

4. Considerando que, entretanto, a exploração dos serviços de abastecimento de água e de saneamento de Setúbal veio a ser concessionada à empresa “Águas do Sado, S.A.”, solicitou-se a esta última que esclarecesse se mantinha o entendimento acolhido pelos Serviços Municipalizados da Câmara Municipal de Setúbal – de que se tratava de serviços funcionalmente indissociáveis, por estarem englobados na mesma prestação de serviço, por a sua cobrança estar lançada na mesma factura, e, finalmente, por o preço da tarifa de saneamento e recolha de resíduos sólidos ser apurado em função do volume de água consumida -, o que veio a ser confirmado.

5. Analisados os elementos recolhidos no decurso da instrução do presente processo, e pese embora os argumentos invocados por V. Exa junto deste Órgão do Estado, entendo assistir razão aos reclamantes no caso vertente, juízo alcançado com base nos fundamentos que seguidamente passo a enunciar.

6. Em primeiro lugar, o facto de a prestação dos serviços em causa caber a uma mesma entidade, não significa que aqueles possam ser tratados “globalmente”, como se de uma só prestação de serviço se tratasse.

7. Em segundo lugar, não está em causa o uso da mesma factura para cobrança de vários tipos de serviços prestados e respectivas tarifas. Com efeito, o que está em causa é o pagamento parcial da mesma factura, ao abrigo do direito conferido pelo art. 6º, da Lei nº 23/96, de 26 de Julho, cuja epígrafe é, desde logo, elucidativa: direito a quitação parcial.

8. Aliás, e complementarmente, a mesma Lei, no seu art. 5º, nº 4, refere a possibilidade de não pagamento de outro serviço “.. ainda que incluído na mesma factura”, o que reforça o entendimento de que não é critério pelo qual se possa ajuizar da indissociabilidade funcional de dois ou mais serviços, o facto de os mesmos constarem de uma única factura.

9. Em terceiro lugar, ao referir-se à “prestação de serviços funcionalmente indissociáveis”, o artº 5º, nº 4, da Lei nº 23/96, de 26 de Julho, refere-se a uma indissociabilidade dos mecanismos postos em acção com o objectivo de prestar os variados serviços, de tal modo que, se o accionamento de um mecanismo importar o accionamento de outro, então, sim, estaremos em presença de serviços funcionalmente indissociáveis.

10. Por outras palavras, poderá também dizer-se que, se forem funcionalmente indissociáveis, a cessação da prestação de um dos serviços significará necessariamente a cessação da prestação dos outros, pelo que, nesse caso, poderá essa empresa recusar o pagamento parcial da factura que inclua os três serviços, sob pena da sua suspensão. Assim, e a contrario sensu, sempre que a cessação de um serviço não implique a cessação dos outros, estamos perante serviços dissociáveis, razão pela qual não poderá ser recusado o direito à quitação parcial.

11. Ora, a própria prática demonstra que o fornecimento de água não depende do funcionamento da rede de esgotos nem, tão pouco, da recolha dos resíduos sólidos. Que assim é, prova-o o facto de ser possível a interrupção do fornecimento de água sem que os outros dois serviços deixem de ser prestados, ou vice-versa.

12. Finalmente, importa ainda sublinhar que a indexação da tarifa de resíduos sólidos ao consumo de água é apenas um critério utilizado como forma de ultrapassar as dificuldades práticas de medição, caso a caso e recolha a recolha, do volume de resíduos produzidos e que o facto de nem todas as câmaras optarem por este critério apenas acentua o que acima ficou dito quanto à relação de total independência existente entre os serviços de fornecimento de água e os de saneamento e recolha de resíduos sólidos.

Pelo exposto, e sendo a “Águas do Sado, S.A.” uma empresa concessionária de um serviço público, compreendida, por isso, no âmbito de actuação deste Órgão do Estado (cfr. artº 2º, nº 1, da Lei nº 9/91, de 9 de Abril),

RECOMENDO

Que seja reconhecido aos munícipes utentes dos serviços prestados por essa empresa, no que respeita ao fornecimento de água, saneamento e recolha de resíduos sólidos, o direito à quitação parcial, previsto no art. 6º, da Lei nº 23/96, de 26 de Julho, sem a restrição consignada no art. 5º, nº 4 do mesmo diploma, já que se trata de serviços funcionalmente dissociáveis.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL