Secretária de Estado da Administração Educativa

Rec. n.º 37/A/00
Proc.: R-3897/99
Data: 18-04-2000
Área: A 3

Assunto: EDUCAÇÃO. ENSINO PRÉ-ESCOLAR, PARTICULAR E COOPERATIVO. CONCESSÃO DE APOIOS.

Sequência: Sem resposta conclusiva

1. A Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo apresentou uma reclamação nesta Provedoria de Justiça, contestando, entre outros aspectos, a recusa da assunção por parte do Estado dos encargos decorrentes da componente educativa do acompanhamento prestado às crianças, independentemente do nível económico dos respectivos agregados.

2. Antes de proceder à análise dos problemas que se colocam a este respeito, devo comunicar a Vossa Excelência ser-me profundamente grato verificar a evolução que este nível de ensino tem registado no nosso país, fruto de um significativo e meritório empenho do Governo, que desejavelmente irá permitir no futuro uma elevação apreciável do nível qualitativo do sistema educativo e da formação por ele concedida.
Sem prejuízo, entendo que a situação agora em apreço encerra alguns desvios relativamente à moldura legal aplicável, nos termos que passo a enunciar.

3. Tem sido crescentemente reconhecida a importância da educação pré-escolar no âmbito de um eficaz processo educativo, considerando as virtualidades que a frequência deste nível de escolaridade encerra na potencialização de capacidades e qualidade das crianças e na preparação destas para os graus de ensino subsequentes.
Nesse contexto, constituiu um objectivo estratégico da política de educação durante a última legislatura, o lançamento de um programa de expansão e generalização da educação pré-escolar, materializado na criação de uma rede nacional de estabelecimentos de educação pré-escolar, elegendo-se como prioritária a criação de condições que permitiam um aumento significativo da população escolar neste nível, objectivo considerado de manifesto interesse público.
Nesse sentido, foi publicada a Lei-quadro da Educação Pré-Escolar, contida na Lei n.º 5/97, de 10 de Fevereiro, na qual se encontram vertidos os traços fundamentais do ordenamento jurídico da educação pré-escolar.
Importará a este respeito aludir aos princípios relativos ao carácter facultativo da educação pré-escolar (cfr. artigo 3.º), por oposição ao carácter obrigatório da educação básica, a importância atribuída à participação da família na direcção e funcionamento dos estabelecimentos (cfr. artigo 4.º) e nos deveres cometidos ao Estado na criação da rede pré-escolar e designadamente das iniciativas particulares, cooperativas e sociais (cfr. artigos 5.º e 7.º).
Este diploma também estabelece uma norma que reveste especial pertinência no âmbito do assunto em apreço, e que desde já importa fazer referência: assim, depois de se acentuar o carácter unitário da rede pré-escolar, qualquer que seja a natureza da entidade promotora, estabelece-se que a componente educativa da educação pré-escolar será gratuita (artigo 16.º, n.º 1), não condicionando este apoio a nenhum critério de suficiência económica dos beneficiados, ao contrário do que sucede com os apoios relativos às componentes não educativas, cuja comparticipação caberá também ao Estado, mas aí atendendo-se às condições económicas das famílias beneficiadas (artigo 16.º, n.º 2)(1).
O Decreto-Lei n.º 147/97 veio desenvolver os princípios gerais do regime, sendo aqui de realçar a importância conferida ao direito de opção educativa e à igualdade de oportunidades das famílias, consubstanciado na possibilidade de, independentemente dos seus rendimentos, beneficiarem das mesmas condições de acesso aos estabelecimentos de educação pré-escolar, qualquer que seja a natureza da entidade titular em causa. Neste âmbito veio-se a retomar a imposição, dirigida ao Estado, de garantir a gratuitidade da componente educativa (cfr. artigo 7.º, n.ºs 1 e 2).

4. Na sequência dos diplomas referidos, o Despacho n.º 1058/98, de 23 de Dezembro de 1997, veio definir os moldes em que se desenvolveria o apoio às famílias com filhos em estabelecimentos de educação pré-escolar particulares e cooperativos. Assim, consagrou um regime de comparticipação do Estado nas despesas inerentes à frequência dos estabelecimentos, consubstanciada no pagamento aos agregados mais pobres de uma percentagem da anuidade(2), variável em função da capitação apurada em cada caso(3).
Actualmente, para o valor de anuidade de 334 560$, prevê-se o seguinte quadro de comparticipações:

Escalão Capitação do agregado Percentagem da anuidade Montante do apoio
1.º Até 35 160$00 56% 187 350$00
2.º 35 161$00 a 51 460$00 39% 130 480$00
3.º 51 461$00 a 68 270$00 29% 97 020$00
4.º 68 271$00 a 89 380$00 24% 80 290$00

Nestes termos, duas características podem desde logo ser apontadas ao regime: por um lado, restringiu-se a concessão do apoio às famílias mais carenciadas, por outro lado, suprimiu-se a distinção entre componente educativa e componente não educativa, reportando todas as despesas a um conceito unitário de valor médio de anuidade.

5. Será oportuno referir neste ponto que o quadro dos apoios aos alunos de instituições de solidariedade social regista uma amplitude bem maior do que a que se verifica relativamente aos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo, estando ali a ser garantida pelo Estado não apenas a gratuitidade da componente educativa, mercê de acordos firmados entre o Governo e as entidades representativas do sector, mas também a concessão de apoios para as componentes não escolares, ainda que condicionadas, essas sim, à efectiva carência económica da família, nos termos previstos no Despacho 300/97, de 7 de Agosto(4).

6. No quadro acima descrito, ressalta ter sido vontade expressa do legislador que o Estado suporte as despesas decorrentes da componente educativa da educação pré-escolar, independentemente da situação económica das famílias beneficiárias ou da natureza da entidade detentora do estabelecimento.
Tal encargo foi assumido tendo em vista a generalização, reputada como de interesse público, da frequência deste nível de ensino por parte da população etária respectiva, razão pela qual não foi condicionado a nenhum factor de natureza económica das famílias, mas também para garantir a igualdade de oportunidades no acesso a qualquer estabelecimento, aqui entendida como constituindo uma vertente fundamental da liberdade de ensino, constitucionalmente consagrada(5).

Ora, esta imposição legal não tem vindo a registar o necessário acolhimento por parte do Estado ao nível do sistema de ensino particular e cooperativo.
De facto, e tal como se viu, apenas os alunos pertencentes a agregados com capitações muito reduzidas beneficiam de uma comparticipação passível de cobrir o custo da componente educativa(6), existindo uma larga faixa de famílias que não recebem qualquer apoio.

Esta situação contribui necessariamente para minimizar as potencialidades que os estabelecimentos de ensino particular e cooperativos podem reunir no alargamento da população pré-escolar, em termos que não posso deixar de considerar contrários aos objectivos que presidiram ao lançamento do programa de expansão do ensino pré-escolar.

Acresce que, registando-se esta omissão apenas ao nível do ensino particular e cooperativo, a actuação do Estado viola o princípio da unicidade da rede escolar, consagrado pela Lei, em termos passíveis de introduzir desvios à racionalidade que é subjacente a esta concepção.

Por outro lado, não se pode afirmar ocorrer uma plena observância da liberdade de opção de ensino já que, na prática, as famílias com menores recursos estarão excluídas dos estabelecimentos onde sejam exigidas propinas.
Esta situação induz a que os colégios particulares e cooperativos
venham a ser frequentados apenas por alunos pertencentes a um estrato social e económico mais elevado, em razão do que se encontra significativamente esvaziado o alcance que o legislador quis conferir a esta vertente da liberdade familiar, pelo menos para as famílias de menores posses que pretendessem dar aos seus educandos um projecto educativo distinto daquele que é proporcionado pelas escolas públicas.

Embora o pagamento da componente educativa nos colégios particulares e cooperativos não permitisse, só por si, alterar inteiramente este quadro, poderia sem dúvida possibilitar um alargamento da cobertura destes estabelecimentos, tendo-se aqui especialmente presente famílias com menores recursos económicos.

7. Nestes termos, considero ser a todos os títulos desejável que a prática desse Ministério passe a contemplar a possibilidade de o apoio à educação pré-escolar, consubstanciado na assunção dos encargos decorrentes da componente educativa, abranger todos os alunos do pré-escolar, nos termos estipulados na lei.
No entanto, atendendo aos consideráveis encargos orçamentais que uma medida desta natureza representará, e que tende aliás a crescer juntamente com o número de alunos que desejavelmente ingressarão no ensino pré-escolar num futuro próximo, a concessão do apoio em causa deverá ser faseada e progressiva, ainda que de acordo com uma calendarização pré-definida, manifestando-se uma intenção clara de se dar cumprimento à lei, devidamente temperada por realistas considerações de carácter orçamental.

Atento o exposto, RECOMENDO:

a Vossa Excelência que o Estado, por meio do Ministério da Educação, assuma progressiva e faseadamente o dever que lhe é cometido pela lei, de suportar integralmente os encargos decorrentes da componente educativa da educação pré-escolar em toda a rede deste nível de ensino.
Do seguimento dado à presente recomendação, agradeço que me seja dado conhecimento.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL
__________________________________

(1) O Despacho n.º 300/97, de 7 de Agosto, que estabeleceu os apoios às famílias com crianças a frequentar estabelecimentos pertencentes a instituições sociais, reportou à componente educativa a actividade do educador de infância e a disponibilização de material didáctico-pedagógico. O conteúdo desta componente foi também explicitado num protocolo celebrado em 24 de Julho de 1998 entre os Ministérios da Educação e do Trabalho e da Solidariedade e a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, como compreendendo o custo, por sala, do vencimento de um educador de infância, de um auxiliar de acção educativa de uma percentagem das despesas de direcção pedagógica do estabelecimento e da aquisição de material didactico-pedagógico.
(2) Entendendo-se a anuidade como o valor médio das anuidades cobradas pelos estabelecimentos, fixada anualmente pelo Governo e que, no ano lectivo em curso, cifra-se em 334560$00.
(3) O Despacho 1058/98 reportou-se ao ano lectivo de 1997/1998, tendo sido substituído, para os anos lectivos seguintes, respectivamente pelos Despachos n.ºs 20250/98, de 2 de Novembro e 15671/99, de 22 de Julho, que, basicamente, se limitaram a actualizar os valores utilizados.
(4) Apesar de este Despacho prever a sua aplicação aos estabelecimentos de educação pré-escolar, sem operar qualquer distinção entre os mesmos, a verdade é que as disposições nele contidas, bem como os apoios nele previstos, apenas se têm aplicado aos estabelecimentos públicos e solidários, não sendo abrangidos, portanto, os estabelecimentos particulares e cooperativos, facto que apenas se poderá depreender do teor do preâmbulo do diploma.
(5) Cfr. artigo 43.º da Constituição da República Portuguesa, artigo 1.º, n.º 3 da Lei n.º 9/79, de 19 de Março, e artigo 1.º da Lei n.º 65/79, de 4 de Outubro.
(6) No Protocolo celebrado com a Santa Casa a que atrás se aludiu, o montante convencionado desta componente seria, no ano lectivo de 1999/2000, de 15 935$00 mensais, portanto, aproximadamente 15 0000$00 anuais.