Director do Hospital Geral de Santo António
Número: 43/A/99
Processo: 1750/98
Data: 26.05.1999
Área: A3

Assunto: ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL – TRATAMENTO MÉDICO INCORRECTO – COMPENSAÇÃO DE DESPESAS – SECTOR PRIVADO

Sequência: Acatada

1. Como é do conhecimento de V.Ex.ª, a Senhora… dirigiu-me uma reclamação relativa ao atendimento dispensado a seu pai, o Senhor …, entretanto falecido, no Hospital de que V.Ex.ª é Director.

2. De acordo com a reclamante, o atendimento pós-operatório do Senhor …. – internado no Serviço de Cirurgia 2 com o diagnóstico de hérnia inguino-escrotal direita, e objecto de intervenção cirúrgica em … 98 – e a decisão de alta de … 98, foram deficientes nos seguintes aspectos:

2.1. Foi dada alta ao doente sem se verificar se ele urinava espontaneamente, tendo sido dito à reclamante para verificar se o seu pai urinava ou não, com a recomendação oral de, em caso negativo, proceder à sua algaliação;

2.2. Quando o doente chegou a casa, transportado em maca, apresentava 39,5º C de temperatura;

2.3. Durante o internamento hospitalar, o doente era deixado com os pés de fora das grades da cama onde se encontrava, sendo por vezes amarrado à cama.

2.4. O doente nem sempre apresentava pensos nos calcanhares, feridos em virtude de se encontrar permanentemente acamado, pelo que as escaras nos pés se revelaram de difícil tratamento, demonstrando, segundo a reclamante, a falta de cuidado na assistência ao doente no período de internamento hospitalar.

3. Instruído o processo aberto com base na referida reclamação, veio a apurar-se que:

3.1. No período pós-operatório, o doente revelou uma agitação psico-motora, que exigiu a sua imobilização, tendo também o doente sido colocado com os pés de fora das grades da cama com vista a evitar que friccionasse os pés um contra o outro e contra as pernas;

3.2. O doente, por ser diabético, e em virtude da agitação psico-motora supra descrita, desenvolveu mais facilmente feridas e escaras;

3.3. Não há registo, nas notas de enfermagem, de terem sido frequentemente efectuados ao doente pensos nas zonas de fricção, resultando, no entanto, dos depoimentos do pessoal de enfermagem serem regularmente efectuados tais pensos, que o doente retirava em virtude da sua agitação;

3.4. Foi dada alta ao doente sem este se encontrar algaliado, e sem ter sido apurado se este urinava espontaneamente,

3.5. Na nota de alta não se refere encontrar-se o doente com febre, pelo que não foi possível apurar ao certo o sucedido, não se referindo tão pouco ter o doente problemas de retenção urinária.

4. Por seu turno, o Senhor Dr…., Director do Serviço de Cirurgia 2 à data dos factos, informou a reclamante, num primeiro relatório, que a decisão de alta se prendeu com o estado de agitação do doente o qual, de acordo com parecer de psiquiatra, poderia estar relacionado com o afastamento do seu ambiente familiar.

Por outro lado, o inquérito conduzido pela Senhora Enfermeira… e do qual foi enviada cópia à reclamante,concluiu que nas notas de enfermagem não há registos precisos das diversas ocorrências relativas ao doente, e ainda que foi dada alta ao doente sem que este se encontrasse algaliado, e sem ter sido verificado se este urinava espontaneamente. Esta última conclusão foi corroborada no segundo relatório do Senhor Dr. …, elaborado em resposta a um ofício desta Provedoria de Justiça, o qual afirma que a atitude correcta deve ser a observação da situação do doente, quanto a este aspecto, previamente à decisão de alta.

Neste relatório, alegou ainda o Senhor Dr…. que o recurso a cuidados privados de enfermagem se deveu a uma opção da filha do doente.

5. Após análise de todo o processo,concluí terem ocorrido duas falhas no procedimento hospitalar:

5. 1. Decisão de alta

Conforme referido, é reconhecido por esse Hospital ter sido um erro dar alta ao doente sem verificar se ele urinava espontaneamente. Atente-se ainda que o doente em causa fora algaliado em …98, tendo sido efectuadas drenagens de elevados débitos, o que comprova que a situação clínica se verificava, pelo menos, desde aquela data.

Por outro lado, afirmar que o recurso para enfermagem particular foi uma opção da família do doente não se afigura inteiramente correcto:

De acordo com o Centro de Saúde da …, ao qual pertencia o doente, só há possibilidade de apoio domiciliário mediante requisição por médico daquela unidade de saúde e com marcação prévia de 48 horas, não sendo efectuado apoio domiciliário aos fins de semana. Uma vez que o doente teve alta a uma quinta-feira, apenas poderia ter apoio domiciliário no âmbito do Serviço Nacional de Saúde na segunda-feira seguinte, dia … 98.

Ora, no dia da alta, o doente foi algaliado em sua casa, por volta das 18.30h, tendo sido drenados de imediato cerca de 500 cc de urina, conforme relatório do Serviço de Enfermagem … Porto de que anexo fotocópia.

Conclui-se, assim, que não tendo o doente Senhor…algaliado no Hospital aquando da alta, e que o mesmo se encontrava acamado, a única hipótese de se proceder à correcção da sua situação de retenção urinária seria através do recurso a serviços privados de enfermagem.

Estão, pois, em causa as despesas decorrentes da necessidade de recurso a serviços privados de enfermagem para se proceder à algaliação do doente no dia da alta hospitalar, …98.

O custo da referida algaliação foi de 5.500$00, conforme comprovam os documentos em anexo. No entanto, uma vez que o doente Senhor… era beneficiário da ADSE, tal acto de enfermagem foi comparticipado em 1.230$00, conforme decorre da aplicação da Tabela de Comparticipações publicada na II Série do Diário da República, nº. 76, de 31.3.98.

Resulta do exposto que a família do doente, em virtude da algaliação efectuada no domicílio no dia …, suportou a despesa de 4.270$00.

Estamos perante um acto ilícito praticado pelo Hospital de Santo António – a alta dada ao Senhor… nas circunstâncias supra descritas – que foi causa adequada de um dano suportado pela família do doente: o pagamento de despesas de algaliação do Senhor … no seu domicílio, no dia da alta hospitalar. Verificados que estão os pressupostos da responsabilidade civil, cabe ao Hospital de Santo António ressarcir os danos em causa.

5.2. Documento de alta
Por outro lado, a “nota de alta” a apresentar ao médico assistente do doente, referido no ponto 4 da informação elaborada pelo Senhor Dr…., é omissa quanto a determinados aspectos.

Com efeito, o boletim da alta nada refere quanto à eventual necessidade de algaliação do doente, pelo que não parecem estar reunidos os elementos para um eficaz seguimento da situação do doente, quer por parte do seu médico assistente, quer em sede de cuidados de saúde primários.

Em face do exposto, e embora sejam de louvar as medidas já adoptadas por esse Hospital no tocante à sensibilização do pessoal para a importância do registo pormenorizado e diário dos actos médicos e de enfermagem praticados, bem como para a importância das explicações a fornecer aos familiares quanto aos procedimentos a adoptar após a alta,

RECOMENDO

que:

a) Seja paga à reclamante a importância de 4.270$00 decorrente de despesa efectivamente suportada pela algaliação do seu pai por serviços particulares de enfermagem;

b) Sejam adoptadas medidas no sentido de as notas de alta dos doentes serem precisas, contendo todas as informações necessárias ao eficaz seguimento do doente por parte do seu médico assistente.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL